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31 de out. de 2011

Antarctica

          Louis Bücher, de uma família de cervejeiros de Wiesbaden, Alemanha, chega a São Paulo em 1868 e abre uma pequena cervejaria, na qual emprega arroz, milho e outros cereais, em vez de cevada. Em 1882 associa-se a Joaquim Salles, proprietário de um abatedouro de suínos, localizado no atual bairro da Água Branca, estabelecimento que tinha o nome de "Antarctica". Salles possuía uma "máquina de fazer gelo" em seu abatedouro, com capacidade ociosa. Procurando uma nova serventia para sua "máquina", associou-se a Bücher, cervejeiro, que necessitava de gelo.
          Criou-se assim em 1885 (alguns consideram 1888, o ano da criação) na Água Branca, a primeira fábrica de cerveja do país, com tecnologia apropriada para a cerveja de baixa fermentação, a "Antarctica Paulista — Fábrica de Gelo e Cervejaria", dirigida por Louis Bücher. A produção inicial da nova cervejaria foi muito pequena, de 1000 a 1500 litros diários, logo aumentados para seis mil. Em 12 de fevereiro de 1891 a empresa passou a chamar-se Companhia Antarctica Paulista, agora uma sociedade anônima.
          Sobre o nome Antarctica, é interessante citar que o primeiro logo feito para reproduzir a decantada cerveja, trazia dois ursos brancos polares sobre um campo de gelo, supostos habitantes do continente antártico, a Antártica (na marca, grafada como Antarctica). Mas por não haver ursos no pólo sul, o símbolo logo mudou para os dois pinguins sobre um campo de gelo, que prevalece até hoje.
          A empresa tinha 61 acionistas e 2245 contos de réis de capital inicial. Entre os acionistas estavam João Carlos Antonio Zerrener, alemão, e Adam Ditrik (Dietrik?) von Bülow, dinamarquês, ambos naturalizados brasileiros e proprietários da empresa Zerrener, Bülow e Cia., de Santos, importadores, exportadores e corretores de café. Ambos desempenharam um papel fundamental na modernização da empresa, fornecendo equipamentos importados da Alemanha e colocando à disposição da nova sociedade 860 contos de réis de seu próprio capital.
          Em 1893 a desvalorização da moeda brasileira deixou a firma em situação de insolvência. Foi quando Zerrener e von Bülow assumiram o controle da empresa e os acionistas decidiram por unanimidade reduzir o capital para 1710 contos de réis e o crédito concedido pela firma Zerrener e Bülow foi transformado em ações, tornando ambos majoritários da empresa cervejeira.
          Os problemas financeiros não duraram muito. Em 1899 o capital da empresa passou a 3500 contos de réis, empregava trezentos funcionários, produzia 50 mil hl anuais de cerveja e cinquenta toneladas de gelo por dia.
          Seis anos depois (1905), a Antarctica comprou sua maior concorrente em São Paulo, a Cervejaria Bavária, de Henrique Stupakoff, por 3700 contos de réis, quando seu capital já era de 8500 contos. Nessa época a Antarctica Paulista estabeleceu um acordo com a maior cervejaria carioca, a Companhia Cervejaria Brahma, regulando os preços e os volumes de venda em todo território nacional. Foi o primeiro cartel da cerveja no país, e não seria o último.
         Em 1902 o capital da empresa era de dez mil contos, pagando altos dividendos aos acionistas — de apenas 3% em 1891, de 6 a 20% de 1898 a 1901, estabilizando-se em 10% em 1906. A segunda unidade fabril da Antarctica foi aberta no bairro da Mooca em 1904, para onde mais tarde foi transferida a sua sede. A produção de água mineral iniciou-se em 1909 e dois anos depois construiu-se uma sede em Ribeirão Preto. No início dos anos 1920, com um capital de 12750 contos de réis a produção era de 250 mil hl anuais.
          Sob o comando de Zerrener, a Antarctica sempre cultivou como virtudes a obediência a normas internas e a condenação ao personalismo. Esse estilo foi reforçado no final da década de 1930, quando, com a morte de Zerrener, uma fundação criada por ele assumiu o controle acionário da Antarctica. Batizada de Antônio e Helena Zerrener, a fundação possuía, em meados de  1995, 87,7% do capital total da empresa.
