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6 de out. de 2011

Cachaça (Caninha) Tatuzinho

          A ideia de criar em Piracicaba uma fábrica de bebidas partiu de Paschoal D´Abronzo, imigrante italiano vindo ao Brasil em 1896. Fixou residência em Piracicaba onde criou seus cinco filhos (Maria, Humberto, Luzia, Anna e Suzana). Em 1909, instala uma fábrica na Travessa Mania Maniero, Vila Rezende, e passa a produzir refrigerantes (“Jatubaína”, “Gengi-Birra”, “Gasosa”, “Maçã” e “Moranguinho”), xaropes (groselha, capilé, tamarindo, abacaxi, limão) e vinagre. Estava fundada a D'Abronzo Sociedade Anônima.
          No final dos anos 1930, Paschoal começou a engarrafar a pinga adquirida de um distribuidor, Antonio Basaglia. Ele vendia o aguardente em barris de 100 ou 200 litros. Porém, era um volume muito grande para o consumidor final. Seu filho, Humberto, teve a ideia de comprar os barris e envazar garrafas de 750 ml. (medida ainda utilizada pela maioria das garrafas de vinho). O mercado crescia e passaram a ser comprados tonéis de 5 mil e 10 mil litros. Foi uma revolução na época.
          “A decisão foi motivo de controversas na família, pois ela foi tomada por Humberto D´Abronzo durante viagem de seu pai, Paschoal”, diz Pasqual D´Abronzo Neto. Ele partiu de Piracicaba para Congonhas do Campo, Minas Gerais, a fim de se encontrar com parentes, numa época em que uma viagem dessas demorava uma semana e a visita se estendia por semanas. Naquela vez, ela durou três meses. Quando retornou, Paschoal viu Humberto transformar a fábrica de refrigerante em indústria de engarrafamento de caninha. Foi uma atitude de risco, mas que o tempo consolidou como lucrativo. A D´Abronzo cessa a fabricação de xaropes e refrigerantes em 1953 e um ano depois passa exclusivamente a engarrafar caninha.
          Humberto D´Abronzo é o exemplo de imigrante que soube aproveitar a vida. Era o tipo de pessoa que tinha por hobby o trabalho. Acumulava diversas funções (foi diretor do basquete masculino local, presidente do XV e lançou-se na política). Era um empreendedor nato. Tinha a filosofia de que só se ganhava dinheiro quando se gastava dinheiro. Era formado como contador, mas tinha uma visão mais ampla do mercado. Foi o responsável pela área comercial da Indústria de Bebidas Tatuzinho. “Como fabricante, não gostava da caninha pura, mas tinha uma queda pelo vinho nos almoços de família e, nas festas caseiras, exigia sempre batida de caninha com maracujá”, lembra seu filho Pasqual D´Abronzo. Como bom italiano, se aliou a um processo administrativo familiar condenado hoje pelos MBAs e administradores de sucesso. A diretoria da empresa era composta por familiares. Seus cunhados – Antonio Martinelli, Sisto Cório e Jorge César de Vargas – comandavam as negociações com o varejo, vendiam o produto e levavam o nome da “Noiva da Colina” para muitas cidades, principalmente do sul e sudeste brasileiros. Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e norte do Paraná eram os principais centros consumidores da Caninha.
          O nome “Caninha Tatuzinho” tem sua história. Caninha pois era feita com uma cana especial, mais fina. Pinga e cachaça sempre foram nomes pejorativos. Quem gosta de ser chamado de “pinguço” ou “cachaceiro”? Caninha dava um tom de aperitivo, base para coquetéis e batidas. Dizem que Tatuzinho veio em decorrência, sem comprovação histórica, de um indivíduo que, quando bebia, deitava e rastejava no chão como um tatu.
          Anna D´Abronzo diz que “produzir e engarrafar refrigerante nos anos 1940 era enfrentar concorrência com outras marcas que se proliferavam e a aguardente ainda era um mercado não explorado”. A cerveja ainda era um investimento alto e concentrado nas mãos de empresas de grande porte como a Brahma e a Antarctica. A gigante americana Coca-Cola começa a realizar violentas investidas no mercado brasileiro.       
          A Tatuzinho se expande comprando terrenos na travessa Maria Elisa e na avenida Rui Barbosa, em prédios ainda hoje existentes e utilizados pelo comércio da Vila Rezende.
          O processo unia o industrial e o manufaturado. Anna D´Abronzo recorda que após ser mecanicamente engarrafada e sua tampinha lacrada, funcionários da linha de produção colocavam uma fita de papel no gargalo que era o selo do governo para produtos industrializados e na sequência embalada em papel de seda e colocada em caixas. As caixas eram uma história à parte. Anna diz que “eram caixas de madeira, pesadas e que comportavam 24 unidades de garrafa”. Ela considera as atuais caixas de plástico um invento engenhoso. “As caixas de madeira não se estabilizavam uma em cima da outra, tinham seu fundo arrebentado facilmente fazendo com que as garrafas caíssem e quebrassem”. A Tatuzinho tinha um marceneiro que ficava à disposição da empresa 24 horas por dia para remendos nessas caixas, pois, se faltasse a caixa, o produto não poderia seguir para a venda. Possuía uma frota de 70 caminhões que a cada viagem transportavam 6 mil garrafas cada um.
