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4 de out. de 2011

Rumo ALL

América Latina Logística - ALL       
          A América Latina Logística, ou ALL, tem sede em Curitiba e sua malha ferroviária abrange toda a região sul do país, o estado de São Paulo e parte do Centro Oeste. Foi criada com a aquisição das ferrovias estatais, em 1997, em leilões de privatização. Mais precisamente, a empresa surgiu após a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em 1996. A concessionária seguiu à risca a receita de seus idealizadores, os investidores Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Na época, o trio ainda comandava o fundo GP Investimentos, vendido a uma nova geração de sócios em 2004.
          Um mês antes da privatização ser concretizada, o executivo baiano Pedro Roberto Almeida recebeu um telefonema de Beto Sicupira, que dividia o comando da GP com Lemann e Marcel Telles. Almeida já trabalhara sob o comando de Sicupira nas Lojas Americanas durante a década de 1980 e, em meados dos anos 1990, numa reestruturação do supermercado Paes Mendonça comandada pela GP. Sicupira queria que Almeida ajudasse a fazer uma radiografia de quantos funcionários precisariam ser demitidos. A conclusão foi dramática. "Era necessário reduzir o quadro de 6.300 funcionários pela metade", disse Almeida.
          O desafio era enorme para demitir tanta gente e ao mesmo tempo trazer gente nova, com qualificações técnicas que faltavam à ALL. No mesmo dia em que eram feitas demissões, eram feitas contratações de trainees. As pessoas se sentiam inseguras e várias choravam.
          Alexandre Behring mal sabia manejar trenzinhos de brinquedo quando, no final de 1998, foi destacado pela GP, da qual era sócio, para assumir a direção da ALL. Foi o terceiro presidente da empresa depois que ela deixou de ser estatal. Sua primeira providência foi conhecer as pessoas - executivos, operários da linha férrea, maquinistas. Vestiu uniforme de maquinista e dormiu nos alojamentos junto com os outros e percorreu a malha inteira. A principal conclusão de Behring, ao assumir o comando, foi que o amor próprio do pessoal andava no nível de rodapé em função de muitos anos de "desadministração" estatal. Mas o desânimo dos funcionários parecia desaparecer quando eles sentiam o chão tremer, antecipando a chegada de um trem, ou quando ouviam o apito das locomotivas. "Eles sentiam vergonha da empresa, mas tinham orgulho da ferrovia", disse Behring.
          Em 1999, três ferrovias foram adquiridas na Argentina e quatro anos mais tarde representavam mais da metade da malha da ALL. Num primeiro momento, a direção dos negócios na Argentina foi entregue a um brasileiro. Não deu certo, claro. A saída foi designar um headhunter para encontrar um executivo argentino afinado com os valores da GP. No primeiro trimestre de 2000, após uma longa procura, foi alçado o executivo Eduardo Oliver para o comando da regional.
          A integração entre a ALL e Delara, a empresa de logística rodoviária que se juntou com a ALL em 2001, foi mais tranquila, Seu proprietário, Wilson Delara, tinha em seu portfólio clientes como Gerdau, Ipiranga, Scania a Ambev. Do lado da ALL, para conquistar a meta de ser a "melhor empresa de logística da América Latina" havia a necessidade de estar também nas estradas. A fusão aconteceu e, no ano seguinte, Behring e Delara passaram cinco meses viajando para que um conhecesse as operações e o pessoal do outro.
          Em junho de 2003, o fundo de investimentos Pactual Electra Capital Partners anunciou sua entrada como sócio da ALL, ao se dispor a fazer um aporte de 20 milhões de dólares.
          Em meados de 2003, seis anos portanto depois da demissão em massa de 1997/1998, quem entrasse no bairro da Vila Oficinas, na capital paranaense, não via vestígios daquela época. O ambiente se parecia mais com uma sala de aula do que com uma empresa de logística: às 8 da manhã, gente animada já estava trocando metas e resultados em lousas na parede.
          E o presidente? Onde estaria Alexandre Behring? É possível que ele estivesse a bordo de uma das 550 locomotivas que percorrem os 15.000 quilômetros de linha férrea explorados pela ALL, que começam do sul de São Paulo, atravessam todo o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e entram na Argentina, onde opera 7.000 quilômetros de ferrovias desde 1999. Ou podia estar batendo papo com um dos grupos de motoristas que dirigiam a frota de 3.000 caminhões que rodam pelas estradas do país a serviço da empresa. Behring, carioca, nascido em 1967, formado em engenharia elétrica pela PUC do Rio de Janeiro, fez parte da segunda geração de sócios da GP.
