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6 de out. de 2011

Cerveja Brahma

          A cervejaria Brahma foi fundada em 1888, no Rio de Janeiro. Segundo a Ambev, que detém a marca, o nome “é provavelmente uma homenagem ao inventor da válvula de chope, o inglês Joseph Bramah“. Joseph Bramah é o inventor da prensa hidráulica, e viveu na Inglaterra de 1748 a 1814. Ele também inventou um tipo especial de fechadura, as Bramah Locks.
          Em 1928, a Brahma compra a Cervejaria Guanabara, fundada em 1885, cujo complexo industrial ficava no bairro Paraíso, em São Paulo, na esquina das ruas Apeninos e Paraíso. Foi o início da produção da cerveja Brahma Chopp no estado de São Paulo.
          Em outubro de 1989, o Banco Garantia compra a Companhia Brahma do alemão naturalizado brasileiro Karl Hubert Gregg. Ao vender a maior parte de suas ações ao Garantia, Gregg pretendia acelerar seus planos de aposentadoria. Por insistência do banqueiro Jorge Paulo Lemann, dono do Garantia, Gregg acabou concordando em adiá-la para 1991, com a condição, porém, de começar a preparar seu sucessor. Imediatamente surgiram dois fortes candidatos. Um era o filho do próprio Gregg, William, que então ocupava a diretoria de administração da Brahma. O outro era o representante do Garantia na direção da empresa, Marcel Herrmann Telles.
          As instalações industriais da Brahma localizadas no bairro Paraíso, em São Paulo, foram demolidas em 1994. Em seu lugar foram construídos prédios residenciais.
          Em fins de 1994, cansada de tanto esperar, a Brahma resolveu adotar uma atitude inédita contra dois de seus principais fornecedores. Entrou com uma ação de perdas e danos na Justiça de São Paulo  contra as subsidiárias brasileiras das empresas alemãs Holstein-Kappert e Krones. Segundo a companhia, as duas empresas atrasaram por mais de seis meses a entrega de equipamentos que deveriam ser instalados nas fábricas da Brahma em Guarulhos, Lages e Buenos Aires, na Argentina.
          Em meados de 1996, a Brahma adquire da Frutsi, a marca de isotônicos Marathon, que ficará dentro da Fratelli Vita, braço de bebidas isotônicas da Brahma. O negócio chegou a quase 1 milhão de dólares.
          A Brahma adquire a Baesa, engarrafadora e distribuidora da Pepsi-Cola no Brasil, em 1997. O valor anunciado foi de 120 milhões de dólares.
          O ano de 1998 foi péssimo para a Brahma em termos de resultado mas já no mês de abril os números ruins chegaram até Magim Rodrigues, que na época comandava a empresa. Imediatamente os trabalhos de redução de custos começaram a ser levados a cabo nas várias unidades da empresa e abrangiam desde as despesas com café e com transportes até a elaboração de notas fiscais, aluguel de aparelhos celulares, preço da máquina rotuladora e postos de vigilância. Em 1999, os resultados apareceram e em 2000 a Brahma tornou-se líder em custos no mercado mundial de bebidas.
          Em julho de 1999, a Brahma se une à Antarctica, formando a AmBev - American Beverege Company.
          Em julho de 2017, o líder hindu norte-americano Rajan Zed se pronunciou contra o nome da marca em um evento em Nevada. A cervejaria Brahma argumenta que a marca se confunde com a história da cerveja no país e, ao longo de todo esse tempo, não receberam qualquer pleito para que o nome fosse mudado. A marca evita, portanto, a associação com o deus criador do universo no hinduísmo, que se chama Brahma.
          Por volta de maio de 2020, a Ambev lança o rótulo Brahma Duplo Malte, que se tornou o maior sucesso recente da empresa e tem sido responsável por uma parcela considerável de seu aumento em vendas e praticamente criou uma subcategoria no portfólio da empresa chamado “core plus”. Sucesso entre os consumidores desde o seu lançamento, quando uniu o malte Pilsner ao malte Munich para entregar uma Brahma diferente ao grande público, a Duplo Malte se tornou um dos maiores sucessos do mercado dos últimos anos.
          Em maio de 2023, a Ambev ‘triplica’ a aposta na Brahma Duplo Malte trazendo três lançamentos para a linha e anunciou mais um reforço dentro do portfólio da família da marca Brahma. Agora, a marca inovou em seu segmento ao trazer outras três combinações de maltes duplos com o intuito de surpreender e ampliar as experiências do paladar brasileiro: Brahma Duplo Malte Trigo, Brahma Duplo Malte Tostada e Brahma Duplo Malte Black.
           A cervejaria tem em seu portfólio a Brahma Chopp (Pilsen), o chope, a Brahma Extra (Lager, Red Lager, Weiss e Märzen Lager), a Brahma Duplo Malte (a padrão e as Trigo, Tostada e Black), a Brahma 0,0% (zero álcool) e a Malzbier, fabricada pela Cervejaria Brahma desde 1914.
(Fonte: revista Exame - 20.11.1996 / 25.12.1989 / 12.07.2000 / jornal Gazeta do Povo - 25.07.2017 / Catalisi - 19.05.2023 - partes)

Brahma Extra / Brahma Extra Märzen Lager

          A Brahma Extra é produzida em três sabores. A Brahma Extra Lager é uma combinação entre o doce do puro malte e o amargor do lúpulo resultando um sabor que contrasta com leves notas herbais. A Brahma Extra Red Lager tem sabor deliciosamente acentuado que combina malte torrado a um leve aroma de caramelo e suaves notas frutadas. Misturados em diferentes graus de torra, os maltes de cevada proporcionam a cor âmbar avermelhada, característica da Brahma Red Lager. A Brahma Extra Weiss é a mais encorpada do trio Brahma Extra, leva trigo em sua composição e apresenta notas de frutas e especiarias. O processo de alta fermentação dá o aroma frutado com notas de banana e cravo a cerveja. Já a cor, a textura e o sabor mais marcantes vêm do malte de trigo.
          Há ainda a Brahma Extra Märzen Lager (rótulo azul) que tem produção sazonal e vem de um estilo de cerveja que surgiu em 1553 e ficou famoso na Oktoberfest I. A Märzen Lager era produzida na Bavária até março de cada ano ("März" significa março em alemão, daí a origem do nome) devido ao clima frio e armazenada durante todo o verão europeu, quando o calor afetava a produção de cervejas. Com a chegada do outono, os últimos barris de Märzen eram consumidos nas Oktoberfests.
          Com coloração acobreada, a Brahma Extra Märzen possui aroma maltado que remete a cascas de pão. Seu sabor levemente alcoólico é equilibrado pelo amargor e leve dulçor. Essa cerveja é vendida por tempo limitado.
(Fonte: site empório.com - Empório da Cerveja / Brochura da Cervejaria Brahma))

30 de out. de 2011

Bar Brahma (Curitiba)

           O Bar Brahma de Curitiba foi fundado em 20 de abril de 1999. Foi criado anexo à fábrica da Brahma que funcionava no local, na Avenida Presidente Getúlio Vargas, 234, no Rebouças, antigo bairro industrial da capital. A casa tinha capacidade para 160 pessoas sentadas. Seu proprietário era o empresário paranaense João Guilherme Leprevost, nascido em 1975. A ideia de abrir o boteco dentro da fábrica foi do próprio Leprevost, para aproveitar um espaço que já tinha sido até cocheira, na época em que a cerveja era entregue em carroças.
          Com o sinal verde da Ambev, partiu-se em busca de uma identidade para o lugar. "Faltavam bons bares à moda antiga em Curitiba", disse Leprevost. "O nosso veio resgatar a tradição dos botequins." A decoração da casa exibia peças antigas: fotos, engradados, canecas e até "bolachas" (suportes para copos), boa parte com a marca da Brahma.
          Leprevost já tinha experiência em casas noturnas. Ele fundou a danceteria Kony's, o Plattea Café e o restaurante Divino Mestre, todos em Curitiba. Quando percebeu o potencial do novo negócio, vendeu sua participação nos outros três.
           Hoje muito comum entre as cervejas artesanais, o Bar Brahma, junto à fábrica de Curitiba, teria sido o primeiro do Brasil.
           Apesar de não estar localizado em locais mais apinhados de bares como o Largo da Ordem ou o Batel, por exemplo, o Bar Brahma foi um dos primeiros na cidade a instituir a tradição de happy hour.
          Nos dia 2 de agosto de 2001, Leprevost fez uma peregrinação por bares de São Paulo. Sentava, tomava um chope, dava uma olhada no ambiente e ia embora. O mesmo ritual se repetiu em 17 bares. Começou no início da tarde e se estendeu até a meia-noite. Seu roteiro "etílico", como ele mesmo disse, foi para se atualizar sobre o que havia de melhor nos bares paulistanos.
           A Ambev desativou a fábrica em novembro de 2015, quando abriu outra unidade na cidade de Ponta Grossa a aproximadamente 100 quilômetros da capital paranaense. Mas o bar permaneceu. O terreno continuou sendo usado por alguns meses para abrigar um centro de distribuição e o setor comercial da cervejaria e toda a área foi doada pela Ambev, em abril de 2016, para o governo do estado, conforme protocolo de intenções assinado em 2013.
           Ele era o único bar do Brasil com a certificação ISO 9001, sendo referência em oferecer o melhor em qualidade aos seus clientes. Recebeu o certificado ISO 9002 em julho de 2000. Também ganhou destaque internacional nos anos em que Curitiba foi sede do FIA WTCC – World Touring Car Championship e quando foi ponto de encontro escolhido pelos lutadores do UFC Curitiba.
          Sua clientela era bem diversificada e incluía empresários e políticos. Entre eles, nos primeiros anos do bar, o governador Jaime Lerner e o senador Roberto Requião, inimigos de longa data. "Por sorte nunca se encontraram", diz Leprevost, aliviado.
          Desde o dia 25 de julho de 2018, a boemia curitibana não é mais a mesma. Agora, quem passa pela esquina da Getúlio Vargas com a João Negrão vê um cenário diferente do que o que ali esteve nos últimos 19 anos. Os fumantes que compartilhavam as calçadas se foram e já não se vê a recepção amigável aos clientes que chegavam. O Bar Brahma, tradicional reduto da vida noturna curitibana, não está mais ali.
          O bar reuniu, naquele clima ameno do dia da inauguração, desde os funcionários das fábricas vizinhas, até empresários que desejavam um local para o Happy Hour. Aliás, a diversidade da clientela sempre foi um dos marcos do Bar Brahma. Se a intenção era tomar um chope gelado, comer os petiscos tradicionais ou apenas acompanhar o futebol do balcão do bar, todos eram bem-vindos.
          Com o fechamento da casa, restam as lembranças nas mentes saudosas dos que eram frequentadores assíduos. Em 19 anos de história, não faltam lembranças sobre títulos conquistados no futebol paranaense, nacional e mundial, amizades criadas entre um chope e outro, disputas entre bebedores de caipirinha e até mesmo casamento entre funcionários do bar.
          A boa notícia foi que quem estava saudoso pôde ter uma parte do Bar Brahma para guardar de recordação. Nos dias 1, 2 e 3 de dezembro de 2018, o Bar Brahma fez, na Usina 5, um bazar para vender todos os utensílios e móveis. Foi possível comprar canecas, copos, louças e toda a decoração do bar. Além disso, o bazar foi uma ótima oportunidade para proprietários de bares e restaurantes que desejassem adquirir equipamentos e utensílios de cozinha, por exemplo.
          Segundo Leprevost, proprietário do bar e organizador do bazar, a intenção principal foi evitar que objetos com tanto valor afetivo para ex-funcionários e clientes fossem esquecidos em algum depósito: “Nós queremos que toda a história que esses objetos representam possa continuar acontecendo nas casas dos frequentadores do bar e até mesmo em outros bares da cidade. O bar fechou, mas o afeto que nutrimos pela sua história é eterno”.
(Fonte: revista Exame - 22.08.2001 / jornal Tribuna do Paraná - 04.11.2015 /  jornal Gazeta do Povo online - 20.04.2017 / Curitiba Cult - 30.11.2018 - partes)

