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6 de out. de 2011

Carlyle Group

          A fama de workaholic de David (Dave) Rubenstein, nascido em 1949, começou em 1976, após trabalhar na campanha que levou Jimmy Carter à Casa Branca. Contratado como assessor de política doméstica do presidente, percebeu que Carter começava o dia lendo sempre o primeiro memorando da pilha posta em sua mesa pelos assessores. Passou então a esperar que todo o staff fosse embora, na alta madrugada. Depois, então, colocava seu memorando no topo da pilha e ia para casa ter algumas horas de sono. A jogada rendeu uma pequena reportagem na revista Newsweek, com o título White House Workaholic.      
          Nas décadas seguintes, submergiu. Nos anos 1980, em Washington, Rubenstein e dois sócios criaram o fundo de private equity Carlyle. A forma utilizada para ganhar grandes fortunas era a mesma de outros grandes fundos, como o KKR. Para comprar uma empresa, bastava entrar com um pouco de dinheiro, tomar o resto emprestado e, depois, usar o caixa da companhia comprada para pagar a dívida. Ao fim do processo - se tudo, claro, desse certo -, os fundos vendiam a empresa por um preço maior e sem dívida.
          Mas Rubenstein construiu o Carlyle sob uma aura de segredo e mistério. Por quase 15 anos, ele e seus sócios se recusavam a dar entrevistas e mantinham os negócios do grupo em sigilo.
          Em 2001, porém, o nome Rubenstein voltou a circular nos meios de comunicação, dessa vez com muito mais estardalhaço - e de maneira muito menos benigna. Após os atentados de 11 de setembro, ele foi acusado de participar de uma conspiração sinistra com o objetivo de enfiar os Estados Unidos numa guerra global contra o terrorismo para lucrar com o aumento dos gastos bélicos. As acusações ganharam notoriedade com o documentário Fahrenheit 9/11, do cineasta Michael Moore, que chega perto de jogar no Carlyle a culpa pela derrubada das Torres Gêmeas. Como um dedicado ex-funcionário da mais dócil administração americana (do democrata Carter) podia ser acusado de insuflar as guerras tocadas pela mais indócil delas (do republicano George W. Bush)?
          A explicação está nas origens do Carlyle, fundado em 1987 por Rubenstein e dois amigos, Daniel D'Aniello e Bill Conway. Na época, o objetivo dos três era lucrar com um negócio que começava a ganhar importância - as aquisições alavancadas de empresas (ou LBOs, na sigle em inglês). "Foi muito difícil", diz D'Aniello. Primeiro, porque todos os grandes negócios eram feitos em Nova York e nada acontecia em Washington. Segundo, porque ninguém queria dar dinheiro ou vender empresas a um bando de desconhecidos. Para atrapalhar ainda mais, os primeiros negócios quase não deram dinheiro. No final do governo Ronald Reagan, porém, as coisas começaram a mudar. Frank Carlucci, então secretário de Defesa e exímio conhecedor do mundo militar, juntou-se aos três fundadores e insistiu que a indústria bélica tinha futuro promissor. Com o fim da Guerra Fria, as empresas do setor estavam demitindo e fechando fábricas - ou seja, era uma boa hora para comprar barato.
          Os anos seguintes provaram que a História não tinha acabado, tampouco as guerras. E os investimentos em defesa começaram a dar certo. Com o sucesso de Carlucci, os fundadores do Carlyle perceberam que uma empresa de investimento sediada em Washington poderia ganhar muito dinheiro em setores diferenciados pelo governo, nicho desconhecido pelas rivais de Nova York. A sede do fundo de investimento Carlyle, está escondida no caminho entre a Casa Branca e o Capitólio, em apenas dois andares do número 1.001. Eles contrataram, então, o ex-presidente George Bush, o ex-secretário de Estado James Baker e o ex-primeiro ministro britânico John Major, entre outros. Até mesmo presidente Goerge W. Bush (o filho) foi conselheiro de uma das empresas do Carlyle, a Cater Air: o desempenho de Bush foi pífio e o investimento provou-se um dos maiores fracassos da história do grupo.
          Enquanto apostava fortemente em defesa, o Carlyle desenvolveu uma forma inovadora de levantar fundos - com investidores estrangeiros. Um mercado descoberto foi justamente o Oriente Médio, com seus príncipes e magnatas do petróleo, até então ignorados pelos fundos americanos. Para delírio dos teóricos da conspiração, a família Bin Laden, uma das mais ricas da Arábia Saudita, investiu 2 milhões de dólares num fundo de 1,3 bilhão de dólares. Pior: um irmão de Osama Bin Laden compareceu à conferência de investidores do Carlyle justamente no dia 11 de setembro de 2001. Lá estava também o ex-presidente Bush. Tem-se, então, a soma de ingredientes do suposto conluio, que durante muito tempo prosperou em páginas de internet (como www.umanovaer.com) e vídeos no YouTube: as famílias Bin Laden e Bush teriam se unido, por meio do Carlyle, para iniciar a guerra contra o terrorismo e lucrar com o aumento dos gastos de defesa - para surpresa de muitos, os extraterrestres ficaram de fora dessa conspiração.
          Por mais estapafúrdia que fosse, a teoria da conspiração causou estragos à imagem do Carlyle. Rubenstein e seus sócios iniciaram, então, a mais profunda transformação da história do grupo. A pedido dos fundadores, a família Bin Laden pegou seu dinheiro de volta. Os investimentos em defesa foram desfeitos. E os ex-membros do governo foram gentilmente aposentados. Foram contratados, então, executivos como Louis Gerstner, responsável por tirar a IBM do buraco nos anos 1990 e se tornou uma espécie de presidente do Carlyle. Essas mudanças de ordem cosmética somaram-se outras de natureza estratégica - estas, responsáveis por transformar o Carlyle na maior máquina de aquisições do planeta.
          A principal transformação foi a multiplicação de fundos. Enquanto seus principais concorrentes administravam meia dúzia de fundos, o Carlyle criou 55 diferentes, cada um com um objetivo. Há fundos dedicados a aquisições de empresas na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos.
          O resultado de tanta diversidade de atuação é uma caça incessante a projetos. Considerando dados de 2007, o Carlyle chegava a estudar de 8.000 a 10.000 empresas por ano. Para isso, contava com 515 profissionais de investimentos em 21 países. Maior comprador de empresas do mundo, o Carlyle controlava 201 companhias com faturamento somado de 87 bilhões de dólares. 
          No Brasil, em 2012, o fundo Carlyle comprou 70% da administradora de planos de saúde Qualicorp. Desfez-se algum tempo depois vendendo parte das ações para quem lhe vendeu, o fundador da Qualicorp José Seripieri Filho que voltou a ser o maior acionista da Qualicorp.
     