          Em fins de 2004, porém, o número de acidentes continuava a incomodar. A ALL tinha a concessão de 7.228 quilômetros de linhas férreas no território brasileiro, dos quais 2.038 quilômetros no Paraná. A empresa se destacou pelo crescimento no transporte de cargas em 100% entre os anos de 1998 e 2003. O número de acidentes caiu: 18%. Mas mesmo assim era alto. Em 2003 foram 223 ocorrências registradas na malha férrea da ALL, uma média de 18 acidentes por mês. A maioria ocorreu por falhas ou na manutenção da via permanente ou do material rodante mas muitos foram por falha humana. Foram ao todo 25 acidentes com gravidade, que resultaram em 36 vítimas.
          Em maio de 2006, a ALL adquire a Brasil Ferrovias, então uma das mais importantes malhas ferroviárias do país, que atravessa o Centro-Oeste e vai até o porto de Santos, e que tivera sua falência decretada dois meses antes, em março de 2006. A ALL tornou-se a maior companhia logística ferroviária do Brasil – com atuação na Malha Norte, Malha Oeste, Malha Sul e Malha Paulista. Desde o início daquele ano, o consultor Nelson Bastos vinha se reunindo em segredo com executivos da ALL. O objetivo era ajudar informalmente a empresa no processo de compra da Brasil Ferrovias - disputa que envolvia também a Vale e a MRS. A ajuda de Bastos podia ser providencial. Ele foi presidente da Brasil Ferrovias entre 1999 e 2003.
          No dia seguinte à compra, uma equipe de 20 pessoas da ALL deixou a matriz, em Curitiba, e desembarcou na Brasil Ferrovias, em Campinas, interior de São Paulo. Sua missão era transformar a empresa num modelo de eficiência. Logo após o corte de todas as mordomias, vieram outras mudanças. Toda a diretoria, composta de cinco executivos, foi substituída. O número de funcionários foi reduzido de 4.500 para 1.500 em quatro meses. As paredes que separavam os escritórios das salas dos diretores e gerentes foram literalmente derrubadas - todos passaram a trabalhar numa sala única, sem divisórias.
          No comando do time responsável pela mudança estava o capixaba Paulo Basilio, nascido em 1975. Economista, Basilio entrou na ALL em 2000, como analista. Passou pelas áreas financeira e de planejamento até assumir a diretoria comercial, em junho de 2005. Internamente, era cotado como um dos possíveis sucessores de Bernardo Hees, presidente da ALL.
          O carioca Bernardo Hees, presidente da ALL, diz já ter se acostumado a receber e-mails de acionistas com sugestões para melhorar o desempenho da empresa. Todas, claro, têm de ser respondidas por ele mesmo. "Não é perda de tempo porque muitas ideias são pertinentes", afirma Hees. Nos primeiros meses de 2007, um desses acionistas (cujo nome Hees não revela) sugeriu a compra de um vagão próprio para o transporte de papel e celulose - algo que ele havia visto numa visita a uma ferrovia na Austrália. Hees avaliou a ideia e decidiu acatá-la. Alguns meses depois, a ALL já tinha uma adaptação do modelo em funcionamento.
          Uma grande promessa no setor ferroviário brasileiro, a ALL, sempre foi vista como um oásis de eficiência em meio à tenebrosa logística brasileira. Teve em seus quadros, vários executivos que depois foram alçados a postos mais altos na hierarquia do grupo. O executivo Alexandre Behring, que, entrevistado e recrutado por Telles e Sicupira, do então grupo GP, presidiu a empresa de 1998 a 2004, quando a rentabilidade cresceu 50% ao ano. Um dos investimentos mais bem-sucedidos da primeira fase do GP, foi notória a transformação da sucateada ferrovia ALL numa estrela da bolsa brasileira no início dos anos 2000. Hoje, Behring é presidente do conselho de administração da gigante da alimentação Kraft Heinz e da Burger King, pertencentes ao grupo 3G Capital, a expansão internacional do GP (vide origem da marca 3G Capital neste blog).
