Total de visualizações de página

6 de out. de 2011

Café Jardim

          Como bem lembra o médico Henrique Walter Pinotti, a Companhia Jardim nasceu de imigrantes italianos empreendedores que prosperaram com audácia e muito trabalho, sobretudo, com organização empresarial e a prática cotidiana. Recordado pela família, o fundador do Café Jardim possui interessante trajetória. Oriundo de Capannori, ao lado de Lucca, na região italiana da Toscana, o alfaiate Emilio Mencarini veio ao Brasil e fixou-se em São Paulo em busca de oportunidades.
          Em 20 de novembro de 1890, o italiano visionário abriu seu negócio: o Café Jardim. O local escolhido foi em um sobrado no Campo da Luz, que antes havia sido o Caminho do Guaré, e com a denominação atual de Avenida Tiradentes, num bairro não industrial. Este imóvel no número 14 (ou 12-A) ficava em frente ao Jardim Público e que, serviu de inspiração para o nome da empresa. Esta bela área verde, o bucólico Jardim Botânico, foi aberto ao público em 1825, tendo sido reformado à moda europeia e atualmente se denomina Parque da Luz. O negócio de Emilio Mencarini situava-se entre o Seminário Episcopal e o Quartel da Luz, próximo ao Mosteiro da Luz, à Escola Politécnica e à Casa da Correção. Como lembrava Renato Mencarini, por dispor de carroça puxada a burro, o avô Emilio entregava o café moído e torrado aos armazéns paulistanos.
          O início foi repleto de muito trabalho e persistência. À época, na transição do Império para a República, a Crise do Encilhamento caracterizou-se pela especulação desenfreada sobre empréstimos e financiamentos contraídos por investidores para a abertura de empresas, vindo a fazer muitas empresas falirem, o Poder Público endividar-se muito, sobretudo, ao gerar enorme desemprego.
          A empresa cresceu com a inauguração da Estação da Luz, oficialmente em 1º de março de 1901, a partir de outra construção mais simples, com o investimento maciço da São Paulo Railway (conhecida como Inglesa). Anos depois, a situação financeira e econômica do país melhorou com medidas austeras (ajuste fiscal) e empréstimo externo (Funding Loan). Por conseguinte, os comerciantes e as sociedades voltaram a surgir, crescer e gerar riquezas e postos de trabalho.
          Não apenas seu negócio, como também Emilio Mencarini ergueu uma grande família. Contraiu núpcias com Dona Isolina Guide. Vieram-lhes os filhos: João, Irma, Norma, Marino e Bruno. Os negócios prosperaram, em meio a inúmeros desafios. Em 1911, no imóvel da Rua Dutra Rodrigues, número 9 (posteriormente 33), Emilio Mencarini produzia açúcar refinado. Em 8 de maio de 1914, requereu perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo o registro da marca Café Jardim, vindo a obter em sessão desse órgão no dia seguinte.
          Nem tudo resultou êxito: durante a gestão do Dr. Washington Luís, em 1916 recebeu multa por infração à legislação municipal. Por alguns anos muitos padeceram com a gripe espanhola. Em 1919 Emilio Mencarini recebia ordem de pagamento pelos produtos fornecidos ao Poder Público. Em 21 de janeiro de 1922, o comerciante adquiriu o imóvel do número 14 da Avenida Tiradentes. Durante vinte e três dias do mês de julho de 1924, São Paulo e outras cidades, como Santo Amaro, foram palcos de guerra nas ruas, nas casas e nas fábricas entre o governo constituído e militares amotinados – principalmente a população civil foi alvejada pelas bombas. Em 1928 a Prefeitura de São Paulo publica a averbação de licença de funcionamento.
          Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 24 de outubro de 1929 (Quinta-Feira Negra), a economia brasileira teve uma sensível queda, em razão da grave crise econômica dos Estados Unidos, o que gerou a Grande Depressão e a falta de mercado para as exportações de café. Este setor econômico sobreviveu graças à intervenção estatal, que incentivou a redução do produto no mercado para que os preços pudessem ser mantidos.
          Anos após a possibilidade de constituir sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o fundador atuava em nome próprio até que, junto ao pai, João, Marino e Bruno passaram a atuar com o patrono no comando da Emilio Mencarini & Filhos Ltda. O negócio progrediu bastante e o imóvel foi expandido e atualizado para os números 172, 176 e 184 da Avenida Tiradentes. Além do café, outros produtos alimentícios são feitos, como as massas.
