29 de jul. de 2022

BrewTech

          O mestre cervejeiro André Nothaft largou seu emprego de 15 anos na Brahma e hipotecou todos os imóveis da família (quatro apartamentos e um terreno), para realizar seu sonho de "criar uma cerveja stout encorpada, escura, tipo Caracu, com um toque de graviola".
          Em meados de 1999, dois anos e 2 milhões de reais em investimentos depois, o prédio da sede estava quase pronto. São 600 metros quadrados, onde funcionariam um laboratório químico, uma microcervejaria e um auditório para 120 pessoas. É nesse espaço, localizado em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, que André pretendia usar seus 18 anos de experiência na indústria cervejeira para ensinar empresários e investidores a tirar proveito do que ele considerava o próximo eldorado no Brasil: cervejas gourmet, também conhecidas como cervejas para gastronomia. "Queremos ensinar o brasileiro a apreciar uma cerveja como se aprecia o vinho", afirmava.
          A julgar pela resposta do mercado, André encontrou um nicho. Mesmo antes de estar oficialmente inaugurada, a BrewTech já conseguira contratos importantes. Em maio de 1998, a Grace Davison, divisão química da multinacional W.R.Grace Co., que faturava 1,4 bilhão de dólares ao ano, financiou parte do centro de pesquisas da BrewTech. Em troca, ela iria usar o laboratório de André e sua equipe de químicos com exclusividade para pesquisar e desenvolver novos produtos para as cervejarias brasileiras. A uruguaia Paisandu, que produz a cerveja Nortenha, também já havia fechado contrato. Com a chegada de multinacionais, a Paisandu estava vendo seu mercado diminuir e contratou a BrewTech para cortar custos e reestruturar sua linha de produção.
          Mas o que explica tanto sucesso em tão pouco tempo? Duas coisas: a primeira é o currículo de André: aos 36 anos, ele já era um nome conhecido no setor. Filho de pai cervejeiro, André desenvolveu cedo o gosto pela cerveja. É membro de associações internacionais de cervejeiros e tem sido convidado para atuar como jurado em eventos importantes, como o Great American Beer Festival e o World Beer Cup, ambos nos Estados Unidos. Começou no chão de fábrica da Brahma e, 15 anos depois, ele tinha chegado ao posto de diretor de desenvolvimento de novos produtos. "Eu conheço cada detalhe do processo de fabricação de uma cerveja", afirma.
          O segundo motivo do sucesso é o próprio mercado. Com a concentração cada vez maior do setor, muita gente apostava que as microcervejarias se fortaleceriam como uma alternativa para o consumidor, como aconteceu nos Estados Unidos na década de 1980.
          Em meados de 1999, operavam por aqui pouco mais que 30 empresas especializadas na produção de suas próprias cervejas. Mas muita gente achava que era só o início de um ciclo.
          Para avaliar o potencial do serviço, basta observar o exemplo da Dado Bier, uma casa noturna que se tornou famosa por vender uma cerveja de produção própria. A empresa foi fundada em Porto Alegre, em 1995. Com quatro anos de funcionamento, abriu filiais no Rio de Janeiro e em São Paulo.
          É nesse foguete que muitos empresários começaram a querer pegar carona. Segundo André, a busca por informações passou a ser grande. Algumas dessas sondagens se transformaram numa clientela da BrewTech. Foi o caso do empresário Ricardo da Silva Prado que conheceu as microcervejarias enquanto excursionava pela Europa como músico. Em Praga, apaixonou-se pelo negócio e, de volta ao Brasil, resolveu abrir sua própria casa. Com a ajuda da BrewTech, Ricardo inauguraria a Slava, um centro gastronômico e cultural na Barra da Tijuca, um dos bairros que mais se expandia no Rio de Janeiro.
          Outro cliente que já havia fechado com a BrewTech, em meados de 1999, foi a pousada do Rio Quente. Localizada em Caldas Novas, Goiás, a pousada recebia cerca de 800.000 visitantes a cada ano. Durante o dia os turistas aproveitam as fontes de água quente da região. Mas à noite ficam sem ter o que fazer. Para acrescentar interesse ao resort e aumentar o faturamento, ao mesmo tempo que economiza no custo da bebida, Carlos Mauad, o proprietário, resolveu instalar uma microcervejaria no local.
          Vivia-se o domínio da pilsen quando a cervejaria começou a produzir a Devassa, um dos primeiros rótulos a provocar uma nova relação entre o carioca e sua bebida favorita. Dez anos depois, André passou a empresa adiante e foi trabalhar no grupo anglo­-sul-africano SABMiller. Com novo nome, Allegra, e novos administradores, a microcervejaria aumentou a aposta nas artesanais.
(Fonte: revista Exame: 28.07.1999 / VejaRio 02.06.2017 - partes)

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