Beatriz Dreher Giovaninni nasceu em berço de vinho. E de espumante, e de conhaque. Não tem memórias da infância que não estejam ligadas ao cultivo de uvas e à produção de bebidas no negócio da família. Viu seu sobrenome, Dreher, virar uma das marcas de conhaque mais famosas do país.
O avô imigrante trouxe, em 1910, o gosto pelo cultivo das uvas e a fabricação de bebidas. A receita do brandy, que se tornou mais tarde o conhaque Dreher, veio com ele. Na propriedade instalada em Pinto Bandeira, no interior de Bento Gonçalves, ficava a fábrica e também a área dos parreirais.
As instabilidades do mercado brasileiro, somadas às mortes de familiares que eram peças fundamentais na administração da companhia, acabaram estimulando a venda da Dreher para uma empresa americana, a Heublein, em meados da década de 1970. Era o fim do contato de Beatriz com o seu universo. Até mesmo o produto, receita de seu avô, já não era mais o mesmo. Mudanças na legislação permitiram alterações na fórmula do conhaque, que já não se parecia com o brandy original.
Quando vendemos, a família saiu totalmente do negócio. A propriedade da minha infância foi junto. Não ficamos com nada - revela Beatriz.
Mas, se precisou abrir mão de tudo isso, quando a empresa foi vendida, não foi para sempre. Ela readquiriu a propriedade da sua infância e reergueu o ofício de seu pai.
Bem resolvida com a decisão familiar, ela tocou a vida, que a esta altura tinha as suas urgências, como a casa, os filhos e o trabalho. Mas demoraram apenas dois anos para que a quinta em que se fazia os vinhos e o brandy e onde floresciam os parreirais voltasse às mãos da família Dreher Giovaninni. Beatriz e o marido, Airton, viram a oportunidade e adquiriram de volta a propriedade. No local, hoje está instalada a vinícola Don Giovanni. E hoje, Beatriz Dreher Giovaninni vive de novo em berço de vinho, de espumante...
O marido, aliás, é um parêntese necessário para contar o desenrolar dessa história. Proprietário de uma metalúrgica em Bento, Airton nunca teve qualquer contato com o mundo do vinho. O que conhecia era uma certa menina de grandes olhos verdes, a quem encontrava na companhia dos pais, nos bailes do Clube Aliança.
Ele passava na rua e dizia que queria casar comigo. Mentira, tu é que corria atrás de mim! Risos. Muitos risos. Assim nasceu uma história de amor e parceria que dura 47 anos. Com o entusiasmo de Airton, Beatriz acreditou na possibilidade de retomar a propriedade da família. Fim do parêntese. Mas jamais o fim da história.
Nós não tínhamos intenção de voltar a trabalhar com vinhos e brandy. Queríamos somente a casa e o terreno para ser nosso refúgio de campo, e contato com a natureza, aos finais de semana.
Porém, ao encontrarem, no topo de uma colina, os parreirais antigos, plantados no tempo do pai de Beatriz, o casal decidiu preservar o que havia de vinhedos no local. Daí até buscarem novas cepas, aumentarem a área cultivada e voltarem a fazer vinhos foi apenas questão de tempo.
A ideia inicial era fazer somente um vinho para o nosso consumo e para presentear amigos. Seria uma diversão - diz Beatriz.
Hoje, a vinícola produz 120 mil garrafas de espumante, além de vinhos tintos e brancos. Um dos rótulos já foi eleito pela revista Gula como melhor do Brasil. Começaram a ser reconhecidos pelos produtos e não pararam mais.
Um dos maiores orgulhos de Beatriz é ter recuperado o brandy feito pelo avô, na época da fundação da Dreher. Brandy (também chamado de conhaque) é um destilado de vinho que envelhece por, no mínimo, 12 anos antes de poder ser consumido. Sua graduação alcoólica chega aos 40% e ele tem um gosto adocicado e marcante. As garrafas gordinhas do Brandy Don Giovanni e as barricas em que ele envelhece são exibidas com pompa, em local de honra da vinícola.
Além de retomar a produção de bebidas, o casal transformou a velha casa em pousada, com capacidade para poucos hóspedes e muito aconchego.
Ao sentar-se à mesa para brindar, Beatriz afirma que, na época, não imaginava-se seguindo os passos da família. Até porque a empresa, que havia sido fundada pelo avô e o pai, já não existia mais. Mas ao contemplar a paisagem que cerca a vinícola e ao ter na taça uma bebida fabricada ali mesmo, por ela e pelo marido, sente-se recompensada. Por ter atado as pontas da sua história, por estar ali, no lugar que sempre foi seu, e por estar cada vez mais apaixonada pelo velho ofício da sua família.
Voltar a fabricar vinhos, espumantes e o brandy não foi um plano, mas revelou-se uma fonte farta de felicidade. Beatriz resolveu então deixar registrado todo o seu gosto por aquele trabalho. Queria ter um espumante com o meu nome. Mas não era aquela coisa de homenagem, sabe? Queria mesmo era desfrutar dele enquanto estou viva e saudável.
Nasceu assim o Dona Bita, o produto premium da vinícola, batizado com o apelido de infância de sua idealizadora. O espumante é um corte de chardonnay e pinot noir, feito pelo método champenoise - o mesmo utilizado para a fabricação da champagne - que matura por, no mínimo, 48 meses antes de chegar ao consumidor. Oferecer uma taça dele aos amigos é das coisas que mais envaidecem Beatriz. Quando acompanha algum visitante à cave de envelhecimento, faz questão de mostrar as garrafas da sua bebida.
Presente em todas as partes do empreendimento, a história da família invade também a cozinha da pousada. Da mãe, Beatriz herdou o gosto pelas panelas e o talento para criar pratos. Inspirou-se então nos risotos maternos e criou a iguaria pela qual é famosa: o Risoto de Alcachofra acompanhado de Frango na Cerveja. Detalhe: as alcachofras são fresquinhas, plantadas ali mesmo, na horta, pelas mãos da própria cozinheira. "Vinho nacional na nossa taça é comida na mesa do produtor rural. Temos que pensar nisso.", diz Beatriz.
(Fonte: GZH - Redação Donna - 23.09.2013 / 24.03.2014)