Total de visualizações de página

6 de out. de 2011

Ford

          A figura de Henry Ford (1863-1947) aparece pela primeira vez no automobilismo em 1896. A aparição, ainda que discreta, já pôde dar uma ideia do papel que, alguns poucos anos mais tarde iria representar quando criaria uma moderna indústria de motores nos Estados Unidos e revolucionaria a produção industrial de uma maneira geral.
          Filho de um imigrante irlandês que se tornou fazendeiro nos EUA, Henry Ford desde jovem demonstrou interesse por mecânica. Em 1890, assumiu o posto de engenheiro na empresa de Thomas Edison, que mais tarde se tornaria seu amigo. Em 1903, aos 40 anos de idade, com outros 11 investidores e US$ 28 mil de capital formou a Ford Motor Company.
          O símbolo da Ford é um dos que menos passou por mudanças entre as marcas automotivas; ele faz uma homenagem a Henry Ford, criador da empresa.
          O primeiro carro da Ford, o Ford T, foi o primeiro carro flex, o primeiro carro produzido em série e deu origem à indústria automobilística americana. A primeira unidade foi vendida nos EUA em 1º de outubro de 1908. De 1908 a 1927 foram produzidas 15 milhões de unidades.
          Nos cinco primeiros anos nos Estados Unidos, o Ford T era produzido de forma artesanal. Depois de se inspirar em um matadouro, onde as carcaças dos bois eram levadas por ganchos e esquartejadas por açougueiros à medida que passassem por diferentes estações de trabalho, Henry Ford criou o conceito de fabricação em série, com uma linha de produção em que o operário ficava parado e o carro é que se movia numa esteira.
          Em 1913 foi introduzida a linha de montagem que revolucionou os métodos de produção industrial. O objetivo era obter a redução de custo unitário dos carros e ganhar com o aumento do volume de vendas. A produção era totalmente verticalizada. Ford possuía desde a fábrica de vidros e a siderúrgica até a plantação de seringueiras (para a borracha dos pneus).
          Em 1914, Henry Ford pagava a seus funcionários US$ 5 por dia, o que representava um grande avanço na área de administração de recursos humanos. A medida, contudo, não era um gesto de puro altruísmo. Ford revelou-se eficiente ao criar um mercado para seus produtos e garantir que seus funcionários pudessem comprar um carro.
          Graças ao sucesso do modelo T, por volta de 1915, a Ford tinha um excedente em caixa. Em vez de transformar o dinheiro em dividendos para os acionistas, o presidente da empresa, Henry Ford, decidiu reduzir os preços dos carros e aumentar os salários dos empregados. A decisão irritou acionistas minoritários. Os irmãos John e Horace Dodge, que tinham 10% das ações da Ford, entraram com uma ação contra o fundador, alegando que ele usava seu poder na companhia para agir "de forma caridosa" com funcionários e clientes. Ford argumentou que, além de fabricar produtos acessíveis, o objetivo da empresa era criar mais empregos e oferecer bons salários. A Justiça de Michigan, no entanto, deu ganho de causa aos irmãos Dodge. Ao longo de anos, o caso foi citado em cursos de direito e em teses como exemplo de que empresas têm de prioritariamente ser administradas para o lucro de seus acionistas. Mas, com o tempo, novas regras de governança começaram a mudar a interpretação do caso, que ficou conhecido como Ford versus Dodge. Mesmo sob suspeita de alguns de que a verdadeira intenção de Henry Ford teria sido a de minar a ascensão de dois minoritários que, ao fim das contas, construíram uma empresa concorrente, que passou a produzir automóveis, o episódio contribuiu com novas lições para o mundo corporativo.
          A Ford instalou-se na América do Sul em 1916, com a construção de sua atual fábrica na Argentina. Quatro ano depois, durante o governo de Epitácio Pessoa, a empresa anunciou a vinda ao Brasil. Inicialmente, os veículos eram montados em um galpão instalado na Rua Florêncio de Abreu, no centro da cidade de São Paulo, onde a Ford já em 1919 começou a produção do Ford T, que era importado desde 1909. O acelerador era uma alavanca junto ao volante, que formava par com outra, para ajustar o avanço da ignição. As duas alavancas opostas, formavam a figura de um bigode, o que levou o T a ser chamado no Brasil, de Ford Bigode.
          Em 1921, a empresa inaugurou a filial brasileira, em um prédio construído para funcionar como linha de montagem brasileira. Foi a primeira grande fábrica da marca no Brasil, onde produziu automóveis e caminhões. A fábrica ficava na Rua Solon, 1121, no bairro do Bom Retiro. O local perdeu espaço na companhia depois da construção de uma nova unidade no Ipiranga, em 1953 (em 2003, o Instituto Criar passou a ocupar essas dependências).
          Em 1922, com a aquisição mundial da fabricante de automóveis de luxo Lincoln, a empresa começou a importar esse modelo no Brasil.
