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31 de out. de 2011

Aramco

          Ao contrário do que muita gente pensa, a Arábia Saudita não é um país multissecular, da época das mil e uma noites. Muito pelo contrário. A nação foi fundada em 1932 por um gigante beduíno, Ibn Saud, que conseguiu congregar as tribos do deserto da Península Arábica sob sua liderança. Daí o nome Arábia Saudita.
          A primeira concessão para exploração de petróleo na península Arábica fora assinada, em 1933, entre o rei Ibn Saud e a Standard Oil da Califórnia. Mais tarde, essa concessão fora cedida à Aramco. Depois da Segunda Guerra, o engenheiro Jean Paul Getty, proprietário da Aminoil, conseguiu outra concessão e encontrou as maiores reservas petrolíferas da Terra, também na Arábia.
          Nos primeiros seis anos, a única fonte de renda do novo reino era o dinheiro deixado pelos peregrinos que iam visitar a cidade sagrada de Meca.
          Porém, em 3 de março de 1938, o destino mudou para sempre a vida dos sauditas. Prospectores da Standard Oil of California (Socal), encontraram, em Dammam, no leste da Península Arábica, o maior lençol petrolífero do planeta.
          Mais tarde, em 1943, a companhia passou a se chamar Arabian American Oil Company (Aramco). Esta pagava aos sauditas 50% dos lucros da extração do petróleo. Só que a divisão fifty-fifty escamoteava uma trapaça.

          Depois da Segunda Guerra, o engenheiro Jean Paul Getty, proprietário da Aminoil, conseguiu outra concessão e encontrou as maiores reservas petrolíferas da Terra, também na Arábia.
          O preço do barril de óleo cru era mantido artificialmente baixo, de modo que as refinarias e distribuidoras nos Estados Unidos ficavam com a fatia mais gorda dos resultados, obtida no processo de refino e na venda para o consumidor final. Mesmo assim, uma fortuna fluía constantemente para os cofres do Reino.
         Com suas seis esposas e dezenas de concubinas, Ibn Saud teve 45 filhos do sexo masculino. O número de filhas é desconhecido, pois o rei não as registrava. Cada um desses filhos teve outras dezenas de mulheres de modo que hoje há mais de 15 mil príncipes no país.
          Com tanta gente na família real, não é de se surpreender a quantidade de intrigas e conspirações na corte, inclusive um assassinato, quando o rei Faisal, um dos sucessores de Ibn Saud, foi morto a tiros por seu sobrinho, também príncipe, e também Faisal (Faisal bin Musa’id), decapitado em praça pública 85 dias mais tarde.
          As relações amistosas, tanto diplomáticas como comerciais, entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita haviam durado até outubro de 1973 quando, após a guerra do Yom Kippur, o rei Faisal 
Abdulaziz Al Saud liderou um embargo de petróleo ao Ocidente. Em três meses o preço do barril subiu de 2,90 para 17,40 dólares.
          Entre 1973 e 1980 a Aramco, até então pertencente a acionistas estrangeiros, gigantes como a Texaco, Standard Oil Company of New Jersey, Anglo-Persian Oil Company, Gulf Oil, Royal Dutch Shell, Standard Oil Company of California (SoCal),  Standard Oil Company of New York, conhecidas informalmente no mundo do petróleo como Sete Irmãs, foi sendo nacionalizada em etapas, até que passou a pertencer totalmente aos sauditas. Mas Riad e Washington reataram seus laços de amizade. Era a época da Guerra Fria e as nações tinham de escolher entre ficar na esfera dos americanos ou dos soviéticos. E a última coisa que uma monarquia absolutista poderia querer era uma aliança com comunistas. O reino voltou a fornecer petróleo em abundância para americanos, recebendo deles um preço justo, além de armamentos e assessoria militar.
          No Brasil, lá pelos idos de 1994, a Aramco queria construir uma mega-refinaria de petróleo, com capacidade para 1 milhão de barris diários (mais que toda a produção brasileira de então), em Pernambuco. O petróleo refinado seria exportado, mas o projeto, apresentado ao governador pernambucano, Joaquim Francisco, esbarrou em um empecilho: o monopólio concedido à Petrobras.
          Como se tornou uma companhia fechada, sem precisar dar satisfações a ninguém, com exceção da realeza da Península, a estatal Aramco jamais publicou balanços financeiros. Os números dos ganhos, que todos sabiam gigantescos, eram mantidos guardados a sete chaves. Em 1º de abril de 2019, finalmente saiu o resultado referente a 2018: 111 bilhões de dólares de lucro. Isso faz da Aramco a empresa mais rentável do planeta, superando as gigantes Apple, Samsung, Alphabet (proprietária do Google), JP Morgan e Exxon Mobil.
          Era inevitável que a Aramco saísse do armário. Trata-se do primeiro passo para a IPO (sigla em inglês para Oferta Inicial de Ações) da petrolífera, o maior lançamento de ações de todos os tempos, que ocorreu em dezembro de 2019. Nessa oferta pública, a Aramco, que vale algo ao redor de dois trilhões de dólares, venderá não mais do que cinco por cento do seu capital, vigésimo esse que corresponde a US$ 100 bi, número quatro vezes superior à maior IPO feita até hoje, da chinesa Alibaba, que captou US$ 25 bilhões em 2014.
          Agora o príncipe herdeiro do Reino, Mohammad bin Salman, que é quem detém o poder na Península, decidiu vender, por trilhões, aquilo que seu avô, Faisal, comprou por ninharia, usando o embargo de petróleo ao Ocidente como arma.
          Durante o dia 12 de dezembro de 2019, segundo dia de negociação da ação após IPO, o valor de mercado da Saudi Aramco superou US$ 2 trilhões.
          Mesmo que o petróleo esteja a caminho da obsolescência devido ao aquecimento global e surgimento de fontes energéticas alternativas, é bom lembrar que o custo de extração de petróleo por parte de Aramco é de três dólares por barril. Para efeito de comparação, o Irã produz por 15; o Brasil por 30 e os Estados Unidos por 57. Ou seja, o consumo de petróleo pode desabar, fazendo com que diversos países parem de extrair hidrocarbonetos e a Aramco continuará no mercado.

(Fonte: revista Exame - 28.09.1994 / Mercadores da Noite - 14.11.2017 / NewslettersInversa - 03.04.2019 - Ivan Sant’Anna - partes)

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