          Outro executivo que passou pelos seus quadros é Bernardo Hees, hoje presidente da Kraft Heinz, que, entrando como analista nos fins dos anos 1990, ocupou a presidência de janeiro de 2005 a 3 de setembro de 2010, quando foi escalado para assumir a Burger King mundial, recém comprada pelo 3G. Paulo Basílio, que sucedeu Hees, seguiu para o 3G em 2012 e, em junho de 2013, Eduardo Pelleissone, que ficou 11 meses no cargo de CEO da ALL, se tornou o braço direito de Hees no comando da empresa de alimentos Heinz, comprada pelo 3G em fevereiro de 2013. Em seu lugar assumiu o carioca Alexandre Santoro. No início de abril de 2015, pouco depois da incorporação da companhia pela Rumo Logística, outro executivo, o quinto presidente da concessionária de ferrovias, Alexandre Santoro, após 13 anos de empresa, sendo cinco na presidência, deixa seus quadros e vai também para o fundo 3G Capital, seguindo os passos de Behring, Hees, Basílio e Pelleissone. É notório que a ALL tem servido de celeiro de executivos para o grupo 3G, de Lemann e seus sócios Telles e Sicupira, mesmo depois de 2008 quando a GP deixou o controle da ALL.
          Num setor marcado pela ineficiência, a preocupação da ALL com metas e geração de caixa era elogiada por analistas, investidores e concorrentes. Mas, no caminho, a empresa foi perdendo a mão e, segundo os críticos, passou a descuidar da parte operacional para não sacrificar resultados de curto prazo. As críticas aos serviços prestados apareceram, e chegaram enquanto a empresa passava pelo curioso entra e sai de presidentes. A empresa tornou-se líder em autuações da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) por descumprimentos de normas de manutenção e procedimentos de segurança, e também tem alta ocorrência de acidentes, tanto em números absolutos quanto nos índices que levam em conta o tamanho da malha de cada empresa.
          A ALL foi vista durante muito tempo como uma pérola em meio ao lamaçal do transporte de cargas do Brasil. Os elogios não surgiam em vão. A companhia ainda cresce a uma taxa de 10% ao ano e investe R$ 750 milhões no mesmo período.
          Por que patinou? Não existe uma resposta consensual para essa questão. Os críticos avaliam que a empresa foi submetida a um modelo de gestão, típico do trio Sicupira, Lemann e Telles – os idealizadores do negócio no fim da década de 1990. Ele tem como princípio cortar custos, ganhar rentabilidade e, por fim, passar o ativo adiante. Simplificando: é a lógica do compra, gera valor e vende. Mas o negócio de trens é bastante peculiar. É de capital intensivo. Precisa de investimentos permanentes na aquisição de máquinas e em obras de engenharia, como também – e principalmente – em pequenos reparos feitos no dia a dia.
          A ALL contesta. Nega que tenha titubeado. Argumenta que fez todos os aportes nas quatro linhas que administra, espalhadas por parte do Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Investiu perto de R$ 12 bilhões no sistema desde 1997 e ainda não obteve o retorno total. Assumiu uma rede sucateada e tem convivido com sustos regulatórios. Em 2012, por exemplo, a ANTT cogitou em reduzir as tarifas das ferrovias. A ideia nem sequer foi levada adiante, mas a mera especulação em torno do tema resultou em uma imediata queda das ações da empresa. Complicado, né? E é justamente por conta de fatos desse tipo que o desafio da nova Rumo-ALL não será pequeno.
          Em 2009, o trio vendeu a sua participação na companhia para a gestora de fundos BRZ. No mesmo ano de 2009, a ALL e a Cosan assinam um contrato, que previa um acordo, que embutia uma ideia ao mesmo tempo simples e lucrativa. Era do tipo ganha-ganha. Uma baba. A Rumo comprometia-se a injetar R$ 1,2 bilhão na malha da ALL. Em contrapartida, conquistava a garantia do transporte do seu açúcar pelo interior paulista até o porto de Santos.
          A ALL, portanto, receberia locomotivas, vagões, trilhos e dormentes. A Rumo, por sua vez, espantaria do seu negócio o pesadelo embutido no caótico escoamento de commodities no Brasil. A Cosan alegava que investira os valores combinados. As obras, no entanto, não foram executadas. Elas previam a duplicação da linha férrea entre Itirapina (SP) e Santos. A ALL defendia-se alegando que enfrentara problemas com a obtenção de licenças ambientais para concluir o segmento.
