O banco Excel-Econômico, do aprendiz de banqueiro Ezequiel Nasser (sobrinho do banqueiro José Safra), quebrou sem que o banqueiro tivesse a certeza de que os corintianos tenham aberto uma mísera conta depois de ter exposto o nome do banco na camisa do time.
O Excel foi fundado pouco antes do Plano Collor I, em 1990.
Ezequiel Nasser queria ser forte em São Paulo, onde o antigo Econômico tinha uma presença pálida. E, ficava claro também o esforço para tornar em realidade a ideia de ser grande no varejo. Logo passou a investir milhões de reais em jogadores para o Corinthians, que o chamavam de "chefe" e outros milhões para ter seu nome na camisa da equipe.
Desde que foi sequestrado, no primeiro semestre de 1994, Ezequiel passou a fugir de refletores. Ele ficou 75 dias em poder dos sequestradores e sua família pagou pelo resgate cerca de 2 milhões de dólares. Depois do sequestro, ele voltou a plena carga ao trabalho, mas sob um pesado manto de segurança e discrição.
Ezequiel Nasser fechou 1995 como figurante do sistema financeiro e entrou em 1996 como protagonista. A promoção de Ezequiel, dono de Banco Excel, de São Paulo, explica-se numa operação: a compra do Econômico.
Nasser era um homem recluso, remoto, um banqueiro de clientela diminuta mas poderosa. E eis que de repente ele sai da sombra e sobe para a arquibancada com um time que representa o oposto do mundo em que Ezequiel Nasser viveu até então.
O Excel-Econômico partiu para a ofensiva também em Minas Gerais, onde patrocinou o América. E não quis se descuidar de sua base nordestina: o banco renovou o contrato de patrocínio do Vitória. A compra do Econômico, banco mais antigo em atividade no país, ocorreu em janeiro de 1996.
A pergunta é: como um banquinho (ainda que extraordinariamente lucrativo) conseguiu comprar um bancão (ainda que extraordinariamente quebrado)?
Primeira constatação: é um típico negócio improvável. Para começo de convera, é possível que nove entre dez clientes do Econômico, na Bahia ou em qualquer outra região do país, nem sequer tenham ouvido falar do Excel. Muito menos de Ezequiel Nasser. O banco controlado por Ezequiel e sua família possuía apenas uma agência de rua. Ficva situada no térreo do prédio que servia de sede ao Excel, na Rua Augusta, Zona Sul de São Paulo. Suas outras nove agências estavam todas localizadas em escritórios comerciais, sem porta para a rua.
O Excel comprou, porém, a chamada parte boa do Econômico. Em ativos, levou o equivalente a apenas uma vez o seu tamanho de então. Com a soma dos ativos herdados do velho Econômico e do Excel, o novo banco passou a ser um dos quinze maiores. Faziam parte do pacote também as agências e os quase 10.000 funcionários do Econômico, além de uma corretora e uma distribuidora de valores do grupo.
Evidentemente que a operação foi cercada de variados rumores em torno de propaladas irregularidades. Nas prais de Salvador, chegou-se a difundir até o boato de que Ângelo Calmon de Sá estaria por trás do negócio. No mundo das coisa práticas, o fato concreto é que a operação produziu alívio em massa. Alívio no governo, que se livra de um abacaxi bilionário. E alívio sobretudo de 1,2 milhão de depositantes do Econômico, para os quais ressuscita um dinheiro que parecera morto. Se foi um grande negócio para o Excel, isso o futuro diria.
Numa operação que chamou a atenção dos analistas, Ezequiel comprou o que seria a sede do Excel por 7,5 milhões de dólares. Fez o pagamento em dinheiro um dia antes do feriado bancário que antecedeu o bloqueio dos ativos financeiros, em março de 1990.
Ezequiel não participou diretamente das negociações para a compra do Econômico. Quem as comandou pelo Excel foi o vice-presidente Gilberto Nobre. Ex-diretor do Banco Central, Nobre negociou por diversas vezes a dívida externa brasileira com o comitê de bancos credores. Ezequiel acompanhava tudo pelo telefone. Sua confiança no sucesso do negócio parecia ser tão grande que ele não alterou sequer seus planos de férias. No final de dezembro de 1995, no auge da negociação com o BC, voou para Aspen, a estação de esqui do Colorado. Um número considerável de horas de suas férias foi gasto em conferências pelo telefone com os executivos do Excel. Quando o anúncio do negócio foi feito pelo Banco Central, na primeira sexta-feira de 1996, colocando um ponto final em três meses de negociações que entravam madrugada adentro, Ezequiel ainda estava em Aspen, com a mulher e seus três filhos.