          Em 1920 a Antarctica mudou-se da Água Branca para a Mooca, na Avenida Presidente Wilson, para as antigas instalações da Cervejaria Bavária, onde está até hoje. Uma das razões da mudança talvez tenha sido a proximidade das fábricas de sabão das Indústrias Matarazzo, que empestavam o ar de toda região. Foi também nessa época, em 1921, que a Antarctica vendeu ao então "Palestra Itália", hoje Palmeiras, o terreno onde está o clube (razão do nome "Parque Antarctica"), por preço e prazo "de égua"... Uma das cláusulas da transação era um "contrato perpétuo" de venda dos produtos da companhia.
          Adam von Bülow e Zerrener trabalharam quase três décadas juntos até 1923, quando Adam morreu. Foi aí que Carl Adolph Von Bülow, filho de Adam, assumiu a empresa, mas as ações do pai foram divididas com os outros cinco irmãos. Mais tarde, com a morte de Zerrener, criou-se a Fundação Antonio e Helena Zerrener para administrar os bens deixados a parentes da Alemanha. As irmãs de Carl Adolph aproveitaram para vender suas ações à fundação, que passou a controlar a empresa. A família von Bülow, antes com metade do controle da cervejaria, ficou com pouco menos de 30%, em 1936. A participação acionária do núcleo familiar foi diminuindo até a fusão da Antarctica com a Brahma em 1999, quando foi criada a Ambev.
          A partir de 1930 tanto a Antarctica como a Brahma passaram a eliminar quase todos os concorrentes, processo na realidade iniciado em 1904 e mantido também com relação à importação das cervejas estrangeiras, graças a pressões, influências e poder das duas empresas sobre as autoridades responsáveis pela política alfandegária.
          Com essa atitude a cerveja nacional era um produto caro para o consumidor comum. O salário diário de um serralheiro em 1919 correspondia a seis a oito garrafas de cerveja. O de um operário têxtil, de quatro a dez garrafas e o de uma faxineira somente duas e meia garrafas de cerveja Antarctica. Contavam que, na década de 1920, em Lins, no interior paulista, uma cerveja custava duzentos réis. Se gelada, trezentos.
          Em anúncio veiculado no dia 23 de setembro de 1939 na revista O Cruzeiro, e outro no diário Folha de Santos, em 26 de junho de 1930, a Antarctica promovia sua linha bock de bebidas com um anúncio que mostrava que seu consumo era adequado para os dias frios: Tip-Top, a saborosa cerveja de inverno da Antarctica. Em 14 de junho de 1907, a Companhia Antarctica Paulista registrara a cerveja Tip Top sob o nº 881 da Junta Comercial do Estado de São Paulo.
          Em 1960, a Antarctica compra a cervejaria Bohemia, localizada em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro.
          Em 1990, a Antarctica perde o primeiro lugar no mercado de cervejas para a sua rival Brahma. E, se até ali Antarctica e Brahma só "distribuíam" toda a sua produção, a situação mudara sensivelmente. A Brahma fora comprada pelo Garantia e logo, uma profunda reforma transformou-a, rapidamente, numa empresa moderna, agressiva em seu marketing e ferozmente determinada a competir. O problemas (para a Antarctica) não pararam aí. Com menos dinheiro no bolso, os consumidores procuraram as marcas mais baratas. Garrafas com rótulos da Kaiser, que irrompeu no mercado com o poder de fogo da Coca-Cola, da Skol, braço da própria Brahma, e da atrevida Schincariol começaram a circular com mais frequência na mesa dos bares.
          Poucos anos depois, em meados de 1995, a Antarctica esteve perto de reconquistar o primeiro lugar. No período outubro/novembro de 1994, a empresa tinha 30,4% do mercado nacional de cervejas, contra 27,8% no bimestre anterior. No mesmo período, a Brahma caiu caiu de 33,9% para 31,9%. Nos três anos anteriores, a Antarctica promoveu uma série de mudanças, com o objetivo indisfarçável de reconquistar o primeiro lugar. Foi a mais profunda e radical revolução de sua longa história. Todos os valores foram questionados. Alguns abandonados, outros reforçados. "", disse Victório Carlos De Marchi, um dos membros do conselho de administração da Antarctica.