          Em fevereiro de 2012, a Cosan, do empresário Rubens Ometto, fez uma oferta pelas ações dos empresários Wilson de Lara e Riccardo Arduini na ALL. Ometto pretendia se tornar o maior acionista do bloco de controle e mandar na empresa. Mas sócios como o BNDES e os fundos de pensão Previ e Funcef resistiam em aceitá-lo. O maior motivo: a Cosan controlava a empresa de logística Rumo, cliente da ALL e responsável por 5% de sua receita. Como tinha 75% da Rumo e teria cerca de 6% da ALL, Ometto poderia prejudicar a segunda em favor da primeira.
          Em meados de 2013, é inaugurado um complexo logístico em Rondonópolis, no Mato Grosso, uma das grandes apostas de Santoro para melhorar o desempenho da companhia. O investimento foi de R$ 880 milhões de reais na ampliação de 260 quilômetros no maior corredor de exportação de grãos do país.
          O contrato firmado em 2009 com a Cosan transformou-se em cabo de guerra entre as companhias. A briga foi além do diz que diz: terminou em uma câmara de arbitragem, em outubro de 2013.


Rumo ALL
          A Rumo foi criada em 2008, como subsidiária da Cosan com a finalidade de ser um apoio logístico para as operações do grupo. Dois anos depois, em 2010, a Rumo foi capitalizada pela TPG e Gávea Investimentos.
          Até o fim de 2013, era só discórdia e desconfiança. A Rumo, o braço de logística do grupo Cosan, comandado pelo empresário Rubens Ometto, vivia em um estágio de litígio agudo com a América Latina Logística (ALL), que opera os principais trechos da malha ferroviária brasileira. Litígio, na verdade, é modo de dizer. As duas empresas estavam engalfinhadas em uma disputa visceral, em torno de um contrato firmado em 2009.
          De repente, o vento virou. Em abril de 2014, a cúpula da ALL aprovou um processo de fusão, por meio do qual aceitava, sem delongas e por ampla maioria, ser incorporada à Cosan. Simples assim? Nem tanto. A narrativa dos bastidores dessa negociação mostra que esses dois gigantes da economia nacional estavam atados pelo pescoço em torno do acordo, assinado cinco anos atrás. Qualquer movimento em falso de uma companhia asfixiaria a outra. Mantida a guerra, só restariam derrotados – e um prejuízo bilionário.
          Foi no meio desse tiroteio que entrou em cena Carlos Alberto Sicupira, o Beto, como é conhecido no mercado. Beto Sicupira dizia a interlocutores estar incomodado com o impasse entre a ALL e a Cosan-Rumo. Ele havia sido um dos principais acionistas da ALL, ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.
          Beto Sicupira não mergulhou na negociação, mas foi ele quem acionou Pércio de Souza, outro peso-pesado da paisagem corporativa nacional. Souza é o dono da Estáter, conhecida como uma “boutique de negócios” (seja lá o que isso signifique). Na prática, ganhou notoriedade ao criar equações financeiras, capazes de solucionar conflitos entre grandes corporações. É conhecido por ter assessorado o empresário Abilio Diniz em episódios complexos como a chegada do Casino ao Brasil, além dos processos de aquisição do Ponto Frio e da Casas Bahia. Não por acaso, era chamado de o “banqueiro do Abilio”.
          Àquela altura, o impasse entre a Cosan-Rumo e a ALL lembrava o pátio de uma concessionária de máquinas agrícolas – acumulava executivos tidos como verdadeiros “tratores” em suas áreas de atuação. Além de Sicupira, Souza e Ometto, amealhava ainda nomes como Wilson de Lara, presidente do conselho da ALL e um dos principais acionistas da empresa. Todos tinham em comum a discrição e personalidades fortes, o que lhes conferia fôlego para o debate.
          A aproximação entre os litigantes, entretanto, não foi fácil. Um membro da cúpula da ALL, que não quis se identificar, reconhece que o clima entre as duas partes era de pesado ceticismo. Ninguém acreditava em uma solução negociada para o problema, que se arrastava havia meses.
          O bloco de controle da ALL também estava rachado. De um lado, na margem pró-acordo com a Cosan, ficavam Wilson de Lara e os investidores Riccardo e Julia Arduini. Lara, aliás, havia concordado com a fusão desde 2012, quando Ometto fez uma primeira proposta para encampar a ALL. A turma da Cosan afirma que, desde então, já antevia problemas no cumprimento do contrato.
          Na margem oposta, estavam a gestora BRZ (com cotistas como Petros, Postalis e Valia), além dos fundos Previ, Funcef e o BNDES. A gestora BRZ, por exemplo, não tinha o menor interesse no acordo. Em tese, nutria planos de fazer investimentos conjuntos com a ALL em portos, um setor no qual a Rumo já atuava.
