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19 de fev. de 2021

Ford Corcel

           Entre as muitas histórias dos 67 anos em que a Ford produziu automóveis no Brasil, uma das mais curiosas é a que se passou nos bastidores da decisão do nome do Corcel. Em fins de 1967, a Ford do Brasil se preparava para lançar esse novo modelo com grande investimento publicitário. Motor Renault, o Corcel viria a ser um enorme sucesso de vendas no Brasil dos anos 1970.
          O nome oficial do carro, Ford Corcel, havia sido sugerido por Mauro Salles, que na época dirigia a Salles Interamericana, a agência de publicidade que detinha a conta da montadora no Brasil.
          “Não seria melhor chamá-lo apenas de Corcel?”, argumentavam os executivos da multinacional. Eles temiam usar a marca Ford em um carro com motor Renault. O Corcel tinha plataforma francesa e 
meio alemã, com um design brasileiro, criado por Roberto Araujo e outros estilistas.
          Aos 35 anos, jovem e talentoso publicitário, Mauro Salles resolveu contrariar a opinião dos executivos brasileiros da Ford. “Bobagem, não é a primeira vez que isso acontece”, reagia. E despejava conhecimentos adquiridos no tempo em que havia sido jornalista especializado em automóveis. “A Ford francesa já chamou de Ford Vedete um carro desenvolvido pela Simca com motor V6”, argumentava.
          Após longas discussões, a diretoria da Ford do Brasil rendeu-se aos argumentos de Mauro Salles, mas anunciou que o nome teria de ser aprovado pelo board da Ford, em Detroit. Mauro ficou furioso ao saber que a simples definição do nome de um carro dependeria do board da empresa. Mas seguiu para Detroit, acompanhado do presidente e do diretor de Marketing da Ford do Brasil. De repente, viu-se 
diante do poderoso Lee Yacocca, na época o CEO mundial da Ford, e do próprio Henry Ford II.
          Numa reunião à tarde, Salles fez explanação de sete minutos para justificar a escolha do nome. Foi fácil. A Ford tinha uma tradição de dar nomes de equinos a seus carros - Mustang, por exemplo, é um cavalo bravio das planícies americanas - e Corcel, em português, significa “cavalo muito corredor”. Todos os diretores aprovaram o nome Ford Corcel sem ressalva.
          Envaidecido, Salles criou coragem para vestir a carapuça de jornalista e fazer a Henry Ford II a mesma pergunta que fizera aos executivos de São Paulo: “Senhor presidente, desculpe a pergunta, mas 
por que o nome de um carro precisa ser aprovado pelo board e pelo dono da companhia?”
          Henry Ford II deu um sorriso de satisfação, mas não disse uma palavra. Puxou Salles pelo braço, saiu da sala, chamou o elevador e o levou para fora do prédio. Foi um reboliço, conta o próprio Salles, hoje aposentado, aos 88 anos: “Naquela época, os walk-talks eram enormes, do tamanho de um sapato número 42. Com esses ‘sapatos’ na mão, os seguranças corriam de um lado para o outro dizendo 
palavras em código. Não estava no script essa saída de Henry da sala de reuniões.
          No térreo do prédio da Ford em Detroit havia um grande hall. Henry Ford II puxou Salles para fora do saguão de entrada, caminhou sobre um gramado e indicou com o dedo para o alto. Salles levantou a cabeça e viu, já iluminado naquele início de noite, o enorme logotipo oval escrito “Ford 
Motor Headquarters”.
          “Tá vendo, é o meu nome que está lá. Para mexer com o meu nome, só com a minha autorização”, disse Henry.
(Fonte: Jornal Valor - 12.01.2021)

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