6 de out. de 2011

Cerveja Skol

          O costume de tilintar os copos e encontrar o olhar de um parceiro de bebida quando você os "skol", está enraizado na tradição guerreira viking de garantir que ninguém tenha envenenado sua bebida.
          "Skål", em sueco e em dinamarquês (por onde andavam os Vikings), significa nosso cumprimento "saúde", quando estamos tomando bebida alcoólica. Provavelmente, nessas línguas a pronúncia de "Skål" deve ser bem próxima à nossa pronúncia para "skol". Essa seria um das versões para a origem da marca Skol.
          Em 1970, a companhia anglo-holandesa Skol chega ao Brasil para concorrer com as líderes Brahma e Antarctica, que juntas dominavam 80% do mercado de cervejas. A empresa coordenou o lançamento da primeira cerveja em lata do país.
          Em 1980, a marca foi comprada pela Companhia Cervejaria Brahma, que tinha sede no Rio de Janeiro.
          Era o ano de 1988 quando os banqueiros do Banco Garantia Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira compraram a Brahma.
          A Brahma se expandiu exponencialmente mas, pasmem, quem realmente fez a empresa crescer foi a marca Skol, que ultrapassou a Brahma e assumiu a condição de cerveja mais consumida no país. O embrião do crescimento da Skol baseado em inovação surgiu em 1996, quando a Skol foi escolhida pela antiga cervejaria Brahma para atingir o que se considerava um distante mercado potencial: jovens de 18 a 25 anos de idade que se considerassem "descolados" demais para consumir o mesmo produto que os pais.
          Então quarta colocada no mercado nacional, a Skol passou a investir em eventos como shows de rock e música eletrônica e adotou uma linguagem irreverente para lidar com esse público - a companha "desce redondo" ajudou a marca a alcançar a liderança de mercado em 1998, de onde nunca mais saiu. 
          Em meados de 1999, a Brahma (empresa), se fundiu com a Antarctica formando a AmBev - American Beverage.
          No dia 11 de novembro de 1999, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae), finalmente divulgou o parecer sobre a fusão da AmBev. E o alvoroço foi enorme.
          A AmBev tinha discursos prontos para cinco decisões diferentes da secretaria, entre elas até um parecer totalmente contrário à fusão. Não passou pela cabeça de ninguém que a Seae pudesse falar na venda de uma marca inteira, com todos os seus ativos. Mas foi o que aconteceu.
          A sugestão recaiu sobre a Skol. A explicação é que a Skol só tem cervejas, enquanto a Brahma e Antarctica trabalham também com refrigerantes, águas e outras bebidas. Não teria lógica mandar a AmBev se desfazer da cerveja Antarctica e continuar com o guaraná Antarctica.
          Lógica é o que mais faltou à Seae na opinião da AmBev. "Se vendermos a Skol, será a primeira vez em que as companhias ficam menores depois de uma fusão", disse Marcel Herrmann Telles. A decisão do Cade ainda estava por vir.
          A AmBev teve que vender a marca Bavaria, então com 4,5% do mercado, por imposição do Cade. Teve que vender também alguns outros ativos mas nenhuma outra marca.
          Poucos meses depois da fusão, no final de 1999, a Skol era a líder de vendas em cervejas, com 26,8% do mercado de marcas pílsen, o mais disputado. A Antarctica tinha 12,9% do mercado. A Brahma aparecia com 21,3%, a Kaiser possuía 14,5% e a Schincariol, 8,7%.
          A Skol foi a primeira a lançar uma embalagem transparente diferenciada, ainda em 2002. Desde então, foi pioneira com a garrafa big neck, de 500 ml, e com a latinha de 269 ml. Com isso, conseguiu manter sua participação de mercado na casa dos 31% entre 2006 e 2011, período em que as principais marcas da Ambev perderam espaço.
          Na busca por inovação nem tudo deu certo. Variações como a Skol Ice, lançada no final dos anos 1990, e a Skol Lemon, em 2006, não ficaram mais do que dois anos no mercado.
          Em novembro de 2010, a Skol tornou-se a primeira marca da América Latina a patrocinar a transmissão ao vivo de um show pelo YouTube. Cerca de 6 milhões de pessoas assistiram ao espetáculo online com vários artistas sertanejos, como Luan Santana. No dia da transmissão, o show foi o tópico mais comentado no Twitter no mundo durante mais de 14 horas.
          Em pesquisa com consumidores jovens, os executivos da Skol perceberam que a maior resistência ao consumo de cerveja estava na sensação de estufamento. Uma nova fórmula foi então desenvolvida. Batizada de 360º, ela chegou ao mercado paulista em outubro de 2010 e em todo o país, em 2011.
          Em junho de 2018, a AmBev se prepara para lançar mais uma versão da marca Skol, em garrafas de 600 ml. Trata-se da Skol Hops. Em texto captado da empresa extraoficialmente consta: "Skol Hops é uma cerveja puro malte diferente. Sua receita é feita com lúpulo aromático exclusivo que, além de conferir aroma e sabor únicos à cerveja, dá uma sensação muito refrescante a cada gole."
(Fonte: revista Exame - 15.05.2002 / 09.02.2011 - partes)

31 de out. de 2011

AmBev InBev AB Inbev

AmBev         
          Era o ano de 1988 quando os banqueiros do Banco Garantia Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira compraram a Brahma, uma pequena cervejaria com sede no Rio de Janeiro.
          Marcel Telles foi alçado por Lemann à presidência da Brahma em 1989, escolhido entre os melhores executivos do banco Garantia. A Marcel deve ser creditada a decisão de investir agressivamente no marketing da Brahma e da Skol, de apostar na expansão internacional dos negócios da empresa, que abriu uma fábrica em 1996 na Argentina. Em 1994, a Brahma já havia expandido as operações para a Argentina, Paraguai e Venezuela.
          Carlos Alberto Sicupira, desde que deixou o dia-a-dia da Lojas Americanas, no início de 1992, passou a dedicar-se à atividade de caçador de novos negócios. Vislumbrou possibilidades de sociedades ou mesmo aquisição de várias empresas. Pouquíssimas foram as que interessaram. Entre elas estava a Indústrias de Bebidas Müller, de Pirassununga (SP), fabricante da aguardente 51, procurada pela GP Investimentos em 1992/1993. A família Müller, porém, recusou-se a conversar sobre o assunto.
          A Brahma se expandiu exponencialmente, mas, pasmem, quem realmente fez a empresa crescer foi a marca Skol, que ultrapassou a Brahma e assumiu a condição de cerveja mais consumida no país.
          Em meados de abril de 1999, num almoço no restaurante Fasano (ou Gero?) em São Paulo, onde estavam Marcel Telles da Brahma e Victorio De Marchi, da Antarctica, um dos assuntos foi a dívida que cada empresa tinha em dólares, pouco tempo depois da desvalorização do Real, ocorrida no início daquele ano. Não necessariamente por causa disso, mas dali teria surgido a ideia da fusão das duas empresas. Em um esquema de sigilo absoluto, o assunto foi levado a outros membros das diretorias das duas empresas e, batido o martelo, uma equipe foi montada para analisar todos os dados das empresas, o que não era pouco. Abrangia as diversas marcas de cerveja, refrigerantes, caminhões, dezenas de unidades fabris, fornecedores e centenas de revendedores. Nenhuma notícia poderia vazar antes da divulgação oficial simultânea para todo o mercado. Depois de 75 dias de um trabalho exaustivo feito em um andar do prédio da agência DMB&D, participante da equipe, Antarctica e Brahma se uniram para criar a Companhia de Bebidas das Américas - AmBev. "AmBev", saiu na realidade do nome da filial criada nos Estados Unidos: American Beverage Company. O nome, Ambev, sugerido por Marcel Telles já na primeira reunião, indicava que a empresa queria crescer nas Américas, segundo Victorio De Marchi, ex-presidente da Antarctica e conselheiro da Ambev.
          Ao apresentar a Ambev, em julho de 1999, a Antarctica, de 3,3 bilhões de reais de faturamento, e a Brahma, de 7 bilhões de reais, lançaram o Brasil de forma espetacular na era das megafusões. Com 16.500 funcionários, 50 fábricas e produzindo 8,9 bilhões de litros de bebida por ano, a AmBev passou a ser a quinta maior empresa de bebidas e a terceira maior cervejaria do mercado - no mundo. Passou a ser um gigante com fôlego e apetite para co  mprar ou abrir fábricas no exterior, justificando o slogan de "multinacional verde-e-amarela".
          No dia 11 de novembro de 1999, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, finalmente divulgou o parecer sobre a fusão da AmBev. E o alvoroço foi enorme. A AmBev tinha discursos prontos para cinco decisões diferentes da secretaria, entre elas até um parecer totalmente contrário à fusão. Não passou pela cabeça de ninguém, porém, que a Seae pudesse falar na venda de uma marca inteira, com todos os seus ativos. Mas foi o que aconteceu. A sugestão recaiu sobre a Skol. A explicação é que a Skol só tem cervejas, enquanto a Brahma e Antarctica trabalham também com refrigerantes, águas e outras bebidas. Não teria lógica mandar a AmBev se desfazer da cerveja Antarctica e continuar com o guaraná Antarctica. Lógica é o que mais faltou à Seae na opinião da AmBev. "Se vendermos a Skol, será a primeira vez em que as companhias ficam menores depois de uma fusão", disse Marcel Herrmann Telles. A decisão do Cade ainda estava por vir.
          A AmBev teve que vender a marca Bavaria (então com 4,5% do mercado, a Bavaria foi vendida para a canadense Molson, por US$ 98 milhões, em 2000), por imposição do Cade. Mas, além das marcas Brahma, Brahma Extra, Skol e Antarctica, ficou ainda com as marcas Bohemia, Original, Caracu e Serramalte que pertenciam à Antarctica.
          Poucos meses depois da fusão, no final de 1999, a Skol era a líder de vendas em cervejas, com 26,8% do mercado de marcas pílsen, o mais disputado. A Antarctica tinha 12,9% do mercado. A Brahma aparecia com 21,3%, a Kaiser possuía 14,5% e a Schincariol, 8,7%.
          Nos cinco anos seguintes a companhia ganhou mercado na América do Sul. Um ano depois de a fusão ter sido aprovada pelo Cade em 2000, a Ambev já havia comprado duas fábricas no Uruguai. Nos primeiros dias de maio de 2002, a Ambev compra participação na Quilmes argentina, deixando bem clara a vontade expansionista na América Latina. Pagou US$ 346,7 milhões por 37,5% do capital total da Quinsa, detentora da marca Quilmes, então dona de 69% do mercado argentino. E ficou com a opção de ficar com o controle no futuro. A Quilmes tinha fábrica também na Bolívia, no Chile, no Paraguai e no Uruguai.
          Em julho de 2017, a AmBev adquiriu um conjunto de marcas de bebidas mistas pertencentes à Mark Anthony Group, no Canadá, por US$ 350 milhões.
         Em dezembro de 2017, a empresa anuncia a aquisição da Tenedora, titular de quase a totalidade da Cervecería Nacional Dominicana. A compra envolveu o pagamento de US$ 926,5 milhões à E. León Jimenez (ELJ) e foi finalizada em janeiro de 2018, quando então a AmBev passou a ter 85% de participação na Tenedora e os outros 15% ficaram com a ELJ.
          Considerando a marca Antarctica, no passado, os consumidores falavam das cervejas de determinada fábrica. Em entrevista à revista Exame, em março de 2018, Victorio De Marchi foi perguntado se isso se perdeu e se a receita das marcas tradicionais mudou. De Marchi explicou que "havia certa preferência mesmo. Em São Paulo, as cervejas de Ribeirão Preto ou de Agudos eram as mais valorizadas. A Antarctica de Joinville (Santa Catarina) era a melhor do mundo, muito famosa. Mas mantivemos as fórmulas originais, o mercado é que mudou."
          Em agosto de 2018, a companhia inaugurou o Centro de Inovação e Tecnologia Cervejeira (CIT) -, um dos mais modernos centros de inovação cervejeira do mundo, localizado no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trata-se do sexto centro do grupo AB Inbev no mundo, com cerca de 80 pessoas, sendo mais de 10 mestres-cervejeiros, com a missão de fermentar novas ideias para o mercado brasileiro. Dois lançamentos saíram de lá: a Skol Hops e Skol Puro Malte. Em menos de um ano no mercado, Skol Hops já estaria apresentando volumes equivalentes às vendas da linha Brahma Extra, e a Skol Puro Malte teria chegado para ser a primeira puro malte leve do mercado.
          No início de 2020, foi estabelecida em Lages, na Serra catarinense, a Fazenda de Lúpulo Santa Catarina. Já nos primeiros meses, o lúpulo plantado rendeu uma colheita que foi destinada à produção da primeira cerveja feita em escala industrial com lúpulo brasileiro. A produção ficou por conta da Lohn Bier, de Lauro Müller (SC), e resultou no rótulo Green Belly (barriga verde), uma Hop Lager que foi vendida em uma edição limitada. No segundo momento do projeto, foi criado um viveiro que vai ter a capacidade de produzir 60 mil mudas de lúpulo na etapa inicial. As mudas serão doadas para agricultores familiares na região, que pela temperatura fria e a alta incidência solar tem condições favoráveis para o cultivo. A fazenda Santa Catarina é um projeto da Ambev, que toca o projeto com um braço de inovação. O objetivo é incentivar a produção de lúpulo para atender ao mercado nacional, deixando o setor cervejeiro menos dependente das importações.
          Em setembro de 2020, a Ambev inaugurou uma fábrica de latas com capacidade para produzir 1,5 bilhão de latas por ano devido à maior demanda de clientes que bebem em suas casas, uma vez que a pandemia de Covid-19 afetou a demanda em bares. Esta é a primeira fábrica de latas da Ambev e está localizada em Sete Lagoas, no estado de Minas Gerais.
          Desde a segunda metade de dezembro de 2020, a Ambev começou a vender e entregar produtos da Beam Suntory em pontos de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul e região Nordeste. A nipo-americana Beam Suntory, terceira maior fabricante mundial de destilados, atrás da inglesa Diageo e da francesa Pernod Ricard, fechou acordo com a Ambev para a distribuição de seu portfólio no Brasil.
          O portfólio da Ambev conta com cervejas, conforme descrito no parágrafo abaixo, refrigerantes (Guaraná Antarctica, Sukita e outros), H2OH! (suco/refrigerante), chás (Lipton), isotônicos (Gatorade), energéticos (Fusion), sucos (do bem), e AMA, a água mineral que destina 100% de seu lucro para projetos que levam acesso à água potável para famílias do semiárido brasileiro.
          Atualmente, como resultado de aquisições, fusões e criação de novas marcas, o portfólio de cervejas da AmBev (em território brasileiro), abrange as seguintes marcas: Brahma, Skol, Antarctica, Original,  Serrana, Serramalte, Bohemia (838 Pale Ale, Aura-Lager, 14-Weiss, Magna Pils), Caracu (desde 1899), Malzbier, Kronenbier (sem álcool), Polar (somente no RS), Nossa (somente em PE), Magnífica (somente no MA), Colorado, Wäls, Kona, Stella Artois, Budweiser, Spatn, Leffe, Corona, Becks, Goose Island e Hoegaarden.
          Suas unidades fabris estão espalhadas pelo país: Almirante Tamandaré (PR), Anápolis (GO), Aquiraz (CE), Camaçari (BA), Contagem (MG), Itapissuma (PE), Jacareí (SP), Jaguariúna (SP), Lages (SC), Louveira (SP), Piraí (RJ), Sapucaia do Sul (RS), Sete Lagoas (MG).
          Considerando dados de abril de 2018, a AmBev está presente em 19 países, sendo que a principal operação é a do Brasil, com mais de 32 mil pessoas, que responde por 53% da receita.
          Em junho de 2021, a Ambev divulga que vai começar a importar o vinho argentino Dante Robino para comercializar no aplicativo Zé Delivery. É a primeira vez que a companhia importa a bebida para o Brasil. A vinícola é da Ambev desde fevereiro de 2020, quando a subsidiária Quilmes comprou a marca na Argentina.     
          Em agosto de 2021, a Ambev anunciou a criação de uma nova unidade na companhia que ficará dedicada a cuidar de seu portfólio de bebidas alcoólicas diferentes de cervejas. Este movimento mostra a multinacional brasileira seguindo os passos de sua holding global que tem ampliado seus investimentos no universo de bebidas alcoólicas para além do mercado de cerveja. No primeiro semestre de 2021 cerveja representou 75% do volume vendido e 85% da receita líquida da Ambev. A nova unidade se chamará Future Beverages and Beyond Beer ( Bebidas do futuro e além da cerveja, em tradução livre) e já conta com um portfólio de oito produtos que possuíam sua operação realizada de forma separada. Essas marcas que devem ganhar uma estratégia, planejamento e operação mais coesos são a bebida mista Beats (que não se chama mais Skol Beats), os hard seltzers Mike’s e Isla, os vinhos em lata Somm e Blasfêmia e o vinho em garrafa Dante Robino. Para comandar a nova unidade, a empresa selecionou Daniela Cachich, que era a vice presidente de marketing da PepsiCo (a Pepsi é distribuída pela Ambev no país). A nova unidade de bebidas da empresa terá atuação em toda a América do Sul. Com esta mudança a Ambev dá foco no desenvolvimento e escalonamento de linhas de produtos com grande potencial de crescimento na região, onde o mercado de cerveja já atingiu um ponto de maturação em volume vendas bastante grande.
          Em 12 de abril de 2022, a Ambev apresentou um “novo capítulo” de sua história aos investidores. “Dizer que somos uma empresa de bebidas não nos representa mais inteiramente”, disse o CEO Jean Jereissati ao Valor. O grupo quer ser, cada vez mais, uma plataforma, que vá além da venda de cerveja ou refrigerantes e inclua alimentos e até serviços, como crédito e geração de energia renovável. “A empresa conquistou o mundo”, disse o executivo. “Mas quando completamos 20 anos [em 2019], repensamos como seriam os próximos 20 anos e ficou claro que o que nos trouxe aqui não era o que nos levaria até lá.” A empresa agora quer fazer alianças, como as que já tem com BRF, M. Dias Branco ou Pernod Ricard, para vender aos seus clientes salame, biscoito e vodca.


