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2 de out. de 2011

The Economist

          Concorrentes e estudiosos da mídia tentam entender que tipo de publicação é "The Economist" e os motivos de seu sucesso. Tarefa árdua. Para começar, a própria "The Economist" não se considera uma revista, mas um jornal, "newspaper".
          Talvez seja mais fácil dizer o que ela não é. Não é uma "newsmagazine", uma revista semanal de informação como as americanas "Time", "Newsweek" e "US News & World Report", às quais foi comparada. Nunca pretendeu cobrir a grande variedade de assuntos dessas revistas e nunca foi tão superficial. Essas publicações enfrentam uma crise; duas já desapareceram e a terceira, "Time", esquecendo que é uma "newsmagazine", desistiu de informar sobre a semana e hoje é uma publicação indefinida, bastante ilustrada e pouco informativa.
          No século passado, "The Economist" já foi classificada na Inglaterra como uma revista de opinião, ao lado de "New Statesman", "The Spectator" e "The Listener". Foi numa época em que "New Statesman", a admirada voz da esquerda inglesa, líder da categoria, vendia 90 mil exemplares - hoje 25 mil. "The Listener" desapareceu; "The Economist" cresceu exponencialmente, ao juntar fatos à opinião. Apesar do nome, não pode ser encaixada no estreito nicho das publicações especializadas em economia e negócios, como "BusinessWeek", "Forbes" ou "Fortune", que entraram em decadência. O foco de sua cobertura é mais rico e variado.
          "The Economist" tem algo de semanário de informação, de revista de opinião e de publicação especializada. Mas é também algo mais. Ocupa, sozinha, uma categoria que foge a qualquer tentativa de classificação.
          Para explicar seu sucesso, foram apontados diversos fatores. Um deles é  uma surpreendente coerência de princípios ao longo de seus mais de 180 anos de vida. "The Economist" foi fundada em Londres, em 1843, por James Wilson, um escocês fabricante de chapéus que a usou para combater as "Corn Laws", a legislação que protegia os produtores ingleses de cereais com elevadas barreiras alfandegárias. A revista promovia o  livre comércio e o internacionalismo, defendia a liberdade e a responsabilidade individual e o uso da razão como guia. Exatamente como hoje. Wilson era, também, pragmático. Dizia que os argumentos e propostas da publicação deveriam ser submetidos ao teste dos fatos.
          Não deixa de surpreender a enorme influência de "The Economist", que se estendeu até a Europa e os Estados Unidos, apesar de sua baixa circulação. Durante o século XIX e começo do século XX, vendia apenas entre 3 mil e 4 mil exemplares; nos anos 1920, chegava a 6 mil. A circulação começou a decolar durante a Segunda Guerra Mundial, quando alcançou os 18 mil exemplares, sob a direção de Goeffrey Crowther, talvez o editor mais importante da revista no século passado.
          Sob a direção  de Crowther, metade dos leitores estava no exterior; a revista era lida em mais de cem países. Continuou defendendo o livre comércio, o "laissez-faire" e a liberdade individual, mas reconheceu que o Estado tem um papel importante na economia e que o "laissez-faire", sozinho, não consegue  reduzir as desigualdades. Partia  do princípio que o coração está ligeiramente à esquerda. Alguns de  seus sucessores empurraram "The Economist" mais para a  direita.
          Em 1996, sua tiragem era de 600.000 exemplares semanais, relativamente pequena - pelo menos para os padrões milionários das revistas americanas.
          Mas eis uma prova irretorquível de que tamanho não é documento. A inglesa Economist é provavelmente a revista mais influente do mundo. É lida na Casa Brana. No Kremlim. Na Downing Street. E - felizmente - também no Palácio do Planalto. É diabolicamente bem escrita, sagaz, inteligente. E tem também uma pretensão sem limites que ficaria ridícula em qualquer outra publicação, que não se chamasse Economist. A revista parece observar o mundo - mortos e vivos - de cima para baixo. E seus leitores acham que ela está certa ao fazê-lo.
          Levaram o "laissez-faire" demasiado longe. Na década de 1990, quando começaram a crescer as operações com derivativos financeiros nos EUA, alguns economistas mostraram o perigo de um desastre maior que o das "saving and loans associations", que custaram US$ 300 bilhões ao contribuinte: temiam que colocassem em risco o sistema financeiro global e queriam aumentar a supervisão. "The Economist" saiu na defesa dos operadores. Disse que os temores eram exagerados, que os derivativos apresentavam um baixo risco, que a legislação afetaria o crescimento dos derivativos, e que os próprios mercados corrigiriam eventuais distorções, pois avaliam os riscos melhor que os reguladores. Quando, em 2008, estourou a crise financeira, provocada em grande parte por derivativos desregulados, "The Economist" certamente deve ter lamentado o que escrevera. Ou, pelo menos, ficado mais humilde, reconhecendo seus próprios erros de interpretação e que os mercados, sem supervisão, são pouco confiáveis.