          Em 1935, a marca “Café Jardim” passou do fundador para a empresa Mencarini, Filhos Ltda., em processo de transferência de privilégio perante o Departamento de Propriedade Industrial. Para enfrentar a enorme concorrência, a empresa passou a investir bastante em publicidade. Em 1936 a Café Jardim divulgava a data de torrefação na embalagem e a distribuição dos produtos. No ano seguinte, pequenos livros “As Aventuras do Capitão Sanderson nas Florestas do Brasil Central”, de Ronnie Wells, eram distribuídos junto aos pacotes do café.
          No ano seguinte, 1938, vários anúncios, aprovados pelo chefe do Departamento de Publicidade, Dr. Paulo Siqueira, davam notícias da utilização do cellopack, embalagem com plástico que permitia boa conservação do produto, conforme o teste de Gould. Em anúncio datado de 8 de julho de 1939, era divulgado o novo processo de torrefação totalmente automatizado, sem a manipulação dos insumos, empregando silos refrigerantes, condutores a vácuo, condutores de moinho, prensas controladas e balanças automáticas. Também promoveu o “Concurso da Cantora Misteriosa”, na Rádio Cultura, das 21 às 21h30.
          A estratégia de marketing voltou-se para os álbuns de figurinhas. Como bem lembra Samuel Gorberg, a Café Jardim editou cinco álbuns durante o ano de 1940. No ano seguinte, a empresa contratou Monteiro Lobato para fazer o texto do álbum “As Aventuras do Barão de Munchaussen”, para atrair o público infantil. O exitoso resultado ensejou em 1944 a edição do álbum “Um sonho na caverna”, também com texto do célebre escritor e ilustrações de Jurandir Ubirajara Campos (J. U. Campos). Em 1950, foi editado o álbum “Maravilhas Jardim”, prestando homenagem póstuma a Monteiro Lobato com a página “O amigo das crianças” e oito figurinhas, sendo uma de Monteiro Lobato e as demais de seus inesquecíveis personagens Narizinho, Pedrinho, Emília, Visconde de Sabugosa, Dona Benta, Tia Anastácia e Tio Barnabé.
          Em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, o saudoso historiador José de Souza Martins relembra sua infância com este saboroso café: (...) Não havendo esse [café – o Caboclo], era o Café Jardim, de Marino Mencarini, que em certa época trazia figurinhas. A preferência era ditada pelo fato de que minha mãe crescera no meio do cafezal, com os pais e irmãos na carpa ou na colheita, colonos de café de uma fazenda da região de Bragança Paulista.
          Com o falecimento do fundador, em 1934, a sucessão da empresa teve lugar: os filhos João, Marino e Bruno Mencarini assumiram a diretoria da Companhia Jardim de Cafés Finos Limitada. Nesse ano, foi instituído o cruzeiro, moeda que substituiu os réis e que passou a utilizar os centavos.
          Após a edição do Decreto-Lei da Sociedade por Ações, ocorreu a transformação societária – de sociedade limitada para anônima - e o capital da empresa foi aberto. Com a expansão do negócio a empresa instalou-se no pacato bairro do Cambuci.
          O advento da energia elétrica em São Paulo, no início do século XX, privilegiou também o Cambuci, criando amplos horizontes para a instalação de um parque industrial. No eixo da Avenida do Estado, do Cambuci em direção à cidade, na esquina da Rua Ana Néri, estava a fábrica dos Chicletes Adams, vizinha do tradicional Café Jardim, de propriedade de Bruno Mencarini, que fazia torrefação, moagem e empacotamento de café. Mais tarde, ao seu lado, instalou-se a fábrica do Macarrão Jardim.
          Com a arquitetura assinada por Rino Levi, em 1942 a fábrica foi inaugurada na Avenida do Estado, número 5748. Era enorme e possuía design futurista. Importantes membros da família Mencarini vieram a falecer no final do Estado Novo: em 17 de setembro de 1943, a viúva do fundador, dona Isolina Mencarini; e Marino Mencarini em 25 de outubro em 1945. Em novembro de 1945, em razão do passamento de Marino, foi alterado o estatuto para a companhia ser administrada pelos dois irmãos de Marino, João e Bruno Mencarini. Em poucos meses, com o féretro de João, Bruno Mencarini assumiu a diretoria.