          Em 1930, Henry Ford, que precisava de borracha para os pneus dos carros que saíam de suas fábricas, adquiriu terras próximas a Santarém, no Pará, e criou uma cidade no meio da floresta - Fordlândia. A ideia era tentar quebrar o monopólio global da Inglaterra. Em 1876, o inglês Henry Wickham, que se estabelecera em Santarém, às margens do Rio Tapajós, contrabandeou 70 mil sementes de Hevea brasiliensis para o Royal Botanic Gardens de Kew, uma famosa instituição britânica com 250 anos de história no estudo da botânica. Apenas 2 mil das sementes germinaram, mas as mudas, transplantadas para o Sudoeste asiático, produziram, 37 anos depois, a ruína econômica da Amazônia brasileira e mudaram, em certa medida, o mundo. Foi o marco da biopirataria global. A investida na Amazônia de Ford foi um fracasso, motivado pelas pragas e pela incompatibilidade entre os caboclos amazônicos e o modo de produção do "fordismo".
          Em 1948, com as séries "F", a Ford criou o mercado mundial de picapes, hoje com dezenas de milhões vendidas.
          Em 1958, foi inaugurada, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, uma nova instalação, no bairro do Ipiranga, para produzir motores.
          Em 1967, a Ford adquire o controle da Willys-Overland, fabricante da Rural e do Jeep Willys, com instalações no bairro do Taboão em São Bernardo do Campo e inicia suas atividades no local. E produz seu primeiro carro 100% brasileiro, o Galaxie 500. Dez anos depois, em 1977, a montadora lança o Corcel II, que se tornaria recordista em vendas e seu maior sucesso no Brasil. Cinco anos depois, começa a exportar o Escort. Dessa fábrica em SBC já saíram modelos como o Jeep Willys e o utilitário Rural, passando por Corcel, Maverick, Del Rey, Pampa, Escort, Ka, Courier e o Fiesta.                    Em 15 de outubro de 1978, depois de 32 anos na companhia, sendo vários como presidente e, depois de uma fritura que durou pelo menos três anos, o executivo Lee Iacocca foi demitido por Henry Ford (II, neto do fundador, filho de Edsel Bryant Ford). Não ficou nada claro o motivo, exceto o fato de nunca ter havido empatia. Afinal, os últimos dois anos tinham sido muito generosos em termos de lucros para a Ford.
          As crises econômicas e petrolíferas dos anos 1980 atormentaram os fabricantes de automóveis. O Taurus da Ford, lançado em 1985, era o cavalo de batalha da Ford. Seu design definiu os anos 1980 e 1990, permitindo à empresa permanecer no mercado. Foi produzido até 2006.
          Em 1986, depois de anos de prejuízo, a Ford Brasil estava em vias de fechar as portas. Sua salvação foi a criação da Autolatina, joint venture com a Volkswagen do Brasil. Com o início da onda importadora causada pelo plano Collor, a Ford traz para o Brasil, principalmente a partir de 1994, o Taurus, dos Estados Unidos, e o Mondeo, da Europa. A partir de 2000, o mercado fica ainda mais competitivo, e as novas montadoras começam a ganhar mercado da Ford.
          Em 1987, a Ford faz parceria com a Aston Martin que dura duas décadas. Em 1993 é lançado o modelo DB7, com o qual a Aston Martin viu sua marca revitalizada. Em pouco tempo esse modelo se tornou o maior best-seller da empresa. Apesar de seu interior de plástico barato emprestado da Ford, o DB7, que poderia ser considerado o primeiro carro moderno da Aston Martin, dominou as vendas da empresa, proporcionando estabilidade e prosperidade. Foi produzido até 2004.
          "Eu acredito na Ford." Durante todo o ano de 1993, a frase, proferida em tom messiânico, estrondava em encontros de funcionários e distribuidores da filial brasileira da Ford. Com esse grito de guerra, o executivo alemão Udo Joachim Kruse, nascido em 1942, presidente da empresa, empreendeu uma das maiores viradas de que se tem notícia no mundo dos negócios brasileiro. Ao assumir a presidência, em setembro de 1992, Kruse encontrou uma empresa moribunda. A participação no mercado despencara para cerca de 12%, contra os históricos 22%. A rede de revendedores e os funcionários estavam desmotivados. Com Kruse, talvez o mais teatral homem de negócios então em atividade no Brasil, as coisas mudaram. A produção saltou de 111.000 para 175.000 veículos anuais. Em apenas doze meses a Ford promoveu oito lançamentos, do Escort 1000 a ônibus. O faturamento em 1993 subiu 50% em relação ao ano anterior, chegando aos 2 bilhões de dólares.
          Em janeiro de 2001, a fábrica de caminhões Ford, que até então funcionava no bairro do Ipiranga, foi integrada às instalações de São Bernardo do Campo..
          Sob o comando de William Clay Ford Jr., ou simplesmente Bill Ford, bisneto do fundador Henry Ford, a Ford mundial amargou prejuízo de 5,5 bilhões de dólares em 2001. A promessa de 20 lançamentos foi feita para tentar sair dessa situação.
          A subsidiária brasileira fez sua parte. O modelo EcoSport, utilitário esportivo desenvolvido pela filial brasileira, lançado em 2003, foi responsável pela volta ao lucro da montadora no Brasil.