InBev
          Em 2004 os empresários, então já com o fundo 3G Capital (vide origem da marca 3G Capital neste blog), estavam prontos para levar a companhia a patamares globais. Em março daquele ano a AmBev e a belga Interbrew anunciaram uma fusão que combinava a quinta e a terceira maiores cervejarias do mundo criando a maior empresa do planeta em termos de volume. A empresa passou a chamar-se InBev com a junção de parte das palavras Interbrew e AmBev. A negociação foi entre a Ambev, a Braco (controladores da Brahma) e os belgas.
          No final de março de 2007, a Ambev adquire da cervejaria portuguesa Cintra, suas unidades de Piraí (RJ) e Mogi-Mirim (SP) (apenas os ativos, não a marca), por US$ 150 milhões. Juntas, as duas fábricas tinham capacidade de produção de 420 milhões de litros de cerveja e 280 milhões de litros de refrigerante por ano.


AB InBev
          Em julho de 2008 a InBev anunciou o maior negócio da história até então do setor cervejeiro em todo o globo: um acordo para comprar a fabricante da Budweiser, por U$ 52 bilhões. Estava formada a Anheuser-Busch Inbev (AB Inbev). O acordo foi levado a cabo dois meses antes da bancarrota do banco americano Lehman Brothers, quando o mundo praticamente mergulhou no caos financeiro, mas o andamento do processo aparentemente ocorreu sem interferências.
          Com a compra da Anheuser-Busch, a empresa garantiu uma fatia de 50% na cervejaria mexicana Grupo Modelo. Em junho de 2012 a AB Inbev comprou a metade restante da Modelo por US$ 21,1 bilhões, transação que foi concretizada um ano depois, em junho de 2013, após conseguir a autorização do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O negócio ampliou sua posição no México e a AB Inbev teve oportunidade de expandir as marcas da mexicana, inclusive da Corona, por todo o mundo.
          No mercado norte-americano, porém, a dona da marca de cervejas Modelo (que inclui a Modelo Especial) não é a AB InBev, mas sim a gigante americana Constellation Brands. Isso ocorre porque após a aquisição da Modelo pela AB InBev, desde de 2013 a companhia foi obrigada a não ter a propriedade da marca nos Estados Unidos devido uma ação da autoridade de garantia da concorrência norte-americana numa forma de enfraquecer um possível monopólio de mercado.
          Em outubro de 2015, depois de rejeitar três propostas, a anglo-sul-africana SABMiller, número dois do mundo no setor de cervejas, aceitou oferta de compra da líder do setor, a AB InBev. O valor foi o equivalente a 104 bilhões de dólares (96 bilhões de euros), uma das maiores aquisições da história. A aquisição da antiga rival deu origem à maior cervejaria do mundo, com 29% de participação de mercado.
          A fusão fará com que a companhia americana de tabaco Altria (proprietária da Malboro) e a família colombiana Santo Domingo, fabricante da cerveja Bavaria, representada por Alejandro Santo Domingo, passem a ser sócias da nova empresa.
          Se a transação for concretizada como previsto, o novo grupo terá em seu portfólio as marcas de cerveja americana Budweiser e belga Stella Artois, mais a mexicana Corona, a alemã Beck's, a belga Hoegaarden, a brasileira Skol e a australiana Victoria Bitter pertencentes à AB InBev, assim como a italiana Peroni, a tcheca Pilsner Urquell, a chinesa Snow e a holandesa Grolsch da SABMiller.
          Em abril de 2016, a Anheuser-Busch InBev (AB InBev) aceita a oferta feita pelo grupo japonês Asahi Group, de € 2,55 bilhões (US$ 2,9 bilhões), para adquirir as marcas europeias Peroni e Grolsch (da família Meantime) e os seus respectivos negócios localizados na Itália, Holanda e no Reino Unido. As marcas pertencem à SABMiller e a sua venda faz parte das ações tomadas pela AB InBev para garantir a aprovação de órgãos regulatórios europeus da fusão entre a companhia e o grupo anglo-sul-africano de bebidas. O negócio está condicionado à conclusão da fusão entre a AB InBev e a SABMiller.
          No final de setembro de 2016 os acionistas da SABMiller aprovam a oferta de aquisição da empresa feita pela Anheuser-Busch InBev por mais de 100 bilhões de dólares, abrindo caminho para reforçar o posto de liderança do grupo que controla a Ambev entre os fabricantes globais de cerveja.
          A partir de julho de 2021, Michel Doukeris passou a ser o CEO da AB InBev. Seu perfil é semelhante ao de Carlos Brito, que dirigiu a empresa por 15 anos: sério e muito focado no trabalho. Natural de Lages, em Santa Catarina, Doukeris, nascido em 1974, está na empresa desde 1996. Fontes próximas à empresa afirmam que a expectativa é que ele use ferramentas digitais, como tecnologia de dados, mais eficientemente. Isso pode aproximar o consumidor da AB InBev e tornar a operação mais ágil.
          Em meados de 2023, vem a lume que a AB InBev está se desfazendo parcialmente de uma parte de seu portfólio de cervejarias artesanais seguindo tendência das grandes nos EUA.  A AB-InBev, anunciou a venda de oito marcas artesanais que incluem algumas das suas cervejarias adquiridas nos últimos 10 anos. Quem compra é a Tilray Brands, uma empresa canadense focada no mercado de cannabis, mas que tem ampliado suas aquisições para dentro do mercado de cerveja artesanal nos Estados Unidos. A venda inclui as cervejarias Breckenridge Brewery, Blue Point Brewing Co. 10 Barrel Brewing Company, Redhook Brewery, Widmer Brothers Brewing. Além destas, a marca de cerveja Shock Top, a marca de cidras Square Mile Cider e a marca de hard seltzer HiBall Energy também fizeram parte do negócio que foi concretizado por um valor de 85 milhões de dólares. A transação inclui a força de trabalho, cervejarias e brewpubs relacionados as respectivas marcas. Com uma taxa de crescimento oscilante, muito diferente dos níveis meteóricos dos anos 1990/2000, o mercado de cervejas artesanais não parece ser um segmento tão interessante para grandes conglomerados, sendo uma categoria mais adequada ao interesse de empresas de uma menor magnitude.
          Enquanto a AB InBev acaba de vender uma parcela de suas marcas, a Constellation Brands, outra gigante do mercado norte-americano, saiu totalmente do segmento de artesanais vendendo as suas 4 marcas dentro do segmento. Mais recentemente a japonesa Sapporo anunciou que está se desfazendo da Anchor Brewing considerada a primeira cervejaria artesanal dos EUA. Mesmo com a venda a AB InBev ainda possui 12 cervejarias artesanais, com destaques como Goose Island e Elysian Brewing, mas parece não ter o mesmo interesse em manter um portfólio tão extenso com marcas que não apresentem um nível de crescimento almejado pela companhia.
          AB InBev vive também um momento de reorganização devido a queda acelerada em vendas de seu produto de maior volume, a Bud Light, o que levou recentemente ao anuncio de um corte de sua força de trabalho.
          Em 15 de dezembro de 2023, Marcel Telles doou ao filho, Max Herrmann Telles, sua participação na AB InBev, a maior cervejaria do mundo. O empresário doou as ações que detinha em uma entidade que exerce o controle da BRC, empresa por meio da qual Telles e os seus sócios Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira detêm participação indireta na AB InBev. A BRC possui 50% de uma organização que, por sua vez, detém 33,47% das ações da AB InBev, segundo o site da companhia.
(Fonte: revista Exame - 12.01.2000 / revista Carta Capital - 15.05.2002 / revista Forbes Brasil - 05.12.2003 / jornal Folha de S.Paulo - 28.03.2007 / revista Exame - 09.06.2013 / jornal Valor online - 16.09.2015 - jornais diversos - 13.10.2015 / jornal Valor online - 20.04.2016 / MSN Reuters - 29.09.2016 / revista Exame - 21.03.2018 / jornal Valor - 09.05.2018 / IstoÉDinheiro - 09.11.2018 / 28.02.2019 / MoneyTimes - 23.09.2020 / NSC Total - 09.10.2020 / Valor - 18.01.2021 / Folha de S.Paulo - 07.06.2021 / Catalisi - 11.08.2021 / Valor - 12.04.2022 / Catalisi - 15.06.2023 / 08.08.2023 / Estadão - 27.12.2023 - partes)