De um total de 260 bancos existentes no país em 1993, cerca de 70 fecharam ou foram liquidados pelo Banco Central até início de 1997. Apesar de ser uma tarefa dura, Ezequiel Nasser tinha credenciais poderosas. Ele é formado numa das escolas mais antigas e brilhantes de banqueiros do mundo: a dos Safra. Sua mãe, Evelyn, é irmã dos banqueiros Edmund, Joseph e Moise Safra. Edmond era um dos principais negociadores de ouro do mundo e dono do Republic National Bank of New York, um dos vinte maiores bancos dos Estados Unidos. Joseph e Moise são donos do banco Safra no Brasil. Nasser trabalhou quase 20 anos com os tios. Primeiro, no Republic, entre 1967e 1973, logo depois de concluir o curso de administração de empresas no Babson Collegge, em Boston. Posteriormente ele se especializou em finanças em Harvard. Em seguida, no Safra, onde ficou até 1990.
A família Nasser, assim como os Safra, tem sua origem numa velha comunidade judaica estabelecida em Alepo, na Síria. Era uma região por onde passava um próspero comércio para o Oriente. Foi em Alepo que o avô de Ezequiel Nasser por parte de mãe, Jacob, se introduziu no mundo das finanças. Jacob foi trabalhar com o tio, Ezra, no banco Safra Frères, financiando caravanas de camelos e negociando com ouro.
No início da I Guerra Mundial, a família de financistas mudou-se para Beirute, no Líbano. Lá fundou o Banque de Crédit Nacionale, em 1920. Em seguida, passou pela Itália e, no início dos anos 1950, aportou no Brasil. Evelyn e seu marido, Rhamo Nasser, vieram junto com o primogênito, Ezequiel, então com dois anos.
O avô de Ezequiel Nasser ensinou a arte de ser banqueiro aos filhos, Joseph, Moise e Edmund Safra. Estes a passaram ao sobrinho Ezequiel. No Safra e no Republic, ele mostrou-se um bom aluno. Tornou-se uma espécie de braço direito dos tios. No Republic, participou do núcleo inicial que fundou o banco, no final dos anos 1960. Lá, pôde ter a sua primeira grande experiência profissional na área de varejo bancário. Para tentar atrair clientes para um banco então desconhecido nos Estados Unidos, o Republic realizou uma enorme promoção que mexeu com o mercado de varejo bancário americano.
Quem depositasse mais de 20.000 dólares no banco levaria uma televisão em cores da Sony para casa na hora. A promoção fez tanto sucesso que o Republic chegou a ser um dos maiores distribuidores de TVs da Sony dos Estados Unidos. No Safra, Ezequiel Nasser era o comandante da área comercial. Visitava a clientela, principalmente empresas, e foi talvez o maior responsável pela expansão da rede de agências do Safra, para cerca de 60 unidades.
O sobrinho dos Safra, no entanto, queria mais. Queria abrir seu próprio negócio. Juntou-se então a seu pai, Rhamo Nasser, e a seu irmão Jacques e abriu o Excel. O pequeno Excel prosperou rapidamente. Dos quase 150 bancos criados após a liberalização do mercado bancário no Brasil no final dos anos 1980, o Excel foi um dos mais bem-sucedidos.
O Excel foi um banco com atuação agressiva desde a sua fundação. Quando ninguém queria emprestar dinheiro às empresas, na era da superinflação, Nasser saiu oferecendo crédito na praça. Depois, quando o crédito ao consumidor se reduzira a quase zero, contratou toda a equipe de 264 pessoas da Mesbla Financeira, a maior do mercado na época.
A área externa sempre foi um de seus pontos fortes. Nasser desenvolveu boas conexões lá fora quando morou em Nova York. Para fortalecer-se ainda mais nessa área, ele contratou o ex-diretor de câmbio do Banco Central Gilberto Nobre. Nobre, vice-presidente do Excel, acabou sendo o principal negociador da compra do Econômico com o Banco Central.
