O nome é auto-explicativo. Os 83 japoneses e descendentes que em 1927 fundaram a Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia juntaram suas forças para plantar e comercializar batatas a 27 quilômetros da capital paulista, em Cotia. A ideia veio dos lavradores recém-saídos do sistema de colonato e desiludidos com a demora em ganhar dinheiro com café. A sede do grupo, anos depois, foi transferida para a região do Largo da Batata - no bairro de Pinheiros, zona oeste paulistana. A Cooperativa Agrícola de Cotia - CAC, não cabia em si mesma de grande. Tornou-se a senhora, a rainha, a maior das cooperativas brasileiras, com um reinado quase septuagenário. Em poucas décadas, a cooperativa diversificou a produção e abriu filiais em Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Nos anos 1980, a CAC chegou a ser uma das 50 maiores empresas do Brasil. Tinha 15.000 associados espalhados por catorze estados brasileiros.
Em meados de 1993, todavia, a CAC, como também ficou conhecida, então responsável por 30% do abastecimento de hortifrutigranjeiros da Grande São Paulo, estava à míngua, sob uma dívida de quase 800 milhões de dólares com bancos, fornecedores e clientes. Um pool de 82 bancos credores, estava montando uma operação de socorro. Além dos bancos, o governo federal e o de São Paulo estavam à frente das negociações.
Com rachaduras provocadas por apostas estratégicas equivocadas, benevolência com associados que não quitavam seus débitos e a cantinela de planos econômicos que se sucedeu desde o início da Nova República, a CAC ruiu de vez em 30 de setembro de 1994. A assembleia daquele dia decretou a extinção da sociedade e a liquidação de seu patrimônio para cobrir débitos que em valores da época, chegavam a US$ 900 milhões. Dois anos antes, a cooperativa chegou a ter 16 mil funcionários, e faturamento de US$ 1,1 bilhão. Em 1998, seus arquivos foram doados ao Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, no bairro da Liberdade em São Paulo.
No fim dos anos 1980, no suspiro que precede o passamento, a CAC era "a" cooperativa. Com sua opulência titânica, era não apenas a maior do gênero do país, mas também da América Latina e do mundo. De soja, milho e trigo foi a principal produtora nacional até 1992. Em hortifrutigranjeiros, era responsável por 30% do abastecimento da grande São Paulo.
Com a Agroflora, a cooperativa era a maior produtora nacional de sementes de hortaliças. Mesmo no então diluído mercado nacional de fertilizantes, ostentava uma lustrosa medalha de prata, com 8% de participação - à frente da CAC, apenas o grupo Trevo; atrás dela, um batalhão de empresas que desapareceram do mercado: Manah, Solorrico, Fertiza, Fertibrás, Takenaka e Iap.
Nas cercanias do cinquentenário da cooperativa, os associados chegaram à conclusão óbvia: já não havia mais condições logísticas para reunir todo mundo nas assembleias gerais. Segundo o ex-cooperado Américo Utumi, que entre 1952 e 1992, passou de contínuo a vice-presidente da CAC, foi preciso alugar um cinema na rua Teodoro Sampaio (nos arredores do Largo da Batata) para as assembleias, fazendo referência ao Cine Brasil, falecido como a CAC.
Se nem cinema dava conta do povo todo, era hora de descentralizar a atuação. Foram criadas, então, oito regionais da CAC, autônomas e que compareciam às assembleias gerais em São Paulo.
Para ficar num só exemplo da sequência de desmontagem da cooperativa, em 27 de março de 2009, dado um jeitinho, a ex-maior cooperativa que se tem conhecimento coube no salão do júri do Fórum de Mogi das Cruzes (SP) para leilão de mais uma parte do que restou de seu patrimônio. Quinze anos depois de morrer, a Cooperativa Agrícola de Cotia continuava a ser desmontada (os leilões iniciaram em 2003), mas havia ainda muito desmonte pela frente.
A Cooperativa Agrícola de Cotia - CAC, com suas transações de tubérculos, deu nome ao Largo da Batata. Nos anos 1950, os armazéns da Cooperativa dominavam o Largo. Seu fim foi o golpe de misericórdia numa das mais tradicionais áreas do bairro, o largo da Batata. De próspero centro de compras, transformou-se num local poluído e barulhento, sufocado por um terminal de ônibus. lojas tradicionais deram lugar a ambulantes ilegais, casas de show clandestinas e prostíbulos.
Alguns anos antes de falir, a CAC pretendia erguer um shopping center em seu terreno no largo. Do sonho restou apenas uma estrutura metálica abandonada. Já com a CAC descartada, no final de 2002 as perspectivas para o local eram excelentes. Se corresse tudo como o planejado, aquele mesmo local seria motivo de orgulho para o bairro de Pinheiros. Nele surgiriam um centro cultural e uma moderna torre de escritórios. Diante dos dois edifícios haveria uma agradável esplanada cortada pela avenida Brigadeiro Faria Lima, remodelada com uma suave curva. O projeto foi concebido pelo arquiteto Livio Frascino. Mas o realizado ficou longe do planejado. Somente uma década e meia depois, por volta de 2017, o local passou a apresentar ares urbanizados.
Ao vencedor, as batatas. A CAC, às batatas.
(Fonte: arquivo Chácara Jockey / revista Exame - 09.06.1993 / jornal Valor - 02.04.2009 - Patrick Cruz / Brasil Econômico - Lurdete Ertel - 13.03.2012 / Veja São Paulo - 25.04.2018 - partes )
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