Num apertado vale do norte da Itália, nas proximidades da cidade de Gardone, encontra-se uma fábrica de armas denominada Fabbrica D'Armi Pietro
Beretta. Ela não é particularmente ampla nem muito vistosa, mas o minério de ferro que se encontra nas montanhas próximas justifica a sua localização.
O curioso dessa fábrica não é o que faz (armas), nem como faz (através de processos industriais avançados), nem o mercado que atende (muitos usuários no mundo inteiro) - é a sua idade.
Afirmam seus donos, orgulhosamente, que é a dinastia industrial mais antiga do mundo, o que pode ser absoluta verdade, pois a empresa foi criada no ano de 1526 como fornecedora de armas da República Veneziana e ainda hoje prospera nas mãos da mesma família que a criou mais de 500 anos atrás. Pode ser considerado um milagre, pois atualmente a expectativa de vida das empresas familiares no mundo não passa de 24 anos (contra os 45 para empresas de capital aberto). A maioria sucumbe durante os primeiros cinco anos. Das sobreviventes, somente três em dez passam para a próxima geração e somente uma entre dez se aguenta até a terceira geração.
A que atribuir a extraordinária longevidade da fábrica
Beretta? Em primeiro lugar e acima de tudo, à capacidade (ou sorte) da família de nunca ter tido desentendimentos graves a ponto de colocar em risco a própria organização; e à felicidade de ter encontrado sempre alguém da família que se prontificasse e tivesse condições de administrá-la sem que isso causasse conflito sério entre os seus membros.
Essa unidade familiar era necessária para a sobrevivência da empresa, mas não era o suficiente. Ademais, havia dois fatores decisivos para sobreviver e crescer: a contínua inovação tecnológica, que assegurou uma excelente qualidade a seus produtos, condizente com a tecnologia da época e a existência de um mercado quase sempre crescente.
Todas as gerações de dirigentes da empresa souberam tirar proveito da tecnologia mais avançada de seu tempo. Como, por exemplo, a automação do ferramental após a II Guerra Mundial; a introdução de ferramentas numericamente controladas por computadores quando eles se tornaram disponíveis: e o uso de robôs industriais, o que permitiu à Beretta fabricar armas a preço relativamente baixo, mas de alta precisão, devido às constantes inovações nos processos em série.
A família encontrou, quase sempre, um mercado que lhe era favorável. Mas seu sucesso não teria sido possível se não soubesse tomar decisões tanto na área tecnológica quanto mercadológica, com seus riscos típicos associados à insegurança do futuro.
Hoje a empresa fabrica espingardas, rifles de caça, pistolas e submetralhadoras. A Beretta é uma exportadora agressiva. Na década de 1980 ganhou um contrato com o Exército americano para substituir o venerável Colt 45. No Brasil, no final de 1972, começaram a chegar metralhadoras Beretta no Exército brasileiro para substituir as horríveis e ineficazes INA - Indústria Nacional de Armas.
Sentado em sua sombria mansão de pedra, Ugo Gussalli Beretta, nascido em 1938 (então com 58 anos), dono da empresa, diz: "Os americanos produzem máquinas de atirar. Nós fabricamos obras de arte".
(Fonte: revista Exame - 17.01.1996 / Exame - 22.05.1996 (1996, Forbes) - partes)