          Máquinas do leste europeu e da Argentina foram adquiridas possibilitando o envazamento de até 45 mil garrafas por hora, capacidade na época alcançada apenas pela Brahma e Antarctica no segmento cervejeiro. No transporte de uma das máquinas, que pesava 62 toneladas, de Santos para Piracicaba, houve a necessidade de interromper o trânsito na Via Anchieta. A máquina ocupava a pista toda. A D´Abronzo instala 12 tonéis de 800 mil litros cada um em sua chácara situada no bairro Itaperu para atender a demanda nacional.
          A D´Abronzo Sociedade Anônima fabricou a Caninha Tatuzinho de meados dos anos 1940 a 1969. Quando vendida em 1969, os novos proprietários decidiram dar continuidade a um mercado já conquistado, sendo que por anos a Tatuzinho foi a mais consumida no território nacional. Hoje, o produto, apesar de dificilmente ser encontrado nos super e hiper mercados locais, ainda tem a apresentação pela qual se notabilizou. “O Grupo 3 Fazendas manteve o mesmo rótulo (criado por Felício Rotundo, dono de uma gráfica em São Paulo que fazia embalagens para a Kibon), o mesmo nome e a mesma composição alcoólica da caninha Tatuzinho fabricada nos anos 1950 e 1960 demonstrando ser ainda um produto que provoca a venda”, diz Pasqual D´Abronzo Neto.
          Comerciais nas emissoras de rádio eram comuns. Como na época a tv ainda estava em desenvolvimento, o grande entretenimento das massas era o rádio. Os principais programas de auditório tinham o patrocínio da Tatuzinho. Isso na capital paulista, no Rio de Janeiro e no Paraná. O jingle “Me abre a garrafa” foi veiculado nas rádios e nas tvs por mais de cinco anos. Caiu no gosto público, assim como o aperitivo.
          Nas principais rádios do interior paulista, a Tatuzinho patrocinava os programas de auditório, as transmissões esportivas e os programas de futebol. A TV Record e a TV Tupi foram as principais propagadoras da marca Tatuzinho em todo o país. Conseguiu-se, também, após muita negociação, que o jornal “Gazeta Esportiva” aceitasse colocar abaixo de seu cabeçalho na primeira página o slogan “Tatuzinho – O Melhor Aperitivo Nacional”, algo inconcebível para a liberdade de imprensa.
          Um fator interessante a se ponderar é que a Caninha Tatuzinho, considerando o ano de 2006, cultivava ainda uma extensa lembrança na mente do consumidor, principalmente pela maciça divulgação feita nos anos 1960. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro da Cachaça apresentam um fato curioso. A Caninha Tatuzinho é uma das quatro marcas mais consumidas no mercado brasileiro de cachaça. Ela detinha 7,2% do mercado, segundo estimativas para 2006 apontadas pelo Instituto, embora o consumo interno viesse diminuindo num ritmo de 2 a 3% ao ano e a exportação tinha se estagnado nos últimos cinco anos.
          Quem não se lembra do bordão “O melhor aperitivo nacional” ou do jingle veiculado nas rádios e tvs que cantava “Ai tatu, Tatuzinho, me abre a garrafa e me dá um pouquinho”? Por volta de 2005, um documentário veiculado pela TV Cultura apontou esse comercial como um dos cem mais lembrados pelo consumidor. A Rede Globo, quando exibiu especiais sobre os seus 30 anos, incluiu o comercial num desses programas. É possível encontrar referências desse comercial no Youtube (www.youtube.com).
          Anna D´Abronzo, diretora-secretária por quase 30 anos da D´Abronzo Sociedade Anônima, lembra que, desde a venda em 1969 da marca para o Grupo Três Fazendas (hoje Indústrias Reunidas de Bebidas Tatuzinho 3 Fazendas, com sede em Rio claro), tornou-se clara que a propaganda em cima da bebida diminuiu. Durante muito tempo foi comum ligar Piracicaba à marca Tatuzinho, embora a fábrica situada na Unileste tenha sido desativada.
          Publicitários conhecem este fenômeno e dizem que, quanto maior a massificação na divulgação de uma marca, maior será sua lembrança no consumidor. Daí surgiram as corriqueiras pesquisas top of mind, lembrando a marca que primeiro vem à cabeça do comprador. Quem não se lembra da cerveja número um ou da cerveja dos amigos? São peças que mesmo tendo passado mais de dez anos desde o término da divulgação, ainda merecem um espaço em nossa lembrança.
          O publicitário Osvaldo Luis Baptista, professor da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e tecnólogo do marketing no varejo, lembra que “a propaganda age como um tempero na mente do consumidor, pois a memória tem lembrança de coisas que fazem da nossa vida um momento inesquecível”. Ele até se recorda de publicidades da Caninha Tatuzinho vistas e ouvidas quando era criança e, portanto, quando não tinha idade apropriada para ser um consumidor da bebida. “A explicação mais plausível é a frequência e impacto da mensagem e envolvendo a mídia de massa, pontos de venda que, nesse caso, seriam os bares, empórios, armazéns, enfim, todo varejo de bebidas”.
(Fonte: jornal A Província - Piracicaba - 24.10.2012 - texto original de Edson Rontani Júnior -Matéria publicada no Jornal de Piracicaba de outubro de 2006).

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