Antarctica

          Louis Bücher, de uma família de cervejeiros de Wiesbaden, Alemanha, chega a São Paulo em 1868 e abre uma pequena cervejaria, na qual emprega arroz, milho e outros cereais, em vez de cevada. Em 1882 associa-se a Joaquim Salles, proprietário de um abatedouro de suínos, localizado no atual bairro da Água Branca, estabelecimento que tinha o nome de "Antarctica". Salles possuía uma "máquina de fazer gelo" em seu abatedouro, com capacidade ociosa. Procurando uma nova serventia para sua "máquina", associou-se a Bücher, cervejeiro, que necessitava de gelo.
          Criou-se assim em 1885 (alguns consideram 1888, o ano da criação) na Água Branca, a primeira fábrica de cerveja do país, com tecnologia apropriada para a cerveja de baixa fermentação, a "Antarctica Paulista — Fábrica de Gelo e Cervejaria", dirigida por Louis Bücher. A produção inicial da nova cervejaria foi muito pequena, de 1000 a 1500 litros diários, logo aumentados para seis mil. Em 12 de fevereiro de 1891 a empresa passou a chamar-se Companhia Antarctica Paulista, agora uma sociedade anônima.
          Sobre o nome Antarctica, é interessante citar que o primeiro logo feito para reproduzir a decantada cerveja, trazia dois ursos brancos polares sobre um campo de gelo, supostos habitantes do continente antártico, a Antártica (na marca, grafada como Antarctica). Mas por não haver ursos no pólo sul, o símbolo logo mudou para os dois pinguins sobre um campo de gelo, que prevalece até hoje.
          A empresa tinha 61 acionistas e 2245 contos de réis de capital inicial. Entre os acionistas estavam João Carlos Antonio Zerrener, alemão, e Adam Ditrik (Dietrik?) von Bülow, dinamarquês, ambos naturalizados brasileiros e proprietários da empresa Zerrener, Bülow e Cia., de Santos, importadores, exportadores e corretores de café. Ambos desempenharam um papel fundamental na modernização da empresa, fornecendo equipamentos importados da Alemanha e colocando à disposição da nova sociedade 860 contos de réis de seu próprio capital.
          Em 1893 a desvalorização da moeda brasileira deixou a firma em situação de insolvência. Foi quando Zerrener e von Bülow assumiram o controle da empresa e os acionistas decidiram por unanimidade reduzir o capital para 1710 contos de réis e o crédito concedido pela firma Zerrener e Bülow foi transformado em ações, tornando ambos majoritários da empresa cervejeira.
          Os problemas financeiros não duraram muito. Em 1899 o capital da empresa passou a 3500 contos de réis, empregava trezentos funcionários, produzia 50 mil hl anuais de cerveja e cinquenta toneladas de gelo por dia.
          Seis anos depois (1905), a Antarctica comprou sua maior concorrente em São Paulo, a Cervejaria Bavária, de Henrique Stupakoff, por 3700 contos de réis, quando seu capital já era de 8500 contos. Nessa época a Antarctica Paulista estabeleceu um acordo com a maior cervejaria carioca, a Companhia Cervejaria Brahma, regulando os preços e os volumes de venda em todo território nacional. Foi o primeiro cartel da cerveja no país, e não seria o último.
         Em 1902 o capital da empresa era de dez mil contos, pagando altos dividendos aos acionistas — de apenas 3% em 1891, de 6 a 20% de 1898 a 1901, estabilizando-se em 10% em 1906. A segunda unidade fabril da Antarctica foi aberta no bairro da Mooca em 1904, para onde mais tarde foi transferida a sua sede. A produção de água mineral iniciou-se em 1909 e dois anos depois construiu-se uma sede em Ribeirão Preto. No início dos anos 1920, com um capital de 12750 contos de réis a produção era de 250 mil hl anuais.
          Sob o comando de Zerrener, a Antarctica sempre cultivou como virtudes a obediência a normas internas e a condenação ao personalismo. Esse estilo foi reforçado no final da década de 1930, quando, com a morte de Zerrener, uma fundação criada por ele assumiu o controle acionário da Antarctica. Batizada de Antônio e Helena Zerrener, a fundação possuía, em meados de  1995, 87,7% do capital total da empresa.
          Em 1920 a Antarctica mudou-se da Água Branca para a Mooca, na Avenida Presidente Wilson, para as antigas instalações da Cervejaria Bavária, onde está até hoje. Uma das razões da mudança talvez tenha sido a proximidade das fábricas de sabão das Indústrias Matarazzo, que empestavam o ar de toda região. Foi também nessa época, em 1921, que a Antarctica vendeu ao então "Palestra Itália", hoje Palmeiras, o terreno onde está o clube (razão do nome "Parque Antarctica"), por preço e prazo "de égua"... Uma das cláusulas da transação era um "contrato perpétuo" de venda dos produtos da companhia.
          Adam von Bülow e Zerrener trabalharam quase três décadas juntos até 1923, quando Adam morreu. Foi aí que Carl Adolph Von Bülow, filho de Adam, assumiu a empresa, mas as ações do pai foram divididas com os outros cinco irmãos. Mais tarde, com a morte de Zerrener, criou-se a Fundação Antonio e Helena Zerrener para administrar os bens deixados a parentes da Alemanha. As irmãs de Carl Adolph aproveitaram para vender suas ações à fundação, que passou a controlar a empresa. A família von Bülow, antes com metade do controle da cervejaria, ficou com pouco menos de 30%, em 1936. A participação acionária do núcleo familiar foi diminuindo até a fusão da Antarctica com a Brahma em 1999, quando foi criada a Ambev.
          A partir de 1930 tanto a Antarctica como a Brahma passaram a eliminar quase todos os concorrentes, processo na realidade iniciado em 1904 e mantido também com relação à importação das cervejas estrangeiras, graças a pressões, influências e poder das duas empresas sobre as autoridades responsáveis pela política alfandegária.
          Com essa atitude a cerveja nacional era um produto caro para o consumidor comum. O salário diário de um serralheiro em 1919 correspondia a seis a oito garrafas de cerveja. O de um operário têxtil, de quatro a dez garrafas e o de uma faxineira somente duas e meia garrafas de cerveja Antarctica. Contavam que, na década de 1920, em Lins, no interior paulista, uma cerveja custava duzentos réis. Se gelada, trezentos.
          Em anúncio veiculado no dia 23 de setembro de 1939 na revista O Cruzeiro, e outro no diário Folha de Santos, em 26 de junho de 1930, a Antarctica promovia sua linha bock de bebidas com um anúncio que mostrava que seu consumo era adequado para os dias frios: Tip-Top, a saborosa cerveja de inverno da Antarctica. Em 14 de junho de 1907, a Companhia Antarctica Paulista registrara a cerveja Tip Top sob o nº 881 da Junta Comercial do Estado de São Paulo.
          Em 1960, a Antarctica compra a cervejaria Bohemia, localizada em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro.
          Em 1990, a Antarctica perde o primeiro lugar no mercado de cervejas para a sua rival Brahma. E, se até ali Antarctica e Brahma só "distribuíam" toda a sua produção, a situação mudara sensivelmente. A Brahma fora comprada pelo Garantia e logo, uma profunda reforma transformou-a, rapidamente, numa empresa moderna, agressiva em seu marketing e ferozmente determinada a competir. O problemas (para a Antarctica) não pararam aí. Com menos dinheiro no bolso, os consumidores procuraram as marcas mais baratas. Garrafas com rótulos da Kaiser, que irrompeu no mercado com o poder de fogo da Coca-Cola, da Skol, braço da própria Brahma, e da atrevida Schincariol começaram a circular com mais frequência na mesa dos bares.
          Poucos anos depois, em meados de 1995, a Antarctica esteve perto de reconquistar o primeiro lugar. No período outubro/novembro de 1994, a empresa tinha 30,4% do mercado nacional de cervejas, contra 27,8% no bimestre anterior. No mesmo período, a Brahma caiu caiu de 33,9% para 31,9%. Nos três anos anteriores, a Antarctica promoveu uma série de mudanças, com o objetivo indisfarçável de reconquistar o primeiro lugar. Foi a mais profunda e radical revolução de sua longa história. Todos os valores foram questionados. Alguns abandonados, outros reforçados. "", disse Victório Carlos De Marchi, um dos membros do conselho de administração da Antarctica.
          De Marchi tem uma longa história de relação com a empresa: seu pai era sócio, desde 1967, de uma distribuidora de bebidas em São Paulo. Na Antarctica, isso era fundamental. De Marchi jogou todo o seu prestígio nas mudanças da empresa. Entregou grande parte da tarefa para alguns de seus discípulos, como Paulo Pereira, o diretor de marketing. Pereira foi um dos desenhistas do Projeto Excelência 2.000. A seu lado, estavam dois gerentes da Antarctica e sete consultores da Andersen Consulting, em trabalho que foi iniciado em maio de 1993.
          No seu processo de mudança, a Antarctica já podia contar com realizações significativas. Eis algumas delas: o número de empresas do grupo Antarctica estava sendo reduzido de 22 para apenas oito; entre 1990 e 1994, o quadro de funcionários passou por um forte enxugamento. Eram 22.500, diminuiu para 16.500; diminuiu a idade e tempo de casa de seus 200 principais executivos na área industrial. O mesmo aconteceu na diretoria de marketing; a rede de distribuição também foi invadida pelo novo espírito. As cerca de 900 revendas passaram a profissionalizar suas estruturas e modernizando-se.
          Os primeiros passos da grande virada da Antarctica começaram a ser dados em 1990, com a contratação de duas agências de publicidade agressivas e renovadoras, a DM9 e a W/Brasil. para substituir a Progres. Na mídia, passou a patrocinar eletrizantes campanhas publicitárias povoadas por gente como Madonna, Ray Charles e até Kim Basinger, ou esquentadas pelo som e pelo ritmo de Daniela Mercury e Jorge Benjor. Saíram Sargentelli e suas mulatas e os dois sujeitos que diziam "viemos aqui para beber ou para conversar?". O guaraná, dono de 21% do mercado de refrigerantes do país, tinha como slogan "Puro e natural". Um novo slogan foi criado: "Esse é o sabor".
          A Antarctica Bock foi lançada em 1994, pegando carona no sucesso da Kaiser Bock, não foi tão bem recebida, e durou apenas alguns anos no mercado. 
          Em março de 1999, a cervejaria americana Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, estaria aumentando sua participação na Antarctica Empreendimentos de 5% para 10% em mais cerca de 70 milhões de dólares somados aos 50 milhões de dólares referentes aos primeiros 5% da Antarctica. O prazo para finalização do negócios seria até setembro. Já em meados de 1993, a associação, cujas negociações se arrastavam há mais de um ano, quase foi levada a cabo.
          Em julho de 1999 a Antarctica une-se à Brahma, formando a Ambev - American Beverege Company (vide origem das marcas AmBev InBev AB Inbev neste blog). Na bagagem, a Antarctica levou uma série de marcas: Antarctica, Serramalte, Bohemia, Bavária, Kronenbier, Caracu, Malzbier, Original e Polar.
          A partir do mês de março de 2018, as latas e garrafas da marca lançada em 1885 ganharam um design que resgata sua história, revigora os icônicos pinguins e se inspira nos símbolos do samba carioca para modernizar sua identidade visual. Uma das principais mudanças está nos pinguins que acompanham a marca desde sua fundação. Eles receberam tratamento especial e ficaram mais vistosos e emblemáticos. A “faixa azul” que acompanhou os rótulos de Antarctica ao longo de todo o século XX também está de volta, assim como brasão de cevada, ausente nas últimas versões dos rótulos. Por certo tempo, “Faixa Azul” foi sinônimo de Antarctica. Por isso, nada mais óbvio do que tê-la de volta modernizada, mas resgatando essa tradição.
          No início de 2024, proposta da prefeitura de São Paulo prevê o restauro de três imóveis industriais históricos (e tombados) da Mooca, transformando-os em equipamentos públicos, com uso a ser definido. A lista abrange a antiga fábrica da Companhia Antarctica, na Presidente Wilson, a Tecelagem Labor, na Rua da Mooca, e as Oficinas Casas Vanorden, na Borges de Figueiredo.
(Fonte: livro Os Primórdios da Cerveja no Brasil - Sérgio de Paula Santos - texto de Edgard Köb / vidavibrante.com / Dalmir Reis Jr (Propagandas Históricas) / revista Exame - 26.08.1995 / 10.12.2003 / São Paulo Antiga - 02.07.2009 / Veja SP - 22.06.2017 / Grande Nomes da Propaganda - 28.03.2018 / Estadão 12.01.2024 - partes)
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6 de out. de 2011

