O francês Richard Mille entendeu que existia um grupo reduzido disposto a comprar um relógio pelo preço de um apartamento. Ou melhor: comprar um relógio cujo valor compra dois. E percebeu que, embora pequeno em número, tinha poder aquisitivo suficiente para justificar uma marca criada só para eles.
A ousadia fica ainda mais interessante quando lembramos que Mille tomou essa decisão depois dos 50 anos. Numa fase em que muitos reduzem o ritmo, ele resolveu começar seu capítulo mais arriscado.
E fez isso em um setor que idolatra tradição. É como tentar reinventar o vinho na terra dos bordaleses.
Antes de lançar sua marca, Mille passou décadas na relojoaria tradicional, trabalhando em empresas pouco conhecidas do grande público como Finhor, Matra e Mauboussin. Durante sua carreira como executivo, notou o quanto o setor se acomodava. Ele entendeu que nunca criaria algo realmente novo se continuasse apenas como empregado.
A alta relojoaria sempre foi dominada por casas centenárias. Elas veneram história e tratam qualquer desvio como heresia.
Mille ousou ao empreender contra os gigantes estabelecidos no setor. E ousou também na estratégia, combinando materiais inéditos como fibra de carbono, titânio aeronáutico e cerâmica avançada com preços estratosféricos.
O primeiro relógio, o RM 001, levou mais de dois anos para ficar pronto. Criado em parceria com a Renaud et Papi, rompeu códigos estéticos e técnicos que eram considerados intocáveis. Seu preço superava o dobro do tourbillon mais caro da época. Não era apenas um produto. Era um manifesto.
Caio Mesquita, da Empiricus, conta que a primeira vez que ouviu falar da marca aconteceu durante conversa com Felipe Massa, entusiasta da Richard Mille de primeira hora, dentro do podcast Mesa para Quatro. Desde então, acompanha as novidades da marca. "Não gosto do visual dos relógios. São exagerados e quase barulhentos, especialmente quando comparados aos concorrentes elegantes. Mas talvez seja justamente isso que os torna tão potentes. Eles não querem agradar gente como eu", diz Mesquita.
A estratégia de marketing seguiu o mesmo espírito disruptivo. Mille colocou seus relógios no pulso de atletas que operam no limite. Rafael Nadal jogando tênis com um relógio de milhões. Pilotos de Fórmula 1, exibindo peças que parecem tão ousadas quanto o próprio esporte.
Hoje (fins de 2025), a Richard Mille é a única grande marca de alta relojoaria comandada por seu fundador vivo. O negócio segue refletindo a curiosidade e a teimosia de Mille. Enquanto outras se tornaram departamentos de conglomerados, a dele segue sendo uma ideia em movimento.
A história mostra algo incômodo. O valor não nasce da média. Nasce do extremo. Não surge da tentativa de agradar. Surge da coragem de desagradar. E não depende de escala. Depende de escassez.
Também desmonta o mito da idade certa. Mille provou que tarde demais é só um rótulo. Quando a convicção não cabe mais na vida antiga, empreender vira consequência.
No fim, o mundo premia quem desafia séculos. Quem tenta o impossível. Quem começa tarde e mesmo assim muda tudo.
(Fonte: Empiricus 24/7 - 13.12.2025 - autor: Caio Mesquita, com trecho adaptado minimamente, para se enquadrar no estilo do blog Origem das Marcas)
O blog "Origem das Marcas" visa identificar o exato momento em que nasce a marca, especialmente na definição do nome, seja do produto em si, da empresa, ou ambos. "Uma marca não é necessariamente a alma do negócio, mas é o seu nome e isso é importante", (Akio Morita). O blog também tenta apresentar as circunstâncias em que a empresa foi fundada ou a marca foi criada, e como o(a) fundador(a) conseguiu seu intento. Por certo, sua leitura será de grande valia e inspiração para empreendedores.
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