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6 de out. de 2011

Cowan

          A Cowan era, pelos idos de 1997, a 14ª colocada na lista de empreiteiras brasileiras. Foi fundada pelo empresário Walduck Wanderley, em 1958.
          A empreiteira seria um sobrevivente. Segundo Wanderley, das 10 maiores construtoras de Minas Gerais de 10 anos antes (1987), só restavam de pé a Andrade Gutierrez e a Cowan.
          Foi para ter dinheiro e comprar um carro - seu primeiro sonho de consumo - que Wanderley, pouco depois de meados da década de 1950, trocou por um trator zero-quilômetro a pequena fazenda que tinha na região de Montes Claros, norte de Minas, sua terra natal. Ele concluíra o segundo grau num internato em Belo Horizonte e não quis, como pretendia o pai, prestar vestibular para medicina. Aquele trator, que no princípio cavava açudes nas fazendas da região e depois passou a atender às prefeituras do norte de Minas, foi o embrião da Cowan. Wanderley chegou a ser ao mesmo tempo o administrador do negócio, o operador da máquina e trabalhador braçal.
          Com franqueza desconsertante, um de seus traços marcantes, Wanderley reconhece que não existem freiras no mundo da empreita. Muitos anos antes da operação Lava-Jato da Polícia Federal, considerava importante ter amigos em postos-chave do governo, único cliente das construtora até pouco tempo antes. A ligação com políticos, diz ele, vem de berço. Dois tios foram políticos, mas Wanderley, em vez de se tornar político, uma profissão que admirava, preferiu ser empreiteiro.
          No passado (por sinal, noas anos em que a Cowan esteve melhor), ele manteve uma amizade estreita com o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza. "isso nunca me rendeu obras", afirmava. Quando a Transamazônica ia ser construída, Andreazza não me deixou participar da concorrência." Conforme Wanderley, o argumento usado pelo ex-ministro para dissuadi-lo foi que seu pé era pequeno demais para um sapato do tamanho da Transamazônica. (O pé também foi pequeno para a hidrelétrica de Itaipu. A Cowan foi a primeira empreiteira a se instalar no canteiro de obras - mas para fazer o trabalho de infra-estrutura. A melhor parte, a barragem, ficou com empreiteiras maiores.)
          Wanderley admite que ajudou a financiar campanhas eleitorais e que emprestou seus jatinhos a políticos em busca de mandatos. Mas segundo diz, não foi isso que garantiu a sobrevivência da Cowan.
          As construtoras que atravessaram bem a década de 1990, o fizeram de maneira diferente da Cowan. Concorrentes maiores como Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez expandiram-se rumo ao exterior. A Cowan agiu diferente e fez um enxugamento radical do quadro de pessoal. Dos 6000 funcionários que a empresa chegou a ter nos seus melhores anos restaram menos de 600 em 1997.
          Fingindo-se de morta, a empresa deixou parados cerca de 70 milhões de dólares em caminhões, tratores, niveladoras e outros equipamentos pesados,nos galpões da construtora, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Nem no início da década de 1990, quando o governo ficou meses sem pagar a Cowan, a empresa pensou em vendê-los. "O cemitério está cheio de de construtoras que quebraram trabalhando. Parada, nenhuma quebrou", diz Wanderley, um excepcional criador de frases.
          Figura extravagante e extraordinária, Wanderley tinha 25 automóveis, 10 dois quais, Mercedes-Benz. Os carros, quase todos estrangeiros ficam espalhados entre Belo Horizonte, São Paulo e Miami, onde ele tem residências montadas e mais duas ou três cidades onde tem interesses. Wanderley não tinha a mínima preocupação de parecer politicamente correto quando falava de mulher. Pode-se acusá-lo aí de muitas coisas. Por exemplo, de ser troglodita ao falar de mulher. Mas não de pode acusá-lo de hipocrisia. O homem diz o que pensa não parece nem um pouco incomodado com a possibilidade que o achem um horroroso machista.
          Wanderley tinha (e mantinha) mais de 30 namoradas. "Na verdade, só 10 são fixas", dizia ele. Seus gastos mensais chegavam a 200 mil dólares. Boa parte com "pequenas" extravagâncias. No closet  de aproximadamente 50 metros quadrados de seu apartamento em Belo Horizonte havia quase 1000 peças de roupa. Só de ternos, uma centena, mesmo que para trabalhar ele preferisse roupa esporte. Na decoração, oito quadros de Di Cavalcanti, para ficar em apenas alguns exemplos.
          No tocante à sucessão, Wanderley não parecia estar interessado em preparar a Cowan para o dia em que não estivesse mais à frente do negócio. Nem se ela iria viver 10 ou 100 anos depois que ele não estivesse mais aqui. O casamento desfeito deu a Wanderley duas filhas, então já casadas. Uma das filhas gosta do ramo de construção e já revelara ao pai o desejo de trabalhar na Cowan. "Monte sua empresa e veja se você tem mesmo vocação para o negócio", foi a resposta. Ela seguiu o conselho. Conforme o empresário, a empresa da filha, em sociedade com um irmão dele, Wandick Wanderley, ia bem. Mas ela continuou fora da Cowan.
(Fonte: revista Exame - 22.10.1997)

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