Cerveja Kaiser

          A origem da cervejaria Kaiser é uma história de autodefesa que tem por trás um pacato empresário mineiro, apreciador de bons vinhos, cigarrilhas holandesas e charutos cubanos. Luiz Otávio Pôssas Gonçalves, um advogado de Belo Horizonte, jamais pensou em ser dono de uma grande cervejaria. Tampouco sonhou em, um dia, incomodar as gigantes da época, Brahma e Antarctica, quando criou a Kaiser, em 1982, em Divinópolis, a 124 quilômetros de Belo Horizonte. Ele queria apenas evitar que seus negócios naufragassem.
          Dono de uma fábrica da Coca-Cola, Gonçalves vinha perdendo mercado para os refrigerantes da Brahma e da Antarctica, que usavam e abusavam da venda casada. Gonçalves resolveu desempatar o jogo e passou a fabricar cerveja. A primeira investida nesse sentido foi tentar comprar uma pequena fábrica mineira, a cervejaria Alterosa. A Antarctica percebeu a manobra e foi mais rápida: ofereceu 30% a mais pela empresa e obrigou Gonçalves a recuar.
          O desespero já batia à porta quando Gonçalves resolveu arriscar todo o capital que acumulara na construção de uma cervejaria. Detalhe: ele nada entendia de cerveja. Valeu-lhe sua boa estrela. Por acaso conheceu nessa época Manuel Barros, um português que fugira da revolução angolana e vivia em Manaus. Cervejeiro de profissão, Barros montara no passado várias fábricas para a Heineken holandesa. Contratado por Gonçalves, Barros projetou os equipamentos e em nove meses a Kaiser colocou sua primeira garrafa no mercado.
          Para chegar à receita ideal, entretanto, a empresa jogou 700.000 litros de cerveja no ralo. Apesar do desperdício inicial, a Kaiser logo mostrou que veio para ficar. A fábrica de Divinópolis era mais eficiente que as das centenárias cervejarias brasileiras. Ela usa um processo de maturação e fermentação em tanques fechados, sem interferência ambiental.
          Gonçalves estava acostumado a conquistar o mercado a unha. Começou cedo no mundo dos negócios e aprendeu a duras penas que para crescer é preciso garra. Aos 17 anos desistiu de estudar, por total incompatibilidade com a vida escolar.
          A união da Kaiser com a Coca-Cola foi um sucesso que se espraiou para o resto do país. Em poucos anos, dez fabricantes da Coca-Cola eram sócios da Kaiser. A própria Coca-Cola Internacional passou a deter 10% da cervejaria.
          A holandesa Heineken também entrou na parceria e passou a ser o maior acionista individual da Kaiser, com 12,2% do capital. No início da década de 1990, a Heineken fez acordo com a Kaiser para a fabricação da cerveja no Brasil. Além de fabricar, a cervejaria brasileira era responsável também pela distribuição da Heineken.
          Em maio de 1992, sob a coordenação da executiva Susy Blumberg, a Kaiser colocou na praça a Bock, cerveja de inverno com a qual a Kaiser pretendia incomodar a Antarctica e a Brahma. As vendas da Bock foram quatro vezes maior do que o estimado. Um mês depois de lançada, a cerveja sumiu das ruas, por falta de insumos. Foi a primeira bock do mercado brasileiro, cerveja de forte teor alcoólico e associada ao clima frio, por isso sua produção é sazonal. Foi considerada a melhor bock do mercado nacional, mas sua fabricação é inconstante. Desde 2012 deixou de ser fabricada com regularidade.
          A Kaiser logo atingiu participação no mercado de cerveja de 11,6%, em 1993. Em julho daquele ano bateu em 12,9% segundo o Instituto Nielsen. Na Grande São Paulo chegou a 22,3%. No final de 1993, as cervejas saíam de seis fábricas: duas em São Paulo e uma nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia.
          E a vingança veio a cavalo. Se Gonçalves criou a Kaiser para ter cerveja para poder fornecer junto com a Coca Cola para não ser trucidado por fornecedores da Brahma e Antarctica, que segundo ele usavam e abusavam a venda casada, agora era a Coca Cola que, fortalecida com seu refrigerante, e usando sua força, fazia com que em shopping centers inteiros a única cerveja que podia ser encontrada era a Kaiser.
          Por volta de 1993, a Kaiser vinha roubando fatias do mercado da Brahma e da Antarctica. Nos primeiros meses daquele ano, o grupo cervejeiro argentino Quilmes, que também engarrafava a cerveja holandesa Heineken, então dona no Brasil de 12,2% do capital da Kaiser, teria feito uma oferta pela cervejaria brasileira. O valor oferecido, segundo estimativas do setor, beirou os 300 milhões de dólares. Não levou. Ao contrário, os acionistas da Kaiser seguiam investindo na empresa e se preparavam para o lançamento de outra marca: Kaiser Böck, cerveja encorpada para ser consumida no inverno.
          No início de setembro de 1994, a Heineken aumentou sua participação de 12,2% na Kaiser, para 15%. A ampliação da fatia seria uma forma de tornar mais palatável, à empresa holandesa, a anunciada associação entre a Kaiser e a Miller, dos Estados Unidos. Em parceria, o trio se preparava para combater a entrada no Brasil da Budweiser, que estava finalizando uma joint venture com a Antarctica.
          Em meados de 2000, a Kaiser colocou-se à venda, mas transcorreu mais de um ano sem ela ter conseguido convencer algum comprador estrangeiro de que valia o que pedia. Diante disso, a empresa teria partido para uma nova estratégia: valorizar seu passe. Um movimento nesse sentido foi a compra da marca de cerveja preta Xingu. Por volta de agosto de 2001, a Kaiser estaria de olho na Schincariol, então terceira maior empresa do setor no Brasil. Com um portfólio de produtos mais abrangente e uma rede de distribuição independente da Coca-Cola, sua acionista com 10% de participação, a empresa - que negava qualquer pretensão expansionista - poderia se tornar mais atraente para eventuais compradores estrangeiros,  entre eles, a Anheuser-Busch, a South African Breweries (SAB), e a holandesa Heineken, que já detinha 14% da cervejaria.
          A partir de fevereiro de 2002, na tentativa de conquistar o consumidor carioca, a Kaiser passou a comercializar a cerveja escura Xingu no Rio de Janeiro. Até então, a participação da Kaiser naquele mercado era pra lá de modesta: meros 3% com a marca Santa Cerva.
          Em março de 2002 a canadense Molson Coors desembolsa 765 milhões de dólares pela Kaiser. Em 2000, os canadenses já haviam desembolsado 98 milhões de dólares para ficar com a Bavária e mais cinco fábricas desmembradas da Ambev. De imediato, a compra da Kaiser livrou a Molson de uma intimidade incômoda. A Bavária, até então, dependia da distribuição da AmBev, uma obrigação imposta pelo Cade (a Ambev era obrigada a distribuir, e a Molson/Bavária não tinha outra opção). Com os negócios, as marcas locais da Molson passaram a deter quase 18% do mercado brasileiro. A compra da Kaiser pela Molson foi o primeiro lance da disputa com a Ambev pelo mercado das Américas.
          Em maio de 2003, os canadenses acabaram de fazer uma avaliação de suas 29 distribuidoras no Brasil, todas engarrafadoras da Coca-Cola. Dali para a frente, a Kaiser premiaria as de bons resultados e aplicaria corretivos nas ruins que se concentravam no Nordeste e no Rio de Janeiro. A marca chegava a cerca de 450.000 pontos-de-venda, quase 10% menos que em 2002. Uma possibilidade era a própria Kaiser assumir a venda de cervejas diretamente para bares e restaurantes. No Canadá, a Molson distribui sua cerveja e também a de outras marcas, como a holandesa Heineken.
          Sob o guarda-chuva da Molson, porém, a Kaiser foi perdendo mercado consistentemente. Na gestão dos canadenses, a empresa perdeu quase 10 pontos percentuais em sua participação de mercado. Passou, segundo a ACNielsen, sua fatia a apenas 8,1% no início de 2006. Isso fez com que a Kaiser, comprada por 765 milhões de dólares em 2002, fosse vendida à mexicana Femsa, dona da marca Sol, em janeiro de 2006, por um valor bem inferior, 68 milhões de dólares.
          Para a Molson Coors, a passagem pela cervejaria brasileira deixou de ser a promessa de expansão num mercado em que a presença global faz cada vez mais diferença, para transformar-se numa tragédia financeira.
          Assim que os mexicanos da Femsa, capitaneados pelo executivo José Antonio Fernández ("El Diablo"), assumiram a empresa, promoveram um forte programa de corte de custos, reposicionando as marcas (Kaiser, Bavaria e Xingu) e implementando um inédito conservadorismo na administração da companhia. Tudo isto tinha um só objetivo: levar a Kaiser de volta ao caminho do lucro.
          Logo após a aquisição, Fernández despachou 15 executivos de sua confiança para uma imersão na sede da Kaiser em São Paulo. Com a chegada do time, instalou-se um previsível clima de intranquilidade nos escritórios da empresa - período que foi batizado por alguns funcionários de "efeito tequila". Imediatamente, diretores que ocupavam postos-chave foram remanejados ou deixaram a empresa para abrir espaço para os executivos mexicanos. O então presidente, Fernando Tigre, contratado pela Molson para iniciar um processo de reestruturação em 2004, teve sua saída anunciada em março e deixou a empresa em 17 de abril (2006). Em seu lugar, assumiu o presidente da Femsa na Argentina, Miguel Ángel Peirano, um dos principais colaboradores de El Diablo.
          A Femsa imprimiu uma rígida hierarquia em que todas as decisões são precedidas de uma consulta a Monterrey, no México, onde fica a sede mundial da Femsa. Com faturamento total de 10 bilhões de dólares em 2005, a Femsa era a maior empresa de bebidas do México. Antes da chegada da Molson, vendas e distribuição eram feitas pela equipe da Coca-Cola, sua antiga controladora. A Molson decidiu criar uma equipe própria, com 1.200 vendedores espalhados pelo país. Os resultados não vieram. E a estrutura montada custou à Kaiser 100 milhões de reais por ano. Com a Femsa, toda a venda volta a ser feita pela equipe da Coca-Cola - um processo que já havia sido iniciado por Tigre.
          Como novo fator complicador, uma concorrente novata, a agressiva cervejaria Petrópolis, incomodava cada vez mais. Com as cervejas Itaipava, Crystal e Petra, a Petrópolis já detinha (em abril de 2006), 6% do mercado - marca atingida, sobretudo, graças à fragilidade da Kaiser.
          Em outubro de 2006, os mexicanos lançaram por aqui a cerveja Sol, para fazer par com a Kaiser, com fórmula diferente da mexicana, lançada em 1899. A Femsa pretendia recuperar o mercado perdido pelas marcas Kaiser e Bavaria, que então não passavam de 7,8%. Foi uma grande decepção para a Femsa. Apesar dos mais de 300 milhões de reais investidos em seu lançamento, a Sol nunca chegou a ter nem sequer 1 ponto percentual de participação nas vendas - em grande medida porque a bebida não caiu no gosto do consumidor e era difícil encontrá-la em bares e restaurantes.
          Por volta de outubro de 2007, a Femsa encontrou o culpado por seu fraco desempenho nos últimos tempos: a empresa de pesquisas Nielsen, que mede o mercado de cervejas no país. Os mexicanos perderam a paciência e romperam o contrato após meses de negociação tentando convencer a Nielsen a ampliar a cobertura dos pontos de pesquisa. Segundo a Femsa, em 2004 os pontos-de-venda cobertos pela Nielsen representavam 87% do volume de cerveja. Em 2007, não chegavam a 60%. Essa queda aumentaria em muito a margem de erro.
          No início de 2010, a Heineken comprou os negócios da Femsa. A Kaiser, agora pertence 100% aos holandeses. A Kaiser, assim como a Bavaria, Xingu e Sol, passou a ser fabricada pela Heineken Brasil.
(Fonte: revista Exame - 31.03.1993 / 12.05.1993 /  20.07.1994 / 14.09.1994 / 05.09.2001 / 23.01.2002 / 03.04.2002 / 11.06.2003 / 26.04.2006 / 08.11.2006 / 07.11.2007 / 10.03.2010 / 15.12.2010 / Veja SP - 22.06.2017 / site Rebolinho- partes)

