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22 de jun. de 2020

Cyclades

          A Cyclades foi fundada numa garagem paulistana em 1988 por João (John) Lima e Daniel Dalarossa. Lima e Dalarossa são dos raríssimos casos de brasileiros que fizeram sucesso no coração da indústria tecnológica mundial.
          A família de John Lima é do interior do Rio Grande do Norte, onde planta café. John deixou a pequena cidade de São Miguel aos 16 anos em direção a Campinas. Foi cursar a escola de cadetes do Exército e, depois, entrou para o curso de engenharia da Unicamp.
          Quando a internet começou a crescer, Lima e Dalarossa identificaram um mercado promissor, inovaram no modelo de negócios e fizeram da Cyclades referência em componentes usados nos bastidores da web.
          A história de persistência da dupla e seu gosto pelo risco contém várias lições para os empreendedores brasileiros.
          Se mais tarde a empresa deslanchou, no início da década de 1990 era difícil encontrar um único cliente. O paulistano Dalarossa, formado em ciência da computação na Universidade de São Paulo, já nutria a vontade de tocar um projeto próprio desde a metade da década de 1980. Bastou um pouco de conversa para convencer o pediatra de seu filho recém-nascido a adotar um software de automação de prontuário que ele mesmo desenvolveu em casa durante as férias. Na hora de bater o martelo, o jovem técnico fixou o preço no mesmo patamar de um bom carro zero - e o médico decidiu investir num Santana.
          Naquele instante, Dalarossa desconfiou que jamais seria capaz de fechar um negócio importante. Retomou o emprego na Digirede, fornecedora de software de automação bancária. Foi na empresa que ele conheceu o futuro sócio, que ainda se chamava João Lima (o nome foi alterado para facilitar a comunicação nos Estados Unidos).
          Ambos tinham posição de chefia na empresa, mas queriam ser donos de um negócio próprio. Alugaram uma garagem abafada e desprovida de qualquer estrutura no bairro Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, na época uma zona residencial. A escolha do local obedeceu a apenas dois critérios: era barato e ficava no meio do caminho da casa dos sócios. Foi lá que começou a tomar forma a ideia de uma placa que permitisse aos sistemas de agências bancárias comunicar-se com os grandes computadores centrais das instituições financeiras. O programa recusado pelo médico serviu de base para o desenvolvimento do software - o trabalho não foi inteiramente perdido, afinal, enquanto a parte física do equipamento ficou por conta de Lima.
          Como inicialmente ambos mantiveram seus empregos formais, o expediente na garagem começava por volta das 20 horas e por vezes estendia-se até meia-noite. Assim que as vendas começaram as instalações da Cyclades foram transferidas para uma casa do bairro do Brooklin, também na zona sul de São Paulo. Mas não houve tempo para comemorar: o Plano Collor e um grave problema técnico quase mataram a companhia precocemente. Algumas noites em branco depois, o defeito foi resolvido, e a Cyclades engrenou. A montagem das placas, inicialmente feita à mão com a ajuda de familiares, foi profissionalizada e terceirizada.
          A principal mudança aconteceu no início dos anos 1990, quando os dois empreendedores visitaram a Comdex, a maior feira de tecnologia dos Estados Unidos, em Las Vegas. Lá conheceram C.Y. Chen, empresário de Taiwan com quem a Cyclades fez alguns negócios e que aconselhou os brasileiros a entrar no mercado americano. Apesar da dúvida sobre a viabilidade da empreitada, já no voo de volta a São Paulo, os dois faziam planos para abrir uma subsidiária na Califórnia.
          A operação americana tornou-se o divisor das águas da Cyclades. A missão de desbravar os Estados Unidos ficou a cargo de Lima - foi sua segunda migração, tão desafiadora quanto deixar o interior de Rio Grande do Norte. Assim que se instalou no hotel Travelot, na cidade californiana de Fremont, começaram as dificuldades. Teve problemas com a língua inglesa, mas o maior incômodo foi com a pronúncia dificílima de "João". Ele não teve dúvida: mudou para John. O problema inicial de comunicação estava resolvido, mas o maior entrave era outro: o mercado estava saturado de placas para computadores e havia concorrentes maiores e bem estabelecidos. A Cyclades chegara atrasada e com poucos recursos.
          O fracasso foi evitado com um misto de sorte, estratégia de negócios e atenção ao que ocorria no mundo da tecnologia. Ao notar que o sistema operacional Linux, que não cobra licença de uso, começava a despontar, a Cyclades adaptou seus produtos a esse tipo de programa. Além disso, Lima e Dalarossa cortaram os distribuidores e as revendas e passaram a vender diretamente para os clientes - não apenas por decisão própria, mas porque era difícil encontrar quem aceitasse ser representante comercial de uma companhia brasileira desconhecida. Com isso, conseguiram um preço arrasador: 99 dólares por placa, apenas um quarto da média de mercado nos Estados Unidos.
          A sorte ficou por conta da explosão da internet no Vale do Silício a partir de meados da década de 1990. Muitos dos provedores de acesso que começaram a brotar como a grama da ensolarada Califórnia adotaram o Linux. E, para quem fizesse isso, comprar as placas da Cyclades tornou-se o caminho natural. As vendas explodiram.
          Em 1999, a Cyclades decidiu investir na Europa, começando pela Alemanha. E lá se foi Lima para a terceira migração de sua vida. Dessa vez, os ventos da mudança tecnológica sopravam na direção dos sistemas que facilitavam a administração de servidores, os computadores que controlam as redes empresariais. A Cyclades apostou nisso e não errou: seus produtos tornaram-se um sucesso nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e na América Latina. Entre 2000 e 2005, o faturamento foi multiplicado por 6, ultrapassando 60 milhões de dólares.
          Das 100 maiores empresas do mundo segundo a revista Fortune, 85 usam os produtos da companhia criada por Lima e Dalarossa.
          No início de 2006, a Cyclades foi vendida para a Avocent, fabricante de equipamento de rede por 90 milhões de dólares graças a um produto de qualidade reconhecida e a um senso de oportunidade apurado.
          A venda do negócio não foi algo planejado. Com o crescimento da companhia, Lima e Dalarossa perceberam que a gestão precisava se profissionalizar urgentemente. Além disso, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento necessários para manter o passo com os rivais americanos eram cada vez maiores. A solução foi partir em busca de um aporte de capital. Durante as conversas com investidores, surgiram três propostas concretas de aquisição - até que a oferta da Avocent dobrou a resistência dos fundadores da Cyclades. Os dois sócios dividiram 75 milhões de dólares, e os 15 milhões restantes foram destinados aos 320 funcionários da companhia. A generosidade estendeu-se até mesmo a pessoas que já haviam deixado a Cyclades.
          Depois de se desfazer da Cyclades, Dalarossa e Lima começaram a tirar da gaveta antigos projetos muitas vezes postergados por falta de tempo. Ambos criaram fundações para ajudar jovens carentes em países em desenvolvimento. Dalarossa criou o Effys Homes, empresa focada no mercado de "construção verde", que emprega técnicas modernas, como o painel solar e filtros de raios ultravioletas. Lima não conseguiu se distanciar da área de tecnologia e pegou como empreitada constituir uma empresa de software. O nome: Coffee Bean, em homenagem ao negócio de café que o pai começou pelos idos de 1966.
(Fonte: revista Exame - 27.09.2006)

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