Muita gente desconfiava de que os tios estavam por trás de Nasser no Excel-Econômico. Não existiam evidências que comprovassem essa ligação. Os indícios sugeriam exatamente o contrário. Ezequiel Nasser abriu o seu Excel, depois reforçado pela parte boa do Econômico, contra a vontade dos tios. Os Safra teriam considerado a saída de Nasser uma espécie de traição. Até pelo cargo que ocupava, Ezequiel Nasser conhecia muito bem alguns dos principais clientes do Safra. Quando abriu seu negócio, foi bater na porta deles. Nasser respeitou, contudo, o acordo que firmara de não contratar executivos do Safra.
Os Safra, comenta-se, desaprovavam a exposição do sobrinho na mídia. Desde sempre os Safra cultivam uma distância intransponível da imprensa. E são tão preocupados com a segurança que chegam a contratar agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, para protegê-los.
Nasser comandava o banco instalado numa sala de 40 metros quadrados, no 19º e último andar da sede do Excel-Econômico. O edifício, na Rua Cincinato Braga, na região da Avenida Paulista, servia de base para as operações do velho Econômico em São Paulo. Sua sala tinha uma vista de 180 graus da região. De lá se podia ver até o Parque Ibirapuera, a 5 quilômetros de distância. O irmão e sócio de Ezequiel, Jacques Nasser, especialista em informática e telefonia, foi o responsável pela implantação do sistema de telemarketing.
Em maio de 1996, ao reabrir as portas do antigo Banco Econômico, Nasser estava numa zona de perigo. Principal acionista do Excel, que pouca gente conhecia, tinha de convencer milhares de pessoas a deixar seu dinheiro num banco marcado por administrações desastrosas e recém-saído de um longo período de intervenção. Nasser estava realizando seu antigo sonho de ter um banco de varejo. Mas o banco que assumiu apresentava 2 ferimentos mortais para qualquer empresa do setor financeiro: a incredulidade do mercado e a desconfiança do correntista.
No saneamento, Nasser e seu pessoal aplicaram o receituário tradicional. Um programa de demissões voluntárias reduziu o número de funcionários de 9.000 para 6.000. Das 284 agências, 49 foram fechadas. A seguir, o Excel-Econômico lançou uma série de produtos, todos com algum diferencial. Foi o caso do cartão de crédito que permite entrar em cinemas por uma porta exclusiva, cheque especial com 12 dias sem juros, ExcelPrev, um plano de previdência privada sem taxa de administração.
Em março de 1997, a seguradora Cigna, uma das maiores dos Estados Unidos, comprou, por 48 milhões de dólares, 4,6% do Excel-Econômico. Essa participação foi uma consequência do acordo firmado entre o Excel e a Cigna para a criação de uma companhia de seguros no país, a Excel-Cigna Seguros. Cada sócio teria 50% do capital e a gestão seria compartilhada. A Cigna, fundada em 1792, tinha ativos de 100 bilhões de dólares e estava presente em 56 países. Já atuava no Brasil, mas carecia de uma rede de distribuição de varejo para vender suas apólices. O Excel queria por o pé num mercado que faturou 15 bilhões de dólares em 1996.
Em 1998, a massa falida do banco Excel-Econômico foi assumida pelo BBVA, então presente em 37 países, que ao fazer o negócio, fez sua estreia no Brasil. Ficou famoso o fato de ter sido noticiado que o Bilbao Vizcaya pagaria R$ 1,00 pelo banco, que tinha mais de 200 agências. Mas, teria que injetar algo como 1 bilhão de reais no Excel.
Em 2003, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Brasil S.A. (que no Brasil foi denominado BBV) foi incorporado pelo Bradesco.
O banco BBVA foi fundado no final do século XIX, em Bilbao, no País Basco, na Espanha. No segundo semestre de 1999 fundiu-se com o Banco Argentaria, dando origem ao Banco Bilbao Vizcaya Argentaria - BBVA.
(Fonte: revista Exame - 01.01.1997 / 26.02.1997 / 26.03.1997 - partes)