          O dissenso não era o único problema. Na verdade, o primeiro esboço de solução para o impasse mostrou-se infrutífero. A ideia inicial era focar no contrato de 2009, o “malfadado”. Uma revisão do documento poderia identificar um meio do caminho, um ponto em que os dois lados cedessem, e funcionasse como uma ilha capaz de apaziguar os grupos em conflito. Depois disso, em um ano ou mais, a discussão seria encaminhada para uma proposta de mudança societária – uma fusão. Essa hipótese, porém, seria deixada para os últimos rounds de uma longa luta, quando os antagonistas, exaustos, entram em clinch e só conseguem trocar socos bobos no meio do ringue.
          Ocorre que não havia meio do caminho naquele contrato. Uma fonte envolvida no processo garante que a ALL não poderia reconhecer nem sequer a décima parte das exigências estabelecidas no “malfadado”. Por outro lado, a Rumo havia feito aportes em obras que, na prática, não deram em nada. Se cedesse e o acordo evaporasse, perderia valor. Para piorar a situação, ninguém queria baixar a guarda durante as conversas. Isso porque, em uma negociação desse tipo, qualquer sinal de flexibilização (como o reconhecimento de um problema) pode ser utilizado contra a empresa em um processo judicial posterior.
          Ou seja, não havia para onde correr. As duas empresas estavam em uma armadilha umbilical. Foi no fim de dezembro que uma ameaça de consenso começou a se firmar. Consolidou-se a tese de que somente a fusão conduziria todos para fora do beco. Encaminhava-se, ali, o que alguns negociadores chamaram de o “Projeto Atlas”, o nome de batismo da negociação. O título foi inspirado no livro A Revolta de Atlas, da filósofa e escritora Ayn Rand, publicado no fim dos anos 1950, cuja trama se desenrola em torno da companhia ferroviária. A obra tornou-se um libelo do ultraliberalismo. Hoje, permanece atual e frequenta a cabeceira de empresários como Jorge Gerdau e do próprio Rubens Ometto.
          Na Cosan, por outro lado, o processo foi batizado de “Projeto Natal”. Sob a ótica dos executivos do grupo, a ALL estava recebendo um presentão de fim de ano. Para que o negócio fosse fechado, o grupo de Ometto pagou um prêmio pela ALL. A média dos analistas de mercado apontava que os acionistas da Rumo (Cosan, Gávea e Texas Pacific Group) deveriam ficar com de 42% a 45% da empresa ferroviária. Levaram 36,5% e nove dos 17 conselheiros. Essa diferença foi o prêmio. A Cosan, no entanto, assumiu o comando do negócio.
          Em grande parte, o apoio dos analistas à nova empresa está associado ao peso de Rubens Ometto Silveira Mello (ele gosta do nome completo) no mercado e ao time de executivos da Cosan. Binho, como Ometto é conhecido, é um dos administradores mais ousados do país. Não por acaso, acumula uma fortuna estimada em US$ 2 bilhões. Embora já não se envolva com a linha de frente dos negócios (hoje preside o conselho administrativo da Cosan), é daqueles gestores que têm a habilidade de enxergar além da curva.
          É verdade, porém, que não teria absorvido a ALL neste momento não fosse o impasse em torno do contrato. O ideal seria manter o acordo de prestação de serviços, pagando (mesmo que com investimentos na malha) pela garantia do transporte da carga. O problema é que, nesse modelo de negócios, dificilmente controlaria a gestão dos parceiros. “A verdade é que a fusão com a ALL faz todo o sentido, se considerado o conjunto do nosso negócio”, diz Marcelo Martins, vice-presidente de Finanças e Relações com o Investidor do grupo Cosan.
          A cúpula da empresa acredita ainda que um dos grandes problemas da ALL foi nunca ter tido um acionista estratégico, preocupado não somente em dar brilho ao ativo, mas em construir eficiência operacional. O raciocínio é que, com um bom projeto, as linhas férreas têm tudo para prosperar em um país cujo gargalo da infraestrutura também tem dimensões continentais. “Vamos investir mais, aumentar a capacidade da malha e financiar melhor a companhia”, diz Marcos Lutz, CEO da Cosan. “Mas a questão não se resume a dinheiro. Faz tempo que defendo a ideia de que o principal problema do país não é de capital. É de capacidade de trabalho. Isso nós temos.” Ometto já havia dito à imprensa que, agora, a Cosan vai “mudar o paradigma logístico do agronegócio do Brasil”.
