Quando chegava à sala de seu escritório no bairro do Comércio, em Salvador, o empresário Mamede Paes Mendonça (1915-1995), sentava-se e girava a cadeira para a esquerda. Depois, fazia um gesto carregado de simbolismo: colocava um dedo sobre uma tecla da Amount Purchased, uma espécie de réplica dourada de caixa registradora do século XIX. A máquina então se abria e emitia um ronco característico. Aos ouvidos de Mamede, o tilintar dessa e de qualquer outra caixa registradora soava como música, melodia doce, embriagadora. Comprar e, principalmente, vender eram a essência de seu negócio, um verdadeiro império: a rede de supermercados Paes Mendonça.
Em julho de 1990, sua "orquestra" já tinha 1.676 caixas registradoras, ou check-outs, em 100 lojas, contando-se os supermercados, hipermercados, restaurantes e postos de serviço, todos agrupados debaixo da mesma razão social: Paes Mendonça S.A. Nada mau para um filho de lavradores que começou nos negócios, em meados da década de 1930, com uma padaria. Em 1942 ele abriu uma loja de secos e molhados em Aracaju e em 1959 abriu seu primeiro supermercado, em Salvador.
Em 1975, Mamede resolveu enfrentar o então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que quis diminuir a força do empresário em Salvador prestigiando a estatal Empresa Baiana de Alimentos, Ebal, e convidando os Santos Diniz e outros donos de redes de supermercados para montar lojas na cidade. Em sua contra-ofensiva, Mamede decidiu comprar a cadeia de supermercados Unimar, pertencente na época à Corrêa Ribeiro Exportadora. Nesse episódio, o empresário contrariou o filho, José, e dois cunhados, seus sócios desde 1951. Eles não queriam a compra para não atrair acusações de monopólio. Mamede não deu ouvido às ponderações, e os três acabaram por afastar-se da sociedade. José abriu algumas lojas de supermercados no interior baiano, com o nome de Supermercados Mendonça, que depois vendeu para o pai. Na empresa dizem que ele pretendia voltar, mas foi barrado pelo pai. "Você me abandonou e agora não tem volta", teria dito Mamede.
Além de outros detalhes, considerando o fato de ter feito apenas o 3º ano primário, não se poderia imaginar que ele viesse a se estabelecer, crescer e tornar-se uma das pessoas mais populares de Salvador, quase um mito. Contudo, de houve alguém que soube tirar proveito do folclore, esse alguém foi Mamede. Ele capitalizou essa imagem tão bem que, em Salvador, todos acreditam que ele é uma espécie de rei Midas, aquele que transformava em ouro tudo o que tocava.
Uma de suas melhores histórias, que o diverte muito, é a de que certo dia, quando ainda tinha um armazém de secos e molhados, um caminhão teria parado à porta e os "praças" já estavam começando a descarregar 300 sacas de cal quando Mamede os interrompeu dizendo que não pedira cal. Argumentaram que pedira sim, bastava verificar a assinatura e a encomenda, feita de próprio punho. Mamede então teria dito: "Ih, pedi sal, mas esqueci o cedilha!"
Pouco antes de meados da década de 1980, o grupo nordestino desembarcou em plagas paulistanas para tomar conta de uma fatia expressiva do mercado. Pessoas do meio dizem que havia um acordo tácito entre Mamede e os Santos Diniz, do Pão de Açúcar, de que um não invadiria o quintal do outro. Quebrado o acordo pela família de São Paulo, Mamede teria resolvido dar o troco. Desembarcou na praça em companhia de seu sobrinho João Carlos Paes Mendonça, dono da rede Bompreço, e foi logo abrindo algumas das maiores casas que os paulistanos já viram. Em 1984 inaugurou seu primeiro hipermercado em São Paulo, na Marginal Tietê. Três anos depois (1987), abriu outro, maior ainda, bem defronte do Carrefour, na Marginal do Pinheiros. O Pão de Açúcar se instalou em Salvador em 1976, e teve que amargar depois a companhia de um supermercado Paes Mendonça no terreno em frente.
Até 1986, o sobrinho de Mamede Paes Mendonça, João Carlos Paes Mendonça, detinha cerca de 20% do capital do Paes Mendonça. Mamede queria atacar no Sul. João Carlos era favorável à concentração de forças no Nordeste. Sem chegar a um acordo, João Carlos resolveu deixar a sociedade, recebendo em troca lojas em Sergipe.
O Paes Mendonça nunca investiu em fazendas, agroindústrias, aviários ou no que pudesse significar uma tentativa de verticalização da atividade. Só em 1989, é que ele, para participar do programa de privatização do governo da Bahia, assumiu um frigorífico, o Frisuba, que já supria boa parte da demanda de carnes da rede. O grupo possuía também uma parte mínima da cadeia Baby Beef, que contava então com cinco restaurantes.
Em 11 de julho de 1990, Mamede considerava o negócio com a Disco acertado, embora não sacramentado. A compra da rede Disco do Rio de Janeiro estava nos planos de Mamede que cobiçava o mercado carioca. As negociações já vinham ocorrendo há um bom tempo. Em 1983, 100% do faturamento era realizado na Bahia. Em meados de 1990, 60%.
Em fevereiro de 1993, Mamede Paes Mendonça vendeu as 59 lojas que a rede de supermercados Paes Mendonça tinha na Bahia.
A compradora foi a empresa Serra da Pipoca Agrícola. As lojas foram agrupadas na Unimar Supermercados. Até bem pouco tempo antes, a Serra da Pipoca era o braço agropecuário da Kieppe, a holding particular do empreiteiro Norberto Odebrecht. Os donos da Serra da Pipoca eram investidores da Bahia, capitaneados pelo empresário José Barachísio Lisboa. Durante muito tempo Barachísio, como é conhecido em Salvador, foi o principal executivo da Kieppe, da qual se desligou para presidir a Unimar.
Na realidade, Mamede teve de entregar as lojas da Bahia ao empreiteiro Norberto Odebrecht como pagamento de dívidas. Depois de serem repassadas a um executivo, que pediu autofalência, as lojas acabaram nas mãos de um grupo de credores capitaneados pelo Garantia. Dois anos sob controle do Garantia não foram suficientes para sanear a Supermar (novo nome da Unimar), que padece de uma crise crônica de identidade.
Desde que deixou de pertencer a Mamede, a rede já usou os nomes Paes Mendonça, Unimar e Supermar. Depois, Bompreço, após ter sido comprada pela rede de João Carlos e dos holandeses do grupo Royal Ahold.
(Fonte: revista Exame - 25.07.1990 / 03.03.1993 / 07.05.1997 - partes)