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6 de out. de 2011

Dior

     O mito Dior tem data e hora de nascimento: 12 de fevereiro de 1947, às 10h30, desfile da primeira coleção do costureiro. Em um Europa ainda arrasada pela II Guerra Mundial e enfrentando o racionamento de artigos de primeira necessidade, Christian Dior ousou mostrar trajes opulentos que consumiam "quilômetros de tecidos", como a imprensa fez questão de ressaltar. Ao final, quando os salões onde os convidados se amontoavam explodiram em aplausos, o ex-galerista de 42 anos se perguntou: "O que foi que eu fiz?". A resposta veio da editora de moda Carmel Snow, diretora da revista americana Harper's Bazaar: "Um revolução, querido Christian. Seus vestidos posssuem um new look".
     De 1947 a 1957, Christian Dior (1905-1957) incendiou o mundo da moda com o vestido de cintura justa e saia rodada que ficou conhecido como o lendário New Look e inspirou um novo glamour no mundo pós-guerra. Com alcance mundial e várias licenças nas mãos, Dior estabeleceu o modelo do império da moda moderno. A Duquesa de Windsor, Marlene Dietrich e a Princesa Margaret foram alguns nomes que adotaram suas criações, resultado de sua habilidade com as crinolinas e a criatividade que resultou na linha Oval em 1951, na Cupola em 1953 e na linha H em 1954. Dior fez apenas 22 coleções e morreu enquanto passava as férias na Itália, em 1957. Foi um infarto fulminante, durante uma partida de canastra em sua casa de campo.
     Discípulo de Dior, Yves Saint Laurent atuou de 1957 a 1960. Tornou-se alvo da atenção do mundo da moda ao ser nomeado sucessor do estilista. Seu primeiro desfile, em janeiro de 1958, estava recheado de silhuetas curtas e ágeis, com ombros estreitos e barras na altura dos joelhos – que ele chamou de linha Trapézio, sinalizando sua intenção de injetar na grife mais jovialidade e um espírito mais leve. Geralmente bem recebidas, sua quarta coleção, com as chamadas "saias mancar", muito acima do joelho, deixou o mundo perplexo e parte das clientes mais conservadoras acharam suas criações muito radicais. A coleção outono/inverno de 1960, a última que fez para a Dior, homenageou os intelectuais da Rive Gauche e não foi bem recebida. A partir daí, a casa passou a procurar discretamente um substituto e Saint Laurent acabou sendo convocado para servir o Exército francês na Guerra Civil da Argélia.
     Atuando de 1961 a 1988, Marc Bohan foi o estilista mais longevo da Dior. Bohan era quieto e desprezava a fama. Ele se dispôs a criar roupas para as mulheres de verdade e tinha um toque conservador. Sua coleção mais memorável, em 1966, foi influenciada pelo filme "Doutor Jivago", com casacos de inspiração russa. Mesmo que suas roupas não tivessem a vibração das de seus antecessores, Bohan criou uma clientela sólida que incluía Elizabeth Taylor e as princesas Grace e Caroline de Mônaco. Sua criação mais famosa talvez tenha sido o vestido de casamento que fez para Farah Diba Pahlavi, Imperatriz do Irã, em 1967.
     De 1989 a 1996, foi a vez de Gianfranco Ferre assumir a Dior. Colocar um italiano na casa de alta costura mais icônica de Paris só poderia causar comoção – mas o estilista levou a grife de volta aos dias de glória do próprio Dior e acabou conquistando os franceses. Suas coleções se inspiraram nos dândis, na Renascença e nas rainhas da neve, uma após a outra. Mesmo que os críticos nunca tenham se deixado conquistar por Ferre, Paloma Picasso, a princesa Diana, Bernadette Chirac e Marie-Helene de Rothschild eram algumas de suas clientes. No início dos anos 1990, porém, a marca continuava no vermelho, e Ferre acabou saindo em 1996.
     De 1996 a 2011 foi a vez de John Galliano assumir a Dior. Chocante, excitante, teatral e assustadoramente criativa – essas são só algumas das descrições da Dior de Galliano. Ao virar os códigos da grife de cabeça para baixo, Galliano a colocou entre os grandes nomes da moda, mesmo com uma boa dose de polêmica. A coleção de 2000, "Tramps", inspirada nos sem-teto, enfureceu associações de proteção aos moradores de rua e dizem que depois do desfile – no qual aparecia um trem chegando à gare de Austerlitz – ele foi aconselhado a conter sua extravagância. A habilidade de Galliano em produzir silhuetas enviesadas e o estilo Kabuki radical deu à Dior uma estética distinta e, sob sua supervisão, as vendas de prêt-à-porter quadruplicaram. Lutando contra os vícios, porém, o estilista foi demitido depois do escândalo das declarações antissemitas.
     Nomeado em 2011, Bill Gaytten, assessor de Galliano durante 23 anos, virou a bola da vez depois da saída de seu mestre – e enfrentou o desafio de produzir e criar coleções apesar de ser considerado apenas um tapa-buraco. Suas criações contidas, pelo menos para os padrões da casa, refletiam esse sentimento, mesmo tendo recebido críticas encorajadoras e feito crescer as vendas. Gaytten homenageava as origens da grife com referências ao New Look e embora suas roupas fossem bonitas e tivessem apelo comercial, não tinham emoção suficiente para fazer a casa arrancar.
     Em 2012 a grife nomeou Raf Simons como diretor artístico das coleções de alta costura, prêt-à-porter feminino e acessórios. Sua primeira coleção foi apresentada na Semana da Moda de Paris, em julho daquele ano. Foi um sopro renovador comparado à atmosfera barroca anterior. Apesar do bom desempenho de crítica e público, deixou o cargo depois de apenas três anos.
     A nova diretora criativa e a primeira mulher a assumir o cargo em setenta anos de história é a italiana Maria Grazia Chiuri. Assim como em 1947, o mundo anda tumultuado e existe muita conversa em torno de um certo "novo feminino". Não à toa, em sua primeira coleção para a marca, em 2016, ela trouxe para a passarela uma camiseta com as palavras de ordem de uma palestra feita pela engajada escritora africana Chimamanda Ngozi Adichie: "Devemos todos ser feministas".
     Em 5 de julho de 2017, é aberta em Paris a mostra Christian Dior, Couturier du Rêve (O Costureiro do Sonho), que fica até janeiro de 2018 no Museu de Artes Decorativas. Amante das artes, de gosto refinado, com profundo conhecimento de antiguidades, Dior cultivava uma paixão por flores e jardins exuberantes, estava sempre disposto a saborear algum prato robusto da gastronomia internacional e acreditava piamente nas cartas do tarô. A mostra de Paris celebra o personagem por trás da marca de luxo e confirma sua relevância atual no estilo (e, claro, nos negócios).
(Fonte: The New York Times News Service/Syndicate / revista Veja - 28.06.2017 - partes)

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