30 de out. de 2011

Bar Brahma

           O Bar Brahma, que leva o nome da marca da cerveja e chope ali servidos, fica no centro da capital paulista, na mítica esquina da avenida Ipiranga com a São João. O longevo bar, fundado em janeiro de 1948,  tinha, e tem, clientes famosos. Um que tinha mesa cativa era Adoniran Barbosa.
           O bar ultrapassou as fronteiras da botecagem e atingiu o status de ponto turístico paulistano ao longo das últimas décadas. A tradicional casa fez fama em tempos recentes por receber concorridos shows de Cauby Peixoto, morto em 2016. Ocorreram ali 600 apresentações de Cauby.
           No visual, o bar mescla toques de boteco chique com resquícios de arquitetura industrial. Recentemente (início de 2017) o lugar sofreu reformulações no menu com a consultoria de Marcelo Corrêa Bastos, do restaurante Jiquitaia.
           Uma reforma que custou 1,5 milhão de reais foi finalizada em meados de 2017. Incluiu novidades como uma choperia ligada a uma câmara fria com capacidade para 4.000 litros de cerveja, um lustre com 72 garrafas e um novo palco ornamentado por 600 caldeiretas.
          O Hotel Marabá, que fica próximo ao bar, se intitula como "Hotel Oficial do Bar Brahma". Inaugurado em 1944, o Hotel Marabá marcou o início de uma São Paulo em expansão para se tornar o polo artístico e econômico da América Latina.
           A Bar Brahma apresenta alguns números vistosos: 3.000 chopes são consumidos por dia; 1.440 shows são realizados por ano; 25.000 clientes frequentam o local por mês.  
(Fonte: revista Veja São Paulo - 05.04.2017 / 23.08.2017 / site Hotel Marabá - partes)

6 de out. de 2011

Cervejaria Schincariol

          A Schincariol foi fundada em 1939 pela família Schincariol em Itu, interior de São Paulo. Foi criada como uma fábrica de refrigerantes e durante décadas a Schincariol dependeu basicamente de sua tubaína. Primo Schincariol, no quintal de sua casa, começou com o refrigerante Itubaína. Depois, produziu também licor de cacau, groselha, vinho quinado (vinho de baixo teor alcoólico) e anisete (licor sabor anis). Depois lançou a marca de refrigerantes Skinka.
          Em 1989, começou a produzir cerveja aproveitando uma oportunidade: os fabricantes tradicionais não davam conta de atender a demanda de verão. O crescimento rápido, conseguido praticamente sem divulgação, chamou a atenção. Concorrentes ajudaram a alimentar a suspeita de que a cerveja Schincariol era mais barata devido à sonegação de impostos.
          Em 1994, em função de uma agressiva política de preços, que fazia com que seus produtos chegassem de 20% a 30% mais baratos aos consumidores, a empresa já detinha 5% do mercado nacional. No Rio de Janeiro, berço da Brahma, sua participação chegava a quase 12%. Flexibilidade gerencial dos pequenos num ramo dominado por gigantes com a Brahma e a Antarctica, marketing agressivo, tirocínio comercial? Pode ser, mas logo se viu de onde vinha a principal vantagem competitiva da Schincariol. No fim de 1994, a empresa foi acusada pela Receita Federal e pela Secretaria da Fazenda de São Paulo de não pagar impostos sobre mais da metade de suas vendas, o que permitiria jogar os preços para baixo. Na Schincariol, a carga tributária representava menos de 11% das vendas brutas. Em concorrentes como a Skol e Brahma, ultrapassava os 50%. No final de novembro de 1994, a empresa contratou o advogado paulista Sérgio Marques da Cruz, com o objetivo de identificar e acionar na Justiça os responsáveis pelas denúncias publicadas na imprensa dando conta de que a Schincariol só conseguia cutucar os gigantes do setor graças a um engenhoso esquema de sonegação fiscal. "Empresa também tem honra", disse Marques da Cruz.
          No decorrer das primeiras décadas de existência a empresa manteve essencialmente uma cultura voltada para a produção. Em 2003, a companhia aposta pela primeira vez na construção de uma marca. A transformação foi impulsionada pelo lançamento da cerveja Nova Schin, que chegou ao mercado em setembro de 2003 (Quem não se lembra do refrão: experimenta!!! experimenta!!! ?).
          A criação da nova fórmula ficou sob coordenação do gaúcho Ruben Froemming, ex-Ambev, então com 53 anos e desde 1999 como gerente industrial da Schincariol. Froemming, mestre-cervejeiro formado na Universidade de Munique, na Alemanha, baseou-se em pesquisa de mercado "para elaborar a fórmula de acordo com o que o consumidor gosta".
          Duas semanas antes do lançamento da nova cerveja, porém, a empresa passa por uma situação traumática e imprevista. O empresário José Nelson Schincariol, então presidente da empresa, é assassinado em 15 de agosto de 2003, ao entrar com seu Audi A-6 na garagem de casa em Itu. A Schincariol contava com seis fábricas espalhadas pelo país e 6.200 funcionários. Sem presidente, a gestão da empresa ficou provisoriamente a cargo de um colegiado, constituído pelos dez diretores que se reportavam a Nelson. Entre eles estavam seus filhos Alexandre e Adriano, seu irmão, Gilberto, e seus sobrinhos Gilberto Júnior e José Augusto.
          Nelson esteve presente na empresa durante quase cinco décadas. Ele começou a trabalhar aos 13 anos limpando rótulos de garrafa para o pai, o imigrante italiano Primo Schincariol, e morreu aos 60 anos. Na Toca do Tatu, uma espécie de refúgio implantado no meio da área de produção, onde gostava de passar horas tomando cerveja e petiscando com amigos e convidados, é possível ver uma das raras fotos de Nelson, tirada em comemoração interna.
          Nelson mal havia começado a preparar a sucessão. O filho Adriano, então com 26 anos e diretor de marketing da Schincariol era cotado como possível sucessor. Formado em administração numa faculdade de Itu, fez o curso à noite e trabalhava durante o dia na Schincariol. Começou no departamento de compras, aos 17 anos, e passou por estágios em todas as áreas.
          A Schincariol comprou as marcas de cerveja Devassa (em 2007, então uma pequena cervejaria artesanal carioca), Baden Baden, Eisenbahn e Cintra.
          Em 2007, Adriano Schincariol, com a ajuda da consultoria Egon Zehnder, contratou, em pouco mais de um ano, cerca de 30 executivos de mercado para ocupar os principais postos na administração da empresa, num processo de profissionalização amplo e meteórico.
          Em 2009, menos de dois anos depois, porém, a estrutura começou a ser desmontada com a saída do então presidente Fernando Terni e, em seguida, de outros cinco diretores.
          Em projeto iniciado em 2009, uma campanha de lançamento personificada pela dublê de apresentadora e festeira profissional Paris Hilton, no Carnaval de 2010, fez a Devassa Bem Loura invadir os sambódromos do Rio de Janeiro e de São Paulo e, pelo menos nessas praças e durante o período de folia nacional, conseguiu fazer mais barulho que a rival. Nem a contratação às pressas da popstar Madonna, pela Ambev, fez o tradicional camarote da Brahma atrair mais atenções do que o da Devassa com sua polêmica loira.
          Porém, mesmo com o lançamento da Devassa Bem Loura, a Schincariol não conseguiu ganhar participação. Com o lançamento, a empresa esperava ganhar 1,5% do mercado nacional em 2010, o que renderia 150 milhões de reais em vendas. Segundo a Euromonitor, a nova marca fechou o ano com uma fatia ao redor de 0,2%.
          No final de julho de 2010, Johnny Wei, vice-presidente comercial e um dos poucos remanescentes da fase de profissionalização, foi demitido. Gilberto Schincariol Júnior, de 27 anos de idade, vice-presidente de operações e primo de Adriano, assumiu o cargo de Wei. Nos meses seguintes, outros oito diretores também foram desligados e quatro desses cargos foram extintos. No final de setembro, 150 funcionários - de gerentes a analistas - foram demitidos numa só tacada.
          Embora o discurso de Adriano fosse de que os cortes visavam simplificar a estrutura da Schincariol, tudo levava a crer que a mudança representava um esforço para cortar custos num momento em que os resultados estavam aquém do esperado. Mesmo com crescimento nas vendas em reais, a concorrência cresceu mais e de 2008 para 2009, a participação no volume no mercado de cervejas caiu de 13,2% para 11,8%, segundo dados da Nielsen. E em 2010, o ano da Devassa Bem Loura, deslizou para 9,8%.
          No início de novembro de 2011, os irmãos Gilberto, José Augusto e Daniela Schincariol venderam os 49,55% de participação que tinham na empresa para a japonesa Kirin Holdings Company por 2,35 bilhões de reais. Em 2012, a Schincariol passou a se chamar Brasil Kirin.
          No momento da venda para a Kirin, o portfólio de cervejas da Schincariol era formado por: Schin, Devassa, No Grau, Baden Baden, Eisenbahn, Cintra e Glacial. Fabricava também refrigerantes, sucos, energéticos e águas das marcas Schin, Fibz, ECCO, Itubaína, Skinka e Viva Schin.
          Em agosto de 2015 a Brasil Kirin cria a marca Viva Schin, em substituição à até então utilizada Schin Refri.
          Em fevereiro de 2017, a holandesa Heineken adquiriu a Brasil Kirin por US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 3,5 bilhões). Os produtos que eram originalmente da Schincariol mudaram de mãos novamente.
(Fonte: revista Exame - 07.12.1994 / 06.11.1996 / 15.08.2003 / 15.10.2003 / 10.03.2010 / 15.12.2010 / 16.11.2011 / Promak - 12.08.2015 / UOL - 29.08.2017 - partes)