          Já antes de 2014, a ALL perdera o brilho, teve prejuízos seguidos (2014 em diante).  De 2010 a 2013, considerado o período de maior deterioração operacional e financeiro da empresa, a ALL pagou 60 milhões de reais em bônus à diretoria. No mínimo, discutível e, por certo, não agrada em nada os minoritários que veem seus investimentos virarem pó.
          Em 2015, a ALL se fundiu com a Rumo Logística do Grupo Cosan, que absorveu a ALL por meio do processo de troca de ações entre seus controladores.
          Na incorporação pela Rumo, os acionistas da ALL constatam a dura realidade: num país continental, onde uma malha ferroviária é de extrema importância, a empresa valia uma pequena fração do que valera pouco tempo atrás.
          No início de abril de 2015, pouco depois da incorporação da companhia pela Rumo Logística, Alexandre Santoro, após 13 anos de empresa, sendo cinco na presidência, deixa seus quadros e vai também para o fundo 3G Capital, seguindo os passos de Behring, Hees, Basílio e Pelleissone.
          O resultado do exercício de 2015, o primeiro após a incorporação, ficou sensivelmente comprometido. Atrapalhou muito, aqui, uma baixa contábil de 1,5 bilhão de reais que a Rumo teve de fazer. Segundo executivos próximos à empresa, os novos donos entenderam que a ALL reportava algumas despesas como investimento, o que inflava os resultados. A Rumo mudou outras práticas contábeis.
          Para quem esperava uma "AmBev" das ferrovias, contrastando com a inoperante e cara Ferrovia Norte-Sul, e substituta pretensamente transformada como da água para o vinho, da Rede Ferroviária Federal, de quem adquiriu a malha, resta saber se o grupo Cosan colocará a ALL literalmente nos trilhos, amenizando, pelo menos em parte, o déficit ferroviário brasileiro.
          Esforço para isso, estaria sendo feito: os acionistas da nova concessionária (ferrovia e portos) Rumo ALL, resultado da fusão entre Rumo e ALL, redefinem, em abril de 2015, o plano para investimentos a curto e longo prazo. O objetivo é modernizar a empresa, torná-la mais eficiente e aumentar a capacidade para transporte de grãos, açúcar e outras mercadorias. Desde 2015, já foram investidos R$ 4,8 bilhões para melhorar a produção e garantir segurança às comunidades por onde passam os trilhos.
          Bastaram duas semanas à frente da  Rumo ALL, em abril de 2015, para Julio Fontana começar a reunir funcionários, credores e clientes para conversas francas. “A empresa está tecnicamente quebrada. Vamos lidar com isso e reverter esse quadro. Acabou o ‘me engana que eu gosto’ ”, disse em pelo menos cinco reuniões.
          Fontana, que havia comandado as empresas Cosan Logística e MRS, de 1999 a 2015, sabia que o desafio seria grande. A ALL havia sido, por anos, considerada a empresa de operações ferroviárias mais eficiente e rentável do país.
          Aos poucos, porém, problemas operacionais começaram a arranhar aquela imagem. Cheia de ambição e com mais fôlego financeiro, a Cosan viu nos tropeços da ALL a chance de criar um novo gigante da logística. A fusão da Rumo com a ALL foi aprovada em abril de 2015, e Fontana colocou mãos à obra. Mas, por mais que soubesse que não teria vida fácil, Fontana não podia estar preparado para a tormenta que viria nos meses seguintes.
          O plano da nova gestão era aumentar a capacidade de transporte da ALL e melhorar o serviço prestado aos clientes após anos de relacionamento difícil. Em paralelo, renegociar as dívidas que haviam se acumulado. Tudo sem atropelos, como convém a esse setor.
          Considerando dados de fevereiro de 2016, porém, o cenário era bem diferente. A empresa tinha dívidas de 6 bilhões de reais que venceriam em três anos, precisava de 8 bilhões de reais para investir e, a rigor, ninguém sabia direito de onde viria esse dinheiro todo —  seu endividamento equivalia a cinco vezes a geração de caixa, patamar considerado perigoso.
          Em vez de acalentar sonhos grandiosos de curto prazo, os novos donos da ALL correram contra o tempo para que a empresa tivesse futuro. “Tivemos de traçar um plano emergencial de 18 meses para viabilizar a companhia”, diz um executivo que participa da reestruturação.
