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25 de ago. de 2021

Moutai

          Semelhante ao champanhe — que vem da região de mesmo nome na França — a Kweichow Moutai tem o nome de Maotai, uma pequena cidade pitoresca na província de Guizhou, no sudoeste da China. O nome da empresa é baseado em uma antiga romanização do nome chinês da cidade. Assim como o champanhe, a bebida só pode ser chamada de Moutai se for produzida naquele local específico. A Moutai tem uma vantagem inconfundível: a bebida é o destilado nacional da China.
A moutai baijiu — o tipo de bebida que a empresa fabrica — é uma bebida alcoólica clara e potente que foi apelidada de aguardente, graças ao fato de ter 53% de álcool. As garrafas vermelhas e brancas de seu principal produto, chamado “Feitian” (ou “Fada Voadora”), são disputadas em banquetes estatais chineses e eventos de negócios.
          Conhecida como a bebida favorita de Mao Tsé-tung, fundador da China Comunista, e como a “bebida da diplomacia”, ela foi usada para receber o ex-presidente dos Estados Unidos Richard Nixon em sua viagem histórica à China em 1972 e novamente em 2013 quando o presidente chinês Xi Jinping se encontrou com seu homólogo norte-americano, Barack Obama, na Califórnia.
Uma vez, num jantar oficial em 1974, o Secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger disse a Deng Xiaoping, o futuro líder chinês: “Acho que se bebermos Moutai o suficiente, podemos resolver qualquer coisa”.
          Participar de tantos eventos públicos importantes na China “realmente definiu a marca na consciência nacional”, disse Ben Cavender, diretor-gerente do China Market Research Group.
Alguns dizem que a história remonta ainda mais à tradição do Partido Comunista. Durante a “Longa Marcha” do Exército Vermelho na China na década de 1930, os soldados costumavam derramar Moutai em seus pés para ajudar a desinfetar feridas, segundo a mídia estatal chinesa relatou, citando um ex-tenente-general do exército.
Diz a lenda que membros do Exército Vermelho costumavam recorrer à bebida para desmaiar antes da cirurgia, como contou Hao Hong, chefe de pesquisa do BOCOM International, braço de valores mobiliários do Banco de Comunicações da China.
“É uma história que sempre volta”, disse ele. “Eles não tinham anestesia. Então, tinham Moutai como uma droga para entorpecer as pessoas durante a cirurgia.”
Hoje, a marca é vista mais como um símbolo de status de luxo do que por suas raízes “vermelhas”. Alguns clientes compram não para beber, mas para manter como investimento. As caixas de edição limitada são coletadas e apresentadas em casas de leilão internacionais, como a Christie’s, que afirma que algumas garrafas podem valer mais de US$ 40 mil (cerca de R$ 212 mil) cada.
Cavender explica que a Moutai encontrou uma maneira de ser “acessível a muitos consumidores regulares, pelo menos em ocasiões especiais”, enquanto ao mesmo tempo oferece itens de colecionador que chegam aos ultrarricos.
          “Isso é algo que torna Moutai, eu acho, diferente, de muitas marcas internacionais de bebidas”, disse ele.
A Moutai há muito é vista como uma das ações blue-chip mais importantes da China. Em 2017, ela se tornou a maior fabricante de bebidas do mundo em valor de mercado, superando a Diageo, proprietária britânica das marcas Johnnie Walker, Guinness e Tanqueray.
          Em 2019, a Moutai, que abriu seu capital em 2001, também se tornou a primeira empresa chinesa desde 2005 a ver o preço de suas ações atingir 1.000 yuans (cerca de R$ 770), atingindo outro recorde de mercado. Mais: no ano passado, tornou-se a empresa não-tecnológica mais valiosa da China. (Alibaba e Tencent, os dois maiores gigantes da tecnologia do país, têm avaliação maior, com suas ações listadas em Nova York e Hong Kong, respectivamente.)