          "The Economist" dedicou ao Brasil o principal artigo de sua primeira edição, "Our Expiring Commercial Treaty with the Brazils". Mostrava a conveniência de abrir o mercado britânico para o Brasil em novo tratado comercial que estava sendo negociado. As elevadas tarifas alfandegárias tinham limitado, durante 15 anos, o valor da importação de produtos como açúcar, café, algodão a apenas 300 mil libras, por ano, uma décima parte dos 3 milhões de libras de manufatura britânicas que entravam no Brasil com impostos baixos. Se o Reino Unido não reduzisse as tarifas, o Brasil poderia aumentar as suas, prejudicando os produtos ingleses de tecidos e produtos mecânicos. O consumidor inglês continuaria pagando caro pelo açúcar, café e algodão.
          Em sua primeira edição, de setembro de 1843, a Economist, ainda um jornal (ou com aparência de jornal), estampou como primeira manchete a expiração do acordo comercial entre o Reino Unido e o então Império do Brasil. Enquanto os manufaturados ingleses entravam no Brasil pagando tarifas de 18,5%, as commodities agrícolas brasileiras eram importadas pelos ingleses mediante taxas de até 300%. "Um país de quem recebemos tratamento tão liberal, (...), descobre que praticamente proibimos do nosso consumo cada artigo importante que ele produz", escrevia o jornal na primeira página de sua história.
          "The Economist" mostra, já no primeiro número, uma visão global da economia, a defesa do livre comércio, a ausência de um nacionalismo estreito, ao defender os interesses brasileiros, e seu pragmatismo, pregando um acordo do interesse das duas partes. Estabeleceu, também, o princípio editorial que vigora até hoje: submeter as ideias ao teste do mundo real, atraindo o economista teórico e o homem que faz negócios.
          Em novembro de 2009, publicava uma elogiosa matéria de capa com o título "Brazil takes off". Fez previsões ousadas, ao dizer que deveria crescer a taxas superiores a 5% nos próximos anos e que ultrapassaria a França e Reino Unido em pouco tempo, tornando-se a quinta maior economia do mundo. Escreveu que o Brasil passou relativamente imune pela crise de 2008 e que foi um dos últimos a entrar nela e dos primeiros a sair - o que não é confirmado pelas estatísticas publicadas na própria revista. Na verdade, o desempenho do Brasil no início da crise, o único país a aumentar nesse período a taxa de juro, foi inferior ao da maioria dos emergentes.
          Mas se a revista exagerou no entusiasmo, não ficou deslumbrada. Encontrou espaço para críticas duras ao escrever que o governo nada fez para desmantelar os muitos obstáculos para fazer negócios, e que ficaram para o governo seguinte alguns dos problemas que Lula preferiu ignorar. Mencionou a baixa produtividade; a justiça disfuncional e um sistema legal insatisfatório; a infraestrutura bancária; o desmatamento da Amazônia pelo agronegócio e o desaparecimento do cerrado; o elevado número de acidentes e de mortes nas minas, aos quais não parece dar-se muita importância; a maneira controvertida de explorar o pré-sal. O problema do Estado brasileiro não é apenas sufocante e incompetente, mas é fraco onde deveria ser forte e forte onde deveria ser fraco.
          Em setembro de 2013, outra capa da revista perguntava: "O Brasil estragou tudo?". O texto refletia o desapontamento com o país, por não ter realizado seu potencial e ter frustrado as expectativas. Chamou a atenção para as manifestações nas ruas contra a precariedade dos serviços públicos, a corrupção dos políticos, para o "voo de galinha" da economia, o baixo nível de investimentos, a contabilidade criativa das contas públicas, o peso extraordinário dos impostos e dos gastos públicos, a necessidade urgente de uma reforma política, a falta de habilidade política da presidente Dilma Rousseff. Dizia que o país não aproveitara os anos de bonança para reformar o governo. Deu destaque ao problema de infraestrutura e, principalmente, ao das pensões.
          É certo que "The Economist" mencionou também pontos positivos. Mas a ênfase foram as deficiências do país. A maioria dos problemas já existia quando da publicação da reportagem anterior, que os minimizou ou ignorou.
          Na verdade, os dois "panoramas" não foram muito diferentes dos anteriores. A diferença foi a extraordinária força das ilustrações das capas. Em 2009, a estátua do Cristo Redentor do Rio subindo como um foguete sugeria um país decolando a alta velocidade e com grande energia. Em 2013, a mesma estátua, depois de subir, cai desorientada, com movimentos desordenados, sem rumo e sem sentido. Como a economia.
(Fonte: revista Exame - 20.11.1996 / 15.10.2003 / jornal Valor - 15.12.2013 - Matías M. Molina)

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