          A Café Jardim direcionou a publicidade da imprensa escrita para o rádio e depois à televisão. Patrocinou apresentações de cantores na rádio, como o inesquecível Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. A empresa mantinha a novela “Os Noivos de Celina”, que passava das 19h15 às 19h35 horas pela TV Record, canal 7 de São Paulo, em julho e agosto de 1954. Contudo, ainda anunciava no jornal, por exemplo, na homenagem ao quarto centenário do município de São Paulo.
          Ocorreu alteração de endereço e as antigas instalações da Avenida Tiradentes foram postas para aluguel. Nessa época, a sede social da empresa foi transferida para a Rua do Lavapés, número 793, no coração do Cambuci.
          Em 1972, conforme demonstrativos publicados no ano seguinte, as instalações foram transferidas para a Rua Arary Leite, números 826 e 950, na Vila Maria, nas proximidades da Rodovia Fernão Dias, seu endereço atual, onde a empresa mantém robusta estrutura. A efetiva transferência ocorreu em 24 de junho de 1973.
          Em 1974, a empresa passou para o comando do executivo Aroldo de Lara Cardoso. Em 1975, a denominação social Torrefação Associadas Indústria e Comércio S.A. - Café Jardim - foi adotada. Em 1982 iniciaram a implantação de venda direta ao consumidor. Em 21 de fevereiro de 1983, faleceu Bruno Mencarini. São abertas lojas, sob direção do Sr. Alberto Carneiro Neto, como a do Shopping Interlagos e do Centro.
          Em 1988 o negócio uniu-se ao Grupo Protisa, fundado em Curitiba (PR). Em 1989, passou a adotar a denominação atual: Jardim Indústria e Comércio S.A.
          E o belo conjunto assinado por Rino Levi, situado na Avenida do Estado, esquina com a Rua Ana Néri, deu lugar a condomínio edilício, contrariando aqueles que buscavam a preservação do patrimônio arquitetônico.
          A loja do Centro, em São Paulo, de propriedade de Toninho (Antonio Ricarte Figueiredo) e Magrão, era concorridíssima, especialmente no horário pós-almoço. Foi fundada em 1977 e teve seu auge na década de 1980. O proprietário Toninho, que fazia o papel de caixa, tinha uma destreza fenomenal para o controle dos pedidos: "sai um curto, sai um com casquinha (de limão) para o moço ali, mais um com canela para a moça lá no fundo, ...um carioca....um com leite para o magrela aqui", e assim por diante. No apertadíssimo espaço na Rua Dom José de Barros, existia certa dificuldade para o posicionamento dos clientes junto ao balcão, quando cheio, mas todo mundo dava um jeito. A agilidade e aptidão das atendentes, geralmente trabalhando em dupla, em espaço igualmente exíguo, eram também de uma notável performance.
          E a loja continua lá. Firme. Hoje tem o nome Café Canelinha estampado em sua faixada, denominação que se sedimentou há mais de uma década. A razão social é Casa 32, usando o número da rua (Dom José). A loja teve seu movimento diminuído acompanhando a decadência do centro, especialmente ali, no chamado centro novo, mas, continua servindo o saboroso Café Jardim, tirado caprichosamente. Se a atendente Zilma Reis está na loja há pouco tempo, entrou em 2015, sua colega de trabalho Isabel serve o café desde 1993. Toninho não faz mais expediente normal, mas aparece por lá diariamente. Para os desavisados, um pequeno lembrete: a loja segue à risca o seu nome e, se o cliente não disser nada, o café já vem com "canelinha". Quem não quiser, tem que avisar antes.
          Atualmente, a Jardim Alimentos concorre com enormes grupos que adquiriram empresas concorrentes e se tornaram gigantescos. Concorre também com o mercado de cafés gourmet (em grãos ou em cápsulas), que já ocupam um bom espaço no mercado de café.
(Fonte: Jusbrasil – Luiz Alexandre Kiduchi Negrão - parte)

3 comentários:

Anônimo disse...

Sou A Neta De Emílio Mencarini! Elisabeth Eliana Mencarini e Filha de Bruno Mencarini !!! Com Muito Orgulho!!!!

Anônimo disse...

Viva O Cafe Jardim 👏👏👏👏👏👏

Ogro disse...

A título de complementação do seu aritgo, informo que encontrei um álbum de figurinhas publicado por eles , denominado Seleção de receitas da escola de arte culinária Jardim o qual, tomando como base as informações do seu artigo, deve ter sido publicado após 1942, pois consta na capa traseira o endereço da avenida do estado. Segue o link com algumas fotos do mesmo: https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-2989145124-album-de-figurinhas-seleco-de-receitas-da-escola-de-arte-cu-_JMo