Cerveja Bavaria

          Em 1905, a Cia Antarctica Paulista comprou sua maior concorrente em São Paulo, a Cervejaria Bavaria, de Henrique Stupakoff, por 3700 contos de réis, quando seu capital já era de 8500 contos. Nessa época a Antarctica Paulista estabeleceu um acordo com a maior cervejaria carioca, a Companhia Cervejaria Brahma, regulando os preços e os volumes de venda em todo território nacional. Foi o primeiro cartel da cerveja no país, e não seria o último.
          Em 1920 a Antarctica mudou-se da Água Branca para a Mooca, na Avenida Presidente Wilson, para as antigas instalações da Cervejaria Bavaria, onde está até hoje. Uma das razões da mudança talvez tenha sido a proximidade das fábricas de sabão das Indústrias Matarazzo, que empestavam o ar de toda região (da Água Branca).
          Ao apresentar a Ambev, em julho de 1999, a Antarctica, de 3,3 bilhões de reais de faturamento, e a Brahma, de 7 bilhões de reais, lançaram o Brasil de forma espetacular na era das megafusões. Com 16.500 funcionários, 50 fábricas e produzindo 8,9 bilhões de litros de bebida por ano, a AmBev passou a ser a quinta maior empresa de bebidas e a terceira maior cervejaria do mercado - no mundo. A marca Bavaria estava, naturalmente, acompanhando o vasto portfólio de marcas de cerveja da Antarctica para a nova empresa, a Ambev.
          No dia 11 de novembro de 1999, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, finalmente divulgou o parecer sobre a fusão da AmBev. E o alvoroço foi enorme. A AmBev tinha discursos prontos para cinco decisões diferentes da secretaria, entre elas até um parecer totalmente contrário à fusão. Não passou pela cabeça de ninguém que a Seae pudesse falar na venda de uma marca inteira, com todos os seus ativos. Mas foi o que aconteceu. A sugestão recaiu sobre a Skol. A explicação é que a Skol só tem cervejas, enquanto a Brahma e Antarctica trabalham também com refrigerantes, águas e outras bebidas. Não teria lógica mandar a AmBev se desfazer da cerveja Antarctica e continuar com o guaraná Antarctica. Lógica é o que mais faltou à Seae na opinião da AmBev. "Se vendermos a Skol, será a primeira vez em que as companhias ficam menores depois de uma fusão", disse Marcel Herrmann Telles. A decisão do Cade ainda estava por vir.
          Em 2000, por imposição do Cade, a Ambev teve que vender a marca Bavaria. Então com 4,5% do mercado, a Bavaria passou para as mãos da canadense Molson, por US$ 98 milhões.
          Em março de 2002, a Molson desembolsa 800 milhões de dólares pela brasileira Kaiser (vide origem da marca Kaiser neste blog). De imediato, a compra da Kaiser livra a Molson de uma intimidade incômoda. A Bavaria, até então, dependia da distribuição da AmBev, uma obrigação imposta pelo Cade. Com os negócios, as marcas locais da Molson passaram a deter quase 18% do mercado brasileiro. A compra da Kaiser pela Molson foi o primeiro lance da disputa com a Ambev pelo mercado das Américas.
          Antes da aquisição da Kaiser, a Molson estava praticamente limitada ao seu país de origem. No Canadá, detinha 45% do mercado, o que lhe dava uma liderança apertada sobre a Interbrew. Além disso, a Molson tinha uma participação quase insignificante nos Estados Unidos. Sem condições de enfrentar diretamente a Anheuser-Busch, gritantemente maior, sua opção mais lógica seria arriscar no mercado brasileiro.
          Sob o guarda-chuva da Molson, porém, a Kaiser (que englobava a Bavaria) foi perdendo mercado consistentemente. Na gestão dos canadenses, a empresa perdeu quase 10 pontos percentuais em sua participação de mercado. Passou, segundo a ACNielsen, sua fatia a apenas 8,1% no início de 2006. Isso fez com que a Kaiser, comprada por 800 milhões de dólares em 2002, fosse vendida aos mexicanos da Femsa, por menos de 9% desse valor (68 milhões de dólares).
          Para a Molson Coors, a passagem pela cervejaria brasileira deixou de ser a promessa de expansão num mercado em que a presença global faz cada vez mais diferença, para transformar-se numa tragédia financeira.
          Assim que os mexicanos da Femsa, capitaneados pelo executivo José Antonio Fernández ("El Diablo"), assumiram a empresa, promoveram um forte programa de corte de custos, reposicionando as marcas (Kaiser, Bavaria e Xingu) e implementando um inédito conservadorismo na administração da companhia. Tudo isso tinha um só objetivo: levar a Kaiser de volta ao caminho do lucro.
          Desde o início de 2010, quando a Heineken comprou os negócios de cerveja da Femsa, a Kaiser, incluindo a Bavaria e Xingu, mais a marca Sol, lançada no Brasil em outubro de 2006, passaram a pertencer 100% aos holandeses e fabricadas pela Heineken Brasil.
          A Bavaria é produzida pela CKBR S.A., onde o K significa Kaiser, em Jacareí, interior de São Paulo.
(Fonte: revista Exame - 31.03.1993 / 03.04.2002 / 26.04.2006 - partes)