As autoridades alertaram os investidores sobre uma potencial bolha de ações. Em 2017, a Moutai sofreu uma grande venda — eliminando US$ 7,8 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões) de sua capitalização de mercado em um dia — depois que a agência de notícias estatal Xinhua (que muitas vezes expressa o sentimento da liderança comunista) pediu aos investidores que tivessem uma “visão mais racional” da empresa.
          “É importante para a Kweichow Moutai manter seu ritmo lento”, disse a Xinhua em um editorial. “Forçar uma fábrica para fazê-la crescer leva inevitavelmente a uma dor insuportável. A especulação míope causará um dano tremendo ao valor do investimento.” O anúncio não foi algo incomum. O governo chinês frequentemente tenta influenciar os investidores por meio da mídia estatal, como, no meio do ano passado, quando uma publicação do governo incentivou as pessoas a comprar ações.
Isso poderia ter um efeito dominó, principalmente porque os mercados de ações da China continental são dominados por investidores de varejo. De acordo com uma pesquisa de 2020 feita pela China Securities Depository and Clearing Corporation, quase todos os investidores da bolsa (99%) eram pessoas físicas.
          Uma das maiores vantagens do Moutai é sua capacidade de manter alto o preço de seu produto. Ela afirma ter capacidade limitada, pois só pode produzir suas bebidas em um local.
É aqui que a empresa diz que sua baijiu (destilado de arroz e sorgo fermentado) ganha o toque mágico.
Fatores ambientais, como o clima da cidade e as mudanças sazonais nas águas do rio local, ajudam a conferir ao destilado um sabor único e são “benéficos para o processo de produção”, segundo o Museu Moutai.
          Dentro da cidade, o impacto de Moutai na economia é profundamente sentido. Em 2019, Maotai era a cidade mais rica do oeste da China, de acordo com estatísticas de renda disponível do governo na província de Guizho, que, por sua vez, está entre as regiões mais pobres do país. Para Qi Wang, um morador local, isso não seria possível sem a gigante das bebidas. “A Kweichow Moutai é a líder das Maotais”, disse ele, acrescentando que o boom da empresa ajudou a incentivá-lo a abrir sua própria fábrica de bebidas. “Isso influencia todos os aspectos do desenvolvimento da cidade.”
          No entanto, seus laços estreitos com o governo nem sempre garantem proteção. Em 2013, as vendas caíram quando o presidente Xi embarcou em um movimento anticorrupção, levando o governo a eliminar qualquer sinal de “extravagância” entre os funcionários, incluindo bebidas alcoólicas caras.
A campanha gerou uma “pressão sem precedentes” na indústria do álcool, observou a Moutai em um relatório de lucros.
Desde então, a empresa se recuperou — embora agora enfrente outros problemas. Nos últimos anos, ela tem sido perseguida por inúmeros escândalos de corrupção, o que levou à destituição de vários altos executivos, de acordo com a mídia estatal.
          Outras grandes empresas enfrentaram pressões semelhantes. A China regularmente investiga executivos poderosos por corrupção — e usa as descobertas para enviar um aviso a outros. Este mês, um tribunal chinês condenou à morte por suborno Lai Xiaomin, ex-chefe de uma importante empresa financeira estatal.
A Moutai confia muito no mercado chinês. A empresa tentou avançar no exterior, principalmente abrindo um “fã clube” nos Estados Unidos, viajando para a África para atrair novos clientes e formar parceria com jogadores estrangeiros, como o clube de futebol italiano Inter de Milão.
Mas, na maioria das vezes, teve pouco a mostrar. Em 2019, quase 97% das vendas aconteceram na China.
          Em março de 2020, a empresa lançou uma campanha de mídia social chamado de “ficar em casa com a Moutai”, que encorajava usuários ao redor do mundo a experimentar novas receitas durante o lockdown. Uma postagem no Instagram e no Twitter, por exemplo, sugeriu misturar a bebida em um “coquetel ao pôr do sol”, enquanto outra oferecia instruções para um prato de massa que poderia combinar com o licor. A campanha demonstrou um esforço para se manter conectado com os consumidores internacionais, mesmo durante a pandemia. Mas os analistas apontaram outros desafios à frente.