          E m 2015, capitaneado pelo presidente da operação brasileira, Fernando Borges, o Carlyle investiu cerca de 4 bilhões de reais em três aquisições. A maior delas foi uma participação  minoritária na rede D'Or, que custou 1,75 bilhão de reais.
          Em 2016, o Carlyle saiu da operadora de turismo CVC ao vender, junto com o fundador da companhia Guilherme Paulus, uma fatia de 45% por 1,2 bilhão de reais.
          No final de outubro de 2018, o Carlyle voltou às compras no Brasil, depois de dois anos, ao acertar a aquisição de uma fatia de 22,3% da rede de hamburguerias paranaense Madero, então com 139 restaurantes, por R$ 700 milhões. O acordo foi assinado logo após a eleição (28.10.2018) e, para ser efetivado, prevê processo de due dilligence (análise de dados financeiros). O negócio estimou o valor total do Madero em R$ 3 bilhões. Dos R$ 700 milhões a serem aportados pelo Carlyle, R$ 600 milhões devem ir para o caixa da empresa, e o restante, para o bolso dos sócios.
          Além de ser proprietária do rede Ri-Happy e sócio do Madero, o fundo Carlyle tem participação na cadeia de decoração TokStok, Os investimentos mais relevantes do fundo no país estão na Rede D'Or São Luiz, de hospitais, na universidade Uniasselvi e na empresa de serviços de assistência Tempo Participações.
(Fonte: revista Exame - 21.11.2007 / 17.11.2010 / 17.02.2016 / Estadão Conteúdo - 10.11.2018 / Exame - 20.03.2019 - partes)

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