          Mas, no caminho, a empresa foi perdendo a mão e, segundo os críticos, passou a descuidar da parte operacional para não sacrificar resultados de curto prazo. A empresa tornou-se líder em autuações da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) por descumprimentos de normas de manutenção e procedimentos de segurança, e também tem alta ocorrência de acidentes, tanto em números absolutos quanto nos índices que levam em conta o tamanho da malha de cada empresa.
          Com a rede depauperada, os trens precisam trafegar em velocidade reduzida. A média da ALL é de 13 quilômetros por hora, segundo a agência, menos da metade da média brasileira. Segundo especialistas, os números são consequência de um período de quase sete anos com poucos investimentos.
          “A ALL investiu muito no começo da privatização, mas depois segurou os gastos”, diz Cláudio Frischtak, diretor da consultoria InterB, especializada em infraestrutura. Os cortes haviam sido tão profundos que não havia nenhuma área diretamente responsável pela interlocução com a ANTT — a área foi criada após a fusão.
          Seguindo seu plano de emergência, a Rumo começou, então, a substituir a malha ferroviária que veio da ALL. Em nove meses, investiu 2 bilhões de reais na manutenção de trilhos e na compra de locomotivas e vagões. O investimento médio da ALL na última década havia sido de 800 milhões de reais por ano. O plano da Rumo é investir 2,6 bilhões de reais por ano até 2018.
          Na gestão anterior, foram instalados suportes de trilhos (os dormentes) de eucalipto, mais baratos e menos duráveis. Eles deveriam ter sido substituídos depois de cinco anos, o que não foi feito. A Rumo ALL passou a substituí-los. Eram quase 1 500 quilômetros, na estimativa de especialistas.
          A Rumo também passou a trocar as locomotivas — boa parte comprada de segunda mão na década de 90. As novas custam 1,8 milhão de dólares e duram 20 anos; as usadas custavam 500 000 dólares e deveriam ser trocadas em dez anos. Mas não foram. As administrações anteriores defendem suas estratégias.
          O fato é que, desde 2013, os problemas operacionais da ALL haviam originado uma série de brigas com clientes, que reclamavam de atrasos e serviços não prestados. A própria Rumo cobrava 1 bilhão de reais, e a empresa de armazenagem de grãos Agrovia, 580 milhões. Com o compromisso de investir na malha, Fontana conseguiu alongar contratos que tinham prazo de um ano para três anos com clientes como as gigantes de alimentos Bunge e Cargill.
          A relação com funcionários também tinha lá seus atritos. Em 2010, a ALL foi condenada a pagar 15 milhões de reais por manter um grupo de 51 funcionários em situação “degradante”. A empresa sempre alegou que os trabalhadores eram de uma empresa terceirizada (a Cosan, que hoje controla a ALL, também já frequentou a lista de empresas acusadas de trabalho escravo, e também alegou que os funcionários em questão eram terceirizados).
          Em 2014, o Ministério Público chegou a acusar a ALL de não fornecer água potável a seus trabalhadores — a Justiça obrigou a empresa a dar garrafas térmicas a seus funcionários para que pudessem abastecê-las de água a cada estação, mas a companhia recorreu.
          Quando a Rumo assumiu a ALL, Fontana mandou entregar a 7 500 empregados que trabalham ao longo das linhas férreas uma mochila com garrafa térmica, talheres e toalha. E os maquinistas, que antes dormiam nas estações, passaram a pernoitar em hotéis.
          Segundo três executivos próximos à empresa, os novos donos entenderam que a ALL reportava algumas despesas como investimento, o que inflava os resultados e, para usar a expressão adotada por Fontana nas reuniões com seus executivos, pagava bônus no estilo “me engana que eu gosto”.
          A Rumo mudou outras práticas contábeis. De 2010 a 2013, considerado o período de maior deterioração operacional e financeiro da empresa, a ALL pagou 60 milhões em bônus à diretoria
          A fusão entre Rumo Logística e ALL – América Latina Logística, foi concluída em 2016.
          Em leilão realizado em 28 de março de 2019, a Rumo Logística arrematou o trecho central da Ferrovia Norte-Sul, que vai de Porto Nacional (TO) a Estrela d'Oeste (SP). A empresa pagou R$ 2,72 bilhões para operar 1,53 mil quilômetros da estrada de ferro por 30 anos. A outorga mínima prevista em edital era de R$ 1,353 bilhão.