          A Moutai precisa fazer mais para diversificar, de acordo com Spiros Malandrakis, gerente do setor de bebidas alcoólicas da Euromonitor International. “Ela precisava ter começado a fazer isso ontem”, afirmou. “Os destilados internacionais sempre começam localmente, como a baijiu, mas se tornam internacionais. É a chave. É assim que você domina o mundo. É assim que você se torna grande de forma sustentável”. Malandrakis citou a tequila mexicana, a vodca russa e o bourbon norte-americano como exemplos. Nenhum desses “teria sobrevivido” se não se tornassem globais, acrescentou. O processo, é claro, não acontece da noite para o dia. William Dong, diretor administrativo da Evershine Australia, que distribui o Moutai na Austrália, Nova Zelândia e Itália, disse que muitas pessoas ainda precisam ser educadas sobre o que é a baijiu. “Distribuímos o produto basicamente em todos os lugares que podíamos”, contou. No fim das contas, a maioria dos clientes ainda são chineses, acrescentou. “Eu diria provavelmente 80%.”
          Não ajuda que a bebida tenha um gosto que se adquire com o tempo. Algumas pessoas evitam o gosto forte da Moutai, enquanto outras a rotulam como “aguardente”.
“Alguns ocidentais descobrem que é ‘meio que beber lâminas de barbear líquidas’, como eles mesmo dizem”, relatou Malandrakis.
Uma ameaça ainda maior, no entanto, pode ser a diferença entre gerações e gênero na China. Atualmente, o principal grupo demográfico da baijiu é de homens de 40 a 60 anos, de acordo com Malandrakis. “A próxima geração não quer fazer o que a geração de seu pai fez”, explicou ele. Malandrakis a comparou ao xerez, que foi amado por séculos, mas depois perdeu a popularidade porque “se tornou sinônimo de consumo de pessoas mais velhas”. Nem todo mundo está preocupado. Mesmo com sua posição internacional fraca, a baijiu de Moutai foi a bebida mais vendida do mundo em 2019, de acordo com o Euromonitor. “O mercado chinês é muito grande e continua a ficar mais rico”, opinou Ben Cavender, diretor-gerente do China Market Research Group.
          Apesar de todos os seus desafios, mesmo os críticos admitem que o domínio da empresa está longe de diminuir.
“A marca e a herança que a marca possui são coisas impossíveis de replicar”, disse Cavender. “Acho que eles têm uma forte história embutida que lhes permite florescer”.
Mesmo em meio a uma pandemia global, a Kweichow Moutai, empresa que fabrica a bebida homônima, teve um ano excepcional: suas ações subiram cerca de 70% na bolsa de valores de Xangai em 2020. Parte estatal e parte de capital aberto, ela é a empresa mais valiosa da China fora do setor de tecnologia, valendo mais do que os quatro maiores bancos do país.
Globalmente, sua capitalização de mercado não apenas superou todos os outros fabricantes de bebidas alcóolicas, como a Diageo e a Constellation Brands, mas também a Coca-Cola, que há muito tempo detém a coroa de maior fabricante de bebidas do mundo em valor de mercado. Avaliada em 2,7 trilhões de yuans (cerca de R$ 2,21 trilhões), a Kweichow Moutai também vale mais do que Toyota, Nike e Disney.
          “Sempre que houver algum estoque do produto disponível, ele acabará quase instantaneamente”, contou Ben Cavender, diretor-gerente do China Market Research Group.
Exceto entre chineses vivendo fora do país, a Moutai ainda é virtualmente desconhecida no exterior. Tanto é que quase todas — cerca de 97% — das vendas acontecem apenas na China, de acordo com seus relatórios financeiro
(Fonte: CNN Business (Michelle Toh,) - 23/01/2021 - O escritório da CNN em Pequim e Serenitie Wang contribuíram)
MoutaiFoto: Moutai / Reprodução / Instagram



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