          Em março de 2007, a Ford anuncia a venda da Aston Martin, por US$ 848 milhões, mantendo uma pequena participação. A venda foi uma das alternativas encontradas pela Ford para contrapor o prejuízo altíssimo do ano anterior. A venda aumentou a liquidez da companhia, que teve enormes gastos com seu plano de reestruturação na América do Norte. A venda da Aston Martin, porém, apesar de ter sido um sucesso e atingido um bom valor, tem um sabor agridoce para a Ford. Afinal, com a transação, a companhia se desfaz de uma de suas jóias da coroa e uma das poucas subsidiárias bem sucedidas em toda a história da parceria.
          No Brasil, em agosto de 2007, a Ford alcançou 11,5% de participação de mercado, depois de recuperar 4 pontos percentuais. Isso foi consequência do investimento de uma nova fábrica na Bahia, lançamento de novos carros, como o EcoSport, e revigoramento da marca.
          Na severa crise do subprime de 2008, quando empresas como GM e Chrysler quase foram à bancarrota e precisaram pedir socorro ao governo americano, a Ford conseguiu sobreviver sem grandes sobressaltos.
          Nos últimos anos, a necessidade de somar esforços para o desenvolvimento tecnológico dos veículos fez surgir diversas parcerias entre montadoras. Nenhuma, no entanto, nasceu tão grande e robusta como a aliança Ford e Volkswagen, anunciada em 15 de janeiro de 2019, em Detroit. Ao contrário de outros acordos do gênero, a união não surge de operação de salvamento, por parte de uma empresa mais forte, de outra à beira da bancarrota. O novo casamento é um maneira de, preventivamente, ambas se prepararem para enfrentar novos tempos. A nova parceria junta o grupo Volkswagen, que tem revezado com Toyota o primeiro lugar entre os maiores produtores de veículos, e Ford, na quinta colocação, segundo dados de 2017. Isso representa uma produção em torno de 17 milhões de veículos por ano e 842 mil trabalhadores espalhados pelo mundo e com forte presença no Brasil. Em 2018, o faturamento da Ford somou US$ 156 bilhões e o da Volks, EUR 230,7 bilhões. A estratégia da parceria não pode, porém, ser analisada como uma simples soma de valores. Os dois lados deixaram claro, que não se trata do surgimento de uma nova empresa, por meio de joint venture, ou troca de participações acionárias. É uma aliança voltada ao compartilhamento de custos para desenvolvimento de novos veículos. O plano começa com picapes e vans na Europa, América Latina e África do Sul, em 2022, e seguirá com sinergias em projetos de carros elétricos e autônomos, além de serviços de mobilidade. Se os planos derem certo, os primeiros resultados de melhoria de eficiência em ambos os lados vão aparecer em 2023.
          No Brasil, em 19 de fevereiro de 2019, a Ford informou que decidiu encerrar a produção em São Bernado do Campo, no ABC paulista, no ano. A unidade emprega 3 mil funcionários e produz caminhões e o automóvel compacto Fiesta. Com isso, as operações da montadora americana no Brasil ficarão restritas à fábrica de automóveis de Camaçari, onde é produzido apenas o modelo compacto Ka, e à unidade de Taubaté, no interior de São Paulo, onde são fabricados motores. A montadora também tem uma fábrica de picapes na Argentina, localizada em General Pacheco, na região metropolitana de Buenos Aires. Segundo a empresa, trata-se de uma reformulação global do negócio da companhia. Em 30 de outubro de 2019, após 62 anos, a fábrica da Ford de São Bernardo encerra sua produção, com a demissão de cerca do 600 operários da linha de montagem de caminhões. O fechamento da emblemática fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, um dos principais símbolos da indústria automobilística no ABC, é um marco histórico.
          A Ford informou em 31 de outubro de 2020 que concluiu a venda de sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP) para a Construtora São José e para a FRAM Capital.
          A Ford é dona das marcas Mercury e Lincoln (vide origem da marca Lincoln neste blog).
          A Ford anunciou em 11 de janeiro de 2021, o fim de uma história de um século de produção de carros no Brasil. A montadora, que já tinha encerrado a produção em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, comunicou que vai fechar durante o ano de 2021 as demais fábricas no país: Camaçari (BA), onde produz os modelos EcoSport e Ka, Taubaté (SP), que produz motores, e Horizonte (CE), onde são montados os jipes da marca Troller.
(Fonte: livro - Iacocca - uma autobiografia / revista Exame - 05.01.1994 / revista Forbes Brasil - 30.12.2001 / 26.04.2002 / Exame - 13.04.2005 / 29.08.2007 / jornal O Estado de S. Paulo - 28.09.2008 / revista Época - 06.07.2009 / revista Veja São Paulo - 17.03.2017 / MSN-Espresso - 27.05.2017 / Valor - 16.01.2019 / 20.02.2019 / 30.10.2019 / 20.11.2019 / 03.11.2020 / Dica de Hoje Research - 11.01.2021 -  partes)

Nenhum comentário: