A Purdue Pharma foi fundada por Arthur M. Sackler, que já havia feito carreira tanto acadêmica, como psiquiatra, quanto no marketing de medicamentos - um setor que ele revolucionou ao produzir anúncios atraentes para vender pílulas e contratar médicos para exaltar os benefícios de tranquilizantes como Valium e Librium.
Em 1952, em sociedade com os irmãos Mortiner e Raymond, adquiriu um pequeno laboratório que se transformaria no gigante Purdue Pharma. A virada financeira viria em 1995, quando a FDA aprovou a comercialização do OxyContin, analgésico à base de oxicodona, um opioide desenvolvido por cientistas alemães em 1916 e usado na fórmula de diversos remédios contra a dor.
O pulo do gato do novo produto era ser uma pílula de oxicodona pura dotada de um dosador que liberava a substância aos poucos no organismo - uma forma de disfarçar o potencial viciante do remédio. A essa altura, Arthur Sackler, o fundador do laboratório, já tinha morrido, mas seus irmãos, Mortiner e Raymond, compraram a parte da filha, Elizabeth, e tocaram o projeto - projeto que a própria Elizabeth qualificou como "moralmente abominável".
A campanha de lançamento do OxyContin e as ações publicitárias que se seguiram tinham um propósito claro: quebrar a resistência dos médicos a receitar opioides, sabidamente viciantes. Mas os vendedores garantiam que o OxyContin era diferente. Sua liberação gradativa reduzia a quase nada o risco de dependência. Munidos de depoimentos e estudos supostamente científicos, os vendedores convenciam os médicos de que o comprimido era tão bom que podia ser receitado não apenas em casos de dores crônicas e tratamento pós-operatórios mas também em lesões esportivas, fibromialgia, artrite e até dores musculares.
Os médicos que aumentavam o número de prescrições ganhavam viagens pagas a congressos e financiamento de pesquisas. As duas doses diárias recomendadas, propagandeava a Purdue Pharma, eram mais seguras que altas doses de anti-inflamatórios.
No Brasil, o OxyContin e seus similares são medicamentos controlados. Uma pesquisa de abril de 2018 registra um aumento de 565% na venda desses remédios no país entre 2009 e 2015. Mesmo com esse avanço, o Brasil ainda está muito distante da dramática realidade dos Estado Unidos, onde, estima-se, há 2,6 milhões de viciados em opiáceos.
A campanha da Purdue Pharma, considerada a mais intensa já realizada por uma empresa farmacêutica, conseguiu o impensável: apagou a marca maldita de um opioide nos Estados Unidos - a ponto de o país reunir até hoje o maior contingente de viciados em remédios. Poucos anos após o lançamento do OxyContin, as vendas explodiram. Entre 1995 e 2001, o medicamento faturou 2,8 bilhões de dólares, 90% da receita total do laboratório.
O comprimido estava no coquetel que matou o ator Heath Ledger em 2008. Michael Jackson e Prince também eram dependentes, embora tenham morrido por excesso de outro opioide, o fentanil. Apenas em 2012, foram contabilizados mais de 282 milhões de receitas de analgésicos como OxyContin, Vicodin e Percocet, o que representa quase um frasco do remédio para cada cidadão americano.
À medida que as overdoses aumentavam, Richard, filho de Raymond que assumiu a empresa no lugar do pai, insistia na tecla de culpar os usuários pelos problemas. Ele se afastou em 2003 (permaneceu no conselho por mais dez anos), e desde então nenhum Sackler exerceu o comando direto do laboratório, embora vários deles tenham funções executivas.
Os Sackler ganharam rios de dinheiro - a Forbes avalia o patrimônio da família em 13 bilhões de dólares, à frente da fortuna dos Rockefeller. Em 2007, para se livrar de vários processos por "enganar o público sobre o risco do vício em OxyContin", a Purdue Pharma desembolsou 600 milhões de dólares, um dos maiores acordos farmacêuticos da história dos EUA.
Para piorar a situação dos Sackler, novos documentos confirmam sua intenção de seguir em frente com um certo Projeto Tango, que previa investimentos para recuperar dependentes de opioides - muito meritório, não fosse a hipocrisia de faturar nas duas pontas, no estímulo e no combate ao vício.
Diante de uma enxurrada de processos, a empresa já acena com pedido de concordata. Diante das evidências, os Sackler estão se tornando párias no mundo das artes e na academia, onde passaram a vida sendo bajulados. Museus começaram a anunciar que não vão mais receber doações da família.
Em fevereiro de 2019, o museu Guggenhein de Nova York foi alvo de um protesto liderado pela fotógrafa Nan Gondin, ela própria uma ex-viciada em OxyCondin, em que manifestantes atiraram folhas de papel do alto do famoso vão do museu. Sackler, agora, é sinônimo de dependência de uma droga que, com o beneplácito de autoridades, farmácias e médicos, produziu na sociedade americana uma terrível epidemia de viciados.
(Fonte: revista Veja - 17.04.2019)
Em 1952, em sociedade com os irmãos Mortiner e Raymond, adquiriu um pequeno laboratório que se transformaria no gigante Purdue Pharma. A virada financeira viria em 1995, quando a FDA aprovou a comercialização do OxyContin, analgésico à base de oxicodona, um opioide desenvolvido por cientistas alemães em 1916 e usado na fórmula de diversos remédios contra a dor.
O pulo do gato do novo produto era ser uma pílula de oxicodona pura dotada de um dosador que liberava a substância aos poucos no organismo - uma forma de disfarçar o potencial viciante do remédio. A essa altura, Arthur Sackler, o fundador do laboratório, já tinha morrido, mas seus irmãos, Mortiner e Raymond, compraram a parte da filha, Elizabeth, e tocaram o projeto - projeto que a própria Elizabeth qualificou como "moralmente abominável".
A campanha de lançamento do OxyContin e as ações publicitárias que se seguiram tinham um propósito claro: quebrar a resistência dos médicos a receitar opioides, sabidamente viciantes. Mas os vendedores garantiam que o OxyContin era diferente. Sua liberação gradativa reduzia a quase nada o risco de dependência. Munidos de depoimentos e estudos supostamente científicos, os vendedores convenciam os médicos de que o comprimido era tão bom que podia ser receitado não apenas em casos de dores crônicas e tratamento pós-operatórios mas também em lesões esportivas, fibromialgia, artrite e até dores musculares.
Os médicos que aumentavam o número de prescrições ganhavam viagens pagas a congressos e financiamento de pesquisas. As duas doses diárias recomendadas, propagandeava a Purdue Pharma, eram mais seguras que altas doses de anti-inflamatórios.
No Brasil, o OxyContin e seus similares são medicamentos controlados. Uma pesquisa de abril de 2018 registra um aumento de 565% na venda desses remédios no país entre 2009 e 2015. Mesmo com esse avanço, o Brasil ainda está muito distante da dramática realidade dos Estado Unidos, onde, estima-se, há 2,6 milhões de viciados em opiáceos.
A campanha da Purdue Pharma, considerada a mais intensa já realizada por uma empresa farmacêutica, conseguiu o impensável: apagou a marca maldita de um opioide nos Estados Unidos - a ponto de o país reunir até hoje o maior contingente de viciados em remédios. Poucos anos após o lançamento do OxyContin, as vendas explodiram. Entre 1995 e 2001, o medicamento faturou 2,8 bilhões de dólares, 90% da receita total do laboratório.
O comprimido estava no coquetel que matou o ator Heath Ledger em 2008. Michael Jackson e Prince também eram dependentes, embora tenham morrido por excesso de outro opioide, o fentanil. Apenas em 2012, foram contabilizados mais de 282 milhões de receitas de analgésicos como OxyContin, Vicodin e Percocet, o que representa quase um frasco do remédio para cada cidadão americano.
À medida que as overdoses aumentavam, Richard, filho de Raymond que assumiu a empresa no lugar do pai, insistia na tecla de culpar os usuários pelos problemas. Ele se afastou em 2003 (permaneceu no conselho por mais dez anos), e desde então nenhum Sackler exerceu o comando direto do laboratório, embora vários deles tenham funções executivas.
Os Sackler ganharam rios de dinheiro - a Forbes avalia o patrimônio da família em 13 bilhões de dólares, à frente da fortuna dos Rockefeller. Em 2007, para se livrar de vários processos por "enganar o público sobre o risco do vício em OxyContin", a Purdue Pharma desembolsou 600 milhões de dólares, um dos maiores acordos farmacêuticos da história dos EUA.
Para piorar a situação dos Sackler, novos documentos confirmam sua intenção de seguir em frente com um certo Projeto Tango, que previa investimentos para recuperar dependentes de opioides - muito meritório, não fosse a hipocrisia de faturar nas duas pontas, no estímulo e no combate ao vício.
Diante de uma enxurrada de processos, a empresa já acena com pedido de concordata. Diante das evidências, os Sackler estão se tornando párias no mundo das artes e na academia, onde passaram a vida sendo bajulados. Museus começaram a anunciar que não vão mais receber doações da família.
Em fevereiro de 2019, o museu Guggenhein de Nova York foi alvo de um protesto liderado pela fotógrafa Nan Gondin, ela própria uma ex-viciada em OxyCondin, em que manifestantes atiraram folhas de papel do alto do famoso vão do museu. Sackler, agora, é sinônimo de dependência de uma droga que, com o beneplácito de autoridades, farmácias e médicos, produziu na sociedade americana uma terrível epidemia de viciados.
(Fonte: revista Veja - 17.04.2019)
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