          A companhia tem como atividade serviços logísticos de transporte ferroviário, elevação portuária e armazenagem, e operando principalmente nos mercados de Mato Grosso e São Paulo, além da região Sul, principalmente devido aos portos e também, obviamente, porque é onde se concentra a maior parte da produção de grãos que é enviada ao mercado externo. Esse é um dos fatores essenciais na análise desse ativo: a safra exportada, os volumes e a relação dessa variável com os custos fixos do negócio, e como isso, consequentemente, altera o lucro do negócio.
          Nos portos a estrutura controla dois terminais em Santos e possui participação em quatro terminais portuários, sendo três em Santos e outro no Paraná, sendo que a capacidade de armazenagem estática é de 1,3 milhão de toneladas e a capacidade total de levantamento de 29 milhões de toneladas por ano.
          Em 20 de setembro de 2020 a Rumo Logística assinou contrato para construção da primeira ferrovia estadual do Mato Grosso. O trecho será construído no regime de autorização e o investimento estimado está entre R$ 9 bilhões e R$ 11 bilhões. Diferente das concessões, o modelo prevê que 100% dos riscos sejam responsabilidade da iniciativa privada. O sistema será de 730 quilômetros de extensão com dois blocos, ambos partindo de Rondonópolis com destino a Cuiabá e Lucas do Rio Verde. O contrato com a Rumo prevê exploração de 45 anos prorrogáveis por mais 45 e a conclusão do primeiro ramal está prevista para 2026 e do segundo, para 2030.
          A composição acionária da companhia é formada da seguinte forma: 28,47% nas mãos da Cosan e 67,59% Free Float.
          A Rumo ALL possui grandes clientes como Bunge, Caramuru, Cargill, Coimbra, Fibria e Maggi. O carro-chefe é o transporte de soja e farelo de soja, mas outros produtos como fertilizante, açúcar, milho, trigo e arroz estão presentes também em seus trens e caminhões.
          A Rumo é a maior operadora ferroviária do país. Opera 12 terminais de transbordo, seis terminais portuários e administra cerca de 14 mil quilômetros de ferrovias; são mais de mil locomotivas e 28 mil vagões, incluindo uma rede ferroviária que consiste em cinco concessões, com aproximadamente 13.500 quilômetros de linhas, 1.200 locomotivas e 33.000 vagões, além de centros de distribuição e instalações de armazenamento, sendo a capacidade de armazenagem estática de 900 mil toneladas. A empresa atua nas regiões centro-oeste, sul, sudeste e norte.
          Em 15 de julho de 2022, a Rumo assinou o contrato de venda de dois terminais no Porto de Santos para a CLI (Corredor Logística e Infraestrutura), empresa controlada pela IG4 Capital. O acordo é de R$ 1,4 bilhão. Oitenta por cento das ações dos ativos serão vendidas, e a Rumo continuará como acionista minoritária, com 20%. Os dois terminais comercializados são o T16 e o T19, localizados na margem direita do porto e destinados à movimentação de grãos e açúcar. O contrato de arrendamento das duas áreas vai até 2035. As obrigações da concessão também incluem investimentos de R$ 600 milhões para ampliar em 20% a capacidade de movimentação dos ativos.
          Em 16 de novembro de 2022, a Rumo informou que concluiu a alienação de 80% da sua participação acionária na sua controlada Elevações Portuárias (EPSA), pelo montante de R$ 1,4 bilhão somado ao recebimento de R$ 150 milhões adicionais em proventos. A companhia divulgou também que celebrou um memorando de entendimentos para a aquisição da totalidade das ações da empresa contra a qual litigava em um procedimento arbitral confidencial. O montante líquido para aquisição é de aproximadamente R$ 400 milhões e a conclusão da operação está sujeita ao cumprimento de condições suspensivas.
(Fonte: revista Exame - 06.08.2003 / Folha de Londrina - 17.11.2004 / Exame - 01.02.2006 / 12.09.2007 / 24.07.2013 / Época Negócios - 24.08.2014 / Exame - 15.04.2015 / jornal Valor International online - 22.04.2015 e 24.04.2015 / revista Exame 20.01.2016 / Exame -16/02/2016 / Valor - 29.03.2019 / Dica de Hoje Research - 13.06.2020 / Frota&Cia. - 22.09.2021 / Valor - 17.07.2022 / Dica de Hoje Research - 16.11.2022 - partes)

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