30 de out. de 2011

Banco Garantia

          O início da trajetória de Jorge Paulo Lemann no mercado financeiro não foi dos mais felizes. Ao retornar da Suíça, abriu, com amigos, uma financeira. Alguns anos depois, ela quebrou e acabou sendo absorvida por outro grupo. Lemann não desistiu. Montou, sempre com parceiros, a corretora Libra. Nessa época, entre 1967 e 1971, o esquivo Lemann mostrou um pouco sua cara: escrevia uma coluna semanal sobre o mercado de ações no Jornal do Brasil, com o título de "Nos Bastidores da Bolsa". Assinava L.P. Lemann.
          Com texto seco e direto, como é do seu estilo ao falar, fazia pequenas análises do mercado. Numa dessas colunas, em janeiro de 1971, fugindo da euforia que então tomava conta da Bolsa de Valores, alertava: "Achamos que 1971 será um ano de ganhos seletivos e não para se ganhar no geral". Meses depois, o mercado de ações registrava um desastre.
          Algumas divergências levaram Lemann e três companheiros - entre eles, Guilherme Arinos Franco, pai do ex-diretor do Banco Central, Gustavo Franco, e seu sócio por longa data - a vender suas partes na Libra. Eles partiram para um novo negócio em 1972. Lemann convidara Luiz Cezar Fernandes para montar a equipe e então compraram, com dinheiro emprestado, a patente da Corretora Garantia, embrião do banco. Foi então que Lemann, aos 33 anos, iniciou seu maior negócio. 
         O Banco de Investimento Garantia foi então criado no Rio de Janeiro, pelo trio de empreendedores Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira.
          O Garantia se transformou numa legenda, ou melhor, numa lenda. O estilo de gestão de Lemann, muito à frente do que se via no Brasil, foi imitado, admirado e invejado pelos concorrentes.
          Uma das primeiras grandes aquisições do banco aconteceu em 1981/1982, quando o Garantia assumiu a varejista Lojas Americanas.
          Em 1982, Fernandes deixa o Garantia em meio a desentendimentos com o sócio. Saiu com uma pequena bolada de US$ 10 milhões, suficiente para fundar um novo banco, o Pactual (hoje, BTG Pactual), em 1983, com outros três sócios.
          Em novembro de 1989, o Garantia compra a Brahma, a sétima cervejaria do mundo, então com sede no Rio de Janeiro. Foi a primeira grande operação de take-over feita no país. Pagou 90 milhões de dólares. Nove anos depois, em 1998, valia 3,5 bilhões.
          Em 1989, Sonia Villalobos, mestre em administração de empresas com especialização em finanças pela FGV São Paulo, assumiu a chefia de análise do banco, onde ficou até 1996.
          Em 1990, o Garantia transfere sua sede do Rio de Janeiro para São Paulo. Lemann gosta muito da cidade do RJ, onde nasceu, mas é um pragmático antes de tudo: em São Paulo estava a maioria de seus clientes. Não discutiu e transferiu a sede do Garantia.
          Com a Lojas Americanas, o investimento teve alguns percalços. Na época de inflação nas alturas, a Americanas foi considerada um modelo para o varejo brasileiro. Em 1998 (com inflação baixa, resultado do Plano Real), estava no vermelho.
          Em abril de 1992, a corretora Garantia passou por uma saia justa. Ela e a corretora Talarico teriam tentado manipular preços num dos pregões da Bolsa de Valores de São Paulo. A suspeita de manipulação era baseada na realização de operações casadas no mercado à vista e futuro. Teria havido a intenção de manipular preços. Os argumentos dos advogados de defesa foram refutados pelo relator do processo, o conselheiro da Bovespa, Luiz Masagão Ribeiro. Ribeiro opinou que a Garantia quis derrubar o índice Bovespa, que reflete o comportamento dos papéis mais negociados, com o objetivo de lucrar com a queda no mercado futuro, no qual apostava na baixa das cotações. Os operadores e os diretores das duas corretoras foram considerados culpados e suspensos por seis meses e um ano respectivamente, nos pregões. Os pareceres encomendados pelo grupo Garantia ao ex-ministro Mário Henrique Simonsen e ao ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não foram suficientes para livrar os funcionários da corretora e de sua parceira, a Talarico, das acusações. As corretoras recorreram ao xerife do mercado, a CVM.
          Em 1993, a Artex, uma das maiores empresas têxteis do país, é comprada pela GP. O investimento se mostrou frustrante. Na Artex, Lemann e seus sócios investiram mais de 150 milhões de dólares. Em outubro de 1998, seu preço de mercado era de 9 milhões de dólares.
          Em outubro de 1993, o Banco Garantia fechou as portas de sua empresa encarregada da aplicação de recursos de terceiros, a Gardi. Ela cuidava de dezesseis fundos de pensão, como os da Rhodia e da Autolatina, cujos patrimônios somados chegavam a 70 milhões de dólares. Além disso, a empresa administrava três fundos de investimento, que movimentavam 180 milhões de dólares. Os clientes se queixaram da rentabilidade. Os sócios do Garantia concluíram que o grupo não tinha vocação para a administração de recursos de terceiros e desistiram do negócio.
          Também em 1993, o Banco Garantia criou uma organização na área de fusões e aquisições, destinada ao trabalho de reunir investidores interessados na compra de empresas no país para viabilizar negócios.
          Lemann, um dos donos do grupo Garantia, sempre devotou uma dedicação quase religiosa à saúde. Todos os dias de manhã, entregava-se a prolongadas partidas de tênis. Pentacampeão brasileiro, Lemann tomava todos os cuidados para manter uma forma física invejável para seus então 54 anos de idade. Além de intensa atividade física, não fumava, não bebia e seguia uma dieta rigorosa, na qual não havia espaço pra qualquer tipo de gordura. Disciplinado, dormia e acordava cedo. Nos finais de semana, recolhia-se à sua casa em Angra dos Reis, longe dos negócios e da adrenalina que corria solta nos escritórios do Garantia. No início de junho de 1994, porém, Lemann foi parar na UTI, vítima de um enfarte do miocárdio. Depois de um período no hospital, o empresário foi para casa iniciar sua recuperação. Alguns dias depois, embarcou para Cleveland, nos Estados Unidos, para fazer uma bateria de exames.
          Em dezembro de 1995 o Garantia era o maior corretor de ações para clientes estrangeiros entre as corretoras nacionais e estrangeiras, bem como o maior negociador de papéis brasileiros no mercado de ADRs.
          Em 1996, o Garantia foi acusado de se beneficiar com boatos sobre uma possível maxidesvalorização do peso argentino. Os problemas do grupo começaram a vir à tona e a estratégia de diversificação do Garantia passa a ser questionada. Lemann já não é mais visto como o empresário invencível.
          Por volta de 1996, a GP comprou, com investidores internacionais, duas redes ferroviárias no Brasil, a Sul Atlântica e a Centro Atlântica. Adquiriu outras duas na Argentina. A ideia de Lemann, diziam alguns, era montar uma empresa gigantesca na área de transportes.
          Nos quase 30 anos que comandou o Garantia, Lemann mostrou ter uma capacidade excepcional para enxergar e reproduzir modelos internacionais de sucesso. Copiou o Goldman Sachs quando decidiu distribuir ações do Garantia a seus executivos mais brilhantes e transformá-los em sócios do negócio. Imitou Sam Walton (Walmart) na Lojas Americanas. Reproduziu a gestão da Anheuser-Busch quando adquiriu, com Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, o controle da Brahma. Não se sabe se ele já imaginava que, algum tempo depois, iria comprar a própria Anheuser-Busch. E mais: bem antes da união com a Antarctica/Interbrew/Anheuser-Busch/SABMiller, Lemann falava para o pessoal da Brahma que queria transformá-la na maior cervejaria do mundo.
          Mas se o Garantia passou incólume pela crise do México, em 1995, época em que o Garantia tinha sua sede na Rua Luiz Lopes Coelho, no Rio Pequeno, em São Paulo, o mesmo não aconteceu na crise asiática de 1997. O Garantia perdeu cerca de 600 milhões de dólares (115 milhões admitidos por Lemann) em operações arriscadas. O Garantia era o mais vistoso de uma geração de bancos pequenos, ágeis, agressivos e bem-sucedidos, como o Pactual, o Matrix e o Icatu, que não resistiram aos novos tempos.
          A pergunta que se faz é: como um banco ágil como o Garantia perdeu tanto dinheiro com a crise? Parte do prejuízo aconteceu em razão de um erro de avaliação dos efeitos que a crise asiática poderia ter no mercado de títulos da dívida. Por acreditar que o impacto seria pequeno, os executivos do Garantia entraram com tudo nesse mercado - e se deram mal. Os preços dos títulos da dívida chegaram a cair 5% num único dia. Ironia do destino. O Garantia foi talvez, o primeiro banco de investimento brasileiro a realmente se globalizar. Acabou vítima da globalização. "Não fomos só nós que erramos", disse Cláudio Haddad, diretor-superintendente do Garantia. "Alguns dos maiores bancos do mundo também erraram."
          Outra parte do prejuízo do Garantia se deveu ao seu excessivo otimismo com os rumos da economia brasileira. Isso reforçava as apostas que o banco fazia lá fora na alta dos títulos da dívida e na queda dos juros e estabilidade cambial aqui dentro.
          As dificuldades do Banco Garantia - não havia, em fins de maio de 1998, aparentemente, nenhuma alternativa que evitasse a venda - soavam como o réquiem de uma era. Não se tratava de uma simples troca de controle. O que chegou simbolicamente ao fim foi o Velho Brasil Corporativo, povoado de empresas que nasceram, cresceram e prosperaram num mundo protegido e, hoje (1998), morto. Todas elas enfrentaram dificuldades extraordinárias quando o mercado brasileiro se abriu à competição externa, nos anos 1990.
          De todas as empresas do Velho Brasil Corporativo, o grupo Garantia - o banco, mais a Brahma e a Lojas Americanas, controladas por Lemann - era o que havia de melhor. Jorge Paulo Lemann, o principal acionista do Garantia, foi provavelmente o homem de negócios mais brilhante e influente que o Brasil conheceu na sua recente história corporativa.
          Inspirado em coisas que viu os Estados Unidos, ele criou o "Estilo Garantia" que conquistou admiradores e imitadores pelas empresas brasileiras.
          Numa época em que a antiguidade era o critério dominante nas promoções empresas afora, o Garantia levou a extremos o conceito de meritocracia. E também o de cobrança de resultados. Nos dias de ouro, era difícil imaginar um terreno que fosse mais inóspito para a incompetência do que as instalações do Garantia. O talento e a dedicação sempre foram recompensados generosamente. Muitas vezes, sobretudo no banco, com participações acionárias. A ascensão vertiginosa do Garantia não enriqueceu apenas Lemann. Também nisso o Garantia era diferente.
          Os amigos viam em Jorge Paulo, como o chamam, uma evidente pressão avassaladora, que sempre se impôs para ser vitorioso. Essa pressão fortíssima ele cuidou de estender a quem trabalha com ele. Levou a cobrança e a exigência aos últimos limites. Um mau desempenho da Lojas Americanas mereceu, certa vez (década de 1990), uma inédita reprimenda pública no balanço da empresa.
          Lemann nunca foi um homem de trato fácil. Um de seus amigos mais íntimos comentou, certa vez, que Lemann é incapaz do que se chama, em inglês, de "small talk". Numa tradução livre, aquela conversa fiada que anima as preliminares de qualquer almoço ou jantar de negócios. Sempre objetivo, sempre direto ao ponto. E sempre recluso. Alguns empresários dão a mãe para aparecer. Lemann sempre deu a mãe para não aparecer. O apego pela sombra transmitiu-se ao negócio. Jorge Paulo Lemann sempre foi uma das pessoas mais procuradas pelos jornalistas de negócios e raramente respondeu às solicitações. Nos tempos de fausto, essa distância como que elevou o charme de Lemann e seu negócio perante a mídia. Quando as coisas começaram a dar errado, sobretudo depois do terremoto asiático no final de 1997, essa distância foi cruel. A imprensa veiculou toda sorte de má notícia contra o Garantia. Foi patético ver o outrora altivo e inacessível grupo correr atrás de uma assessoria de imprensa. Soa a mais dura necessidade. Só uma jornada formidavelmente penosa poderia explicar a busca de uma assessoria.
          O caso do Garantia foi o que chamou mais a atenção dos analistas e da mídia. No mercado, chegou-se a comentar que as perdas do Garantia alcançariam 1 bilhão de reais. Falou-se também que seus sócios tiveram de dar a Brahma em garantia para honrar compromissos. Alguns chegaram a dizer que a venda da participação da GP Investimentos, formada por sete dos 13 sócios do Garantia, na Multicanal para as Organizações Globo tinha o objetivo de gerar caixa para cobrir as perdas do banco.
          Entre seus comandados, Lemann sempre foi reverenciado nos limites da adoração. Havia entre eles a sensação - certa - de que o Garantia era uma entidade à parte no Brasil corporativo e, portanto, eram eleitos. Um antigo executivo, depois de deixar o grupo, procurou um dos homens de ouro de Lemann. Eram amigos, as mulheres de ambos eram amigas. O apóstata foi recebido com uma frieza que deixou claro que a amizade terminara com sua saída do Garantia. Entre os concorrentes, Jorge Paulo Lemann sempre despertou inveja e raiva. Todos pareciam pequenos diante dele. Quase todos abasteceram a mídia de boatos e maledicências quando as coisas se complicaram para o Garantia. E atire a primeira pedra quem entre eles não vibrou quando o grande homem foi às cordas.
          Quando começaram as negociações para a venda do Garantia, o Goldman Sachs era um dos interessados, mas o Garantia foi vendido ao banco suíço Credit Suisse First Boston (CSFB) no início de julho de 1998, por 670 milhões de dólares. Eram sócios do Garantia também Cláudio Haddad e Paulo Guedes (que assumiu o Ministério da Economia em 1 de janeiro de 2019), que depois compraram o Ibmec. Estima-se que Lemann, principal acionista do Garantia, tenha recebido cerca de 200 milhões de dólares, em dinheiro e opções de ações do Grupo Credit Suisse.
          Todos os dias, Lemann saía de casa por volta das 7 e meia da manhã, dirigindo um carro Gol, modelo básico, e seguia para o número 3064 da Avenida Brigadeiro Faria Lima, na Zona Sul de São Paulo. (Antes disso, o Garantia tinha sede na Rua Luiz Lopes Coelho, no Rio Pequeno). Até o início de junho de 1998, ele subia até o 13º andar, onde ficava a sede do Banco Garantia. Depois disso ele saltava do elevador um andar abaixo. Foi no escritório da GP que Lemann passou a dar expediente.
          Durante anos, Lemann estimulou jovens profissionais a buscar o máximo de ganhos. Em troca, oferecia sociedade e participação nos ganhos. "Só que isso não basta", disse o presidente de uma grande consultoria internacional. "Jorge Paulo não conseguia transmitir para sua equipe o mais importante: valores. Isso fez com que ele ficasse isolado em suas posições." O sucesso explica, em grande parte, a antipatia com que o mercado financeiro passou a olhar o banco nos anos que antecederam a sua venda. Seus executivos, sempre avessos à exposição pública, se consideravam eleitos. Passaram a ser vistos como arrogantes e dogmáticos. Aqueles que saíam do banco eram tratados como traidores. Os sócios do banco, e mesmo aqueles envolvidos em outros negócios, não raro deixaram claro que a amizade acabava quando o vínculo no trabalho era rompido.
          Quando começaram a aparecer as primeiras notícias sobre as dificuldades do Garantia, logo após o estouro da crise asiática, a concorrência foi ao delírio. Bilhetes eram deixados nos para-brisas dos carros importados dos sócios do banco. Quase sempre com mensagens do tipo: "Ofereço 10.000 dólares por esse carro. É pegar ou largar". Ao ser demitido da presidência da Ford, antes de reerguer a Chrysler, Lee Iacocca disse que havia caído do Everest. É provável que os sócios do Garantia - Jorge Paulo Lemann entre eles - tenham tido a mesma sensação.
          É verdade que o Garantia não foi o único banco de investimento a perder dinheiro nesses tempos duros. Mas sua história, seu perfil de onipotência e agressividade - tudo isso transformou esse fato num grande acontecimento. Por muito tempo, a impressão que se tinha era a de que o Garantia, acostumado a ganhar, ganhar, ganhar, jamais falharia. Falhou.
          Um banco de investimentos não vale nada sem cérebros. O Garantia só chegou a ser o que era graças ao conjunto de talentos que Lemann conseguiu colecionar ao longo de 27 anos. Por que o CS First Boston compraria um banco cuja grande parte de ativos foi perdida? Segundo dados da Atlantic Rating, agência nacional de cálculo de risco, o Garantia administrava uma carteira de investimentos de 4,5 bilhões de dólares em junho de 1997. Um ano depois, os valores estavam em 1,6 bilhão. "O CS First Boston queria uma posição na América Latina", disse o presidente de uma consultoria internacional. "É claro que essa perda de ativos foi descontada do preço pago."
          Na entrevista coletiva feita para anunciar a venda do Garantia, Lemann afirmou que o banco estava numa encruzilhada. "Tínhamos de optar entre ficar com um nicho local ou participar de um banco de investimento mais completo e integrado ao mercado financeiro mundial", disse ele. Mas o próprio Lemann admite que a crise precipitou sua decisão. Desde o final de 1997, até setembro de 1998, mais de 10 profissionais deixaram o Garantia. Em fevereiro (1998), José Olympio e Eduardo Alcalay, dois dos maiores especialistas em finanças corporativas, saíram para montar a subsidiária brasileira do banco americano Donaldson Lufkin & Jenrette. Após a venda para o CS First Boston, considerando a situação de setembro de 1998, portanto três meses após o negócio, o Garantia já perdera algumas de suas principais cabeças. Cláudio Haddad, ex-diretor do Banco Central e superintendente do Garantia, passou a se dedicar ao projeto de criação de uma universidade de negócios. Nomes da chamada velha geração como Marcel Telles, Beto Sicupira e Guilherme Arinos - pai do então presidente do Banco Central, Gustavo Franco - não estavam mais lá. Lemann também não.
(Fonte: revista Exame - 25.12.1989 / 27.10.1993 / 22.06.1994 / material publicitário - revista Exame - 23.10.1996 /  06.11.1996 / 17.12.1997 / 03.06.1998 /  07.10.1998 / revista meudinheiro - agosto 2001 / revista Exame - 10.12.2003 / 17.08.2005 / Valor - 09.03.2021 - partes)