          De Marchi tem uma longa história de relação com a empresa: seu pai era sócio, desde 1967, de uma distribuidora de bebidas em São Paulo. Na Antarctica, isso era fundamental. De Marchi jogou todo o seu prestígio nas mudanças da empresa. Entregou grande parte da tarefa para alguns de seus discípulos, como Paulo Pereira, o diretor de marketing. Pereira foi um dos desenhistas do Projeto Excelência 2.000. A seu lado, estavam dois gerentes da Antarctica e sete consultores da Andersen Consulting, em trabalho que foi iniciado em maio de 1993.
          No seu processo de mudança, a Antarctica já podia contar com realizações significativas. Eis algumas delas: o número de empresas do grupo Antarctica estava sendo reduzido de 22 para apenas oito; entre 1990 e 1994, o quadro de funcionários passou por um forte enxugamento. Eram 22.500, diminuiu para 16.500; diminuiu a idade e tempo de casa de seus 200 principais executivos na área industrial. O mesmo aconteceu na diretoria de marketing; a rede de distribuição também foi invadida pelo novo espírito. As cerca de 900 revendas passaram a profissionalizar suas estruturas e modernizando-se.
          Os primeiros passos da grande virada da Antarctica começaram a ser dados em 1990, com a contratação de duas agências de publicidade agressivas e renovadoras, a DM9 e a W/Brasil. para substituir a Progres. Na mídia, passou a patrocinar eletrizantes campanhas publicitárias povoadas por gente como Madonna, Ray Charles e até Kim Basinger, ou esquentadas pelo som e pelo ritmo de Daniela Mercury e Jorge Benjor. Saíram Sargentelli e suas mulatas e os dois sujeitos que diziam "viemos aqui para beber ou para conversar?". O guaraná, dono de 21% do mercado de refrigerantes do país, tinha como slogan "Puro e natural". Um novo slogan foi criado: "Esse é o sabor".
          A Antarctica Bock foi lançada em 1994, pegando carona no sucesso da Kaiser Bock, não foi tão bem recebida, e durou apenas alguns anos no mercado. 
          Em março de 1999, a cervejaria americana Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, estaria aumentando sua participação na Antarctica Empreendimentos de 5% para 10% em mais cerca de 70 milhões de dólares somados aos 50 milhões de dólares referentes aos primeiros 5% da Antarctica. O prazo para finalização do negócios seria até setembro. Já em meados de 1993, a associação, cujas negociações se arrastavam há mais de um ano, quase foi levada a cabo.
          Em julho de 1999 a Antarctica une-se à Brahma, formando a Ambev - American Beverege Company (vide origem das marcas AmBev InBev AB Inbev neste blog). Na bagagem, a Antarctica levou uma série de marcas: Antarctica, Serramalte, Bohemia, Bavária, Kronenbier, Caracu, Malzbier, Original e Polar.
          A partir do mês de março de 2018, as latas e garrafas da marca lançada em 1885 ganharam um design que resgata sua história, revigora os icônicos pinguins e se inspira nos símbolos do samba carioca para modernizar sua identidade visual. Uma das principais mudanças está nos pinguins que acompanham a marca desde sua fundação. Eles receberam tratamento especial e ficaram mais vistosos e emblemáticos. A “faixa azul” que acompanhou os rótulos de Antarctica ao longo de todo o século XX também está de volta, assim como brasão de cevada, ausente nas últimas versões dos rótulos. Por certo tempo, “Faixa Azul” foi sinônimo de Antarctica. Por isso, nada mais óbvio do que tê-la de volta modernizada, mas resgatando essa tradição.
          No início de 2024, proposta da prefeitura de São Paulo prevê o restauro de três imóveis industriais históricos (e tombados) da Mooca, transformando-os em equipamentos públicos, com uso a ser definido. A lista abrange a antiga fábrica da Companhia Antarctica, na Presidente Wilson, a Tecelagem Labor, na Rua da Mooca, e as Oficinas Casas Vanorden, na Borges de Figueiredo.
(Fonte: livro Os Primórdios da Cerveja no Brasil - Sérgio de Paula Santos - texto de Edgard Köb / vidavibrante.com / Dalmir Reis Jr (Propagandas Históricas) / revista Exame - 26.08.1995 / 10.12.2003 / São Paulo Antiga - 02.07.2009 / Veja SP - 22.06.2017 / Grande Nomes da Propaganda - 28.03.2018 / Estadão 12.01.2024 - partes)
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