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4 de out. de 2011

Ricardo Eletro / Máquina de Vendas (Ricardo Eletro+Insinuante) / Ricardo Eletro

Ricardo Eletro          
          Um eficiente apelo popular - apoiado sobretudo num crediário a perder de vista - impulsionou, no Brasil, o crescimento de um seleto grupo de varejistas de móveis e eletrodomésticos. O representante máximo deste fenômeno é a paulista Casas Bahia (vide origem da marca Casas Bahia neste blog). Nenhum outro empresário desse clube, no entanto, traçou uma trajetória tão precoce e fulminante quanto o mineiro Ricardo Nunes. Em menos de duas décadas, Nunes partiu do ponto zero - zero mesmo - para tornar-se dono de uma das maiores redes de lojas de varejo do país, a Ricardo Eletro.
          Sua trajetória empreendedora começou cedo e teve profunda influência de seu pai, um comerciante de bijuterias. O pai de Ricardo morreu quando ele era criança. Aos 18 anos, ele começou a repetir todas as semanas o roteiro profissional preferido de seu pai - ir a São Paulo para buscar mercadorias e vender em sua terra natal, Divinópolis, no interior de Minas Gerais. Mas, em vez de trazer bijuterias na bagagem, Nunes passou a comprar bichos de pelúcia para revendê-los pelo dobro do preço.
          A família vendeu um carro para montar uma pequena loja e, com o lucro trazido pelos ursos de pelúcia, Nunes passou a revender também eletrodomésticos - por um preço bem mais baixo do que o oferecido pela concorrência. A fundação da empresa é datada de 1989. Deixou de vender os bichos de pelúcia em 1994, quando passou a comprar equipamentos diretamente dos grandes fabricantes.
          Nunes atribui a expansão da empresa como resultado de uma maneira bem peculiar de fazer negócios. Cerca de 3% de seu faturamento é investido num tipo de publicidade que poderia ser chamada de personalista (Não esqueça: a rede leva seu próprio nome). Vale o bordão "Aqui você fala direto com o dono" e até um programa em uma rádio de Divinópolis foi ao ar, onde ele atendia clientes por telefone e negociava ao vivo o preço dos produtos. Com três celulares ele atende também os vendedores que, em frente ao cliente, negociam descontos. O único sócio de Ricardo era seu irmão Rodrigo.
          Considerando dados de novembro de 2006 a Ricardo Eletro tinha um faturamento em torno de 850 milhões de reais, possuía 135 lojas, em Minas Gerais, Espírito Santo, Sergipe e Bahia. Foi justamente na Bahia, mais precisamente em Salvador, mercado dominado pela varejista Insinuante, que a Ricardo Eletro entrou como franco-atiradora. Entrou na região com 20 lojas de uma só vez, em dezembro de 2005.
          Em meados de 2009, a Ricardo Eletro resolveu seguir os passos das Casas Bahia e investir no crescente mercado de comércio eletrônico. Até então, a Ricardo Eletro tinha presença tímida, com 1000 itens disponíveis. Com a expansão, que inclui um centro de distribuição exclusiva, seriam pelo menos 10.000 itens.
Máquina de Vendas (Ricardo Eletro + Lojas Insinuante)
          Na tarde de 11 de janeiro de 2010, Ricardo Nunes, fundador e presidente da Ricardo Eletro, em Belo Horizonte, telefonou para Luiz Carlos Batista, dono da rede de lojas Insinuante, com sede em Feira de Santana, na Bahia, a 300 quilômetros de Salvador, propondo a junção das companhias. De imediato, Batista achou que a ideia poderia vingar.
         Encontraram-se já na semana seguinte, em São Paulo, para não levantar suspeitas, mantendo sigilo nas negociações, que se estenderam por quase três meses. Os contatos incluíram, além de conversas diárias, pelo menos cinco encontros com parentes de ambos os lados.
          Bem pela manhã de um sábado, 27 de março de 2010, foi batido o martelo. Nunes e Batista voltaram para suas bases para buscar os familiares. No dia seguinte, mais de 20 pessoas estavam em São Paulo, vestidas em traje de festa, para participar de um jantar comemorativo à criação da nova empresa.
          A nova empresa recebeu o nome de Máquina de Vendas, para desempenhar o papel de uma "máquina de vendas". As redes tinham características complementares e a união das forças poderia criar uma potência no varejo nacional, com meta de dobrar de tamanho em quatro anos, disseram Nunes e Batista em conjunto.
          A despeito do clima de euforia que permeou o anúncio da fusão, era pouco provável que os dois empresários teriam vida fácil dali para a frente. Isso porque, para crescer, a Máquina de Vendas escolheu justamente os dois maiores e mais disputados mercados do país: o Rio de Janeiro e São Paulo. As duas regiões eram redutos cativos de Casas Bahia e Ponto frio, que detinham robustos 30% e 35% de participação, respectivamente, e o Magazine Luiza corria por fora.
          Com faturamento bruto ao redor de R$ 4,1 bilhões por ano, foi criada em 2010, a empresa chamada "Máquina de Vendas" resultado da fusão da rede Ricardo Eletro, com sede em Belo Horizonte (MG) e a rede Insinuante, com sede em Feira de Santana (BA). Para manter discrição no período de negociações, os fundadores, Luiz Carlos Batista (da Insinuante) e Ricardo Nunes se encontravam em São Paulo.
          No momento da fusão, a empresa tinha 528 lojas (268 da Ricardo Eletro mais 260 da Insinuante); 15.000 funcionários (7.500 de cada uma); sete centros de distribuição (5 da Ricardo Eletro e 2 da Insinuante); e um faturamento de 4,1 bilhões de reais (2,1 da Ricardo Eletro e 2,0 da Insinuante). Os nove estados em que a Ricardo Eletro estava presente, somados aos 12 da Insinuante, resultaram numa abrangência de 16 estados. Ambas as empresas vinham crescendo incríveis 50% ao ano, ante 15% da média do setor de eletrodomésticos.
          Em 2013, a empresa apresentava um faturamento de 9,1 bilhões de reais, 1000 lojas e 30 mil funcionários.
          Em 2014, no auge, o grupo chegou a quase R$ 10 bilhões em vendas, com 1,2 mil lojas e 25 mil funcionários. A empresa chegou a ser a segunda maior cadeia de eletrônicos do país em número de lojas. A partir desse momento, porém, passou a registrar prejuízos, sem gerar ganhos de sinergia com as aquisições de empresas e com vendas já afetadas pela maior competição.
          No 1º semestre de 2015, nuvens cinzentas surgiram no horizonte. No mesmo ano (2015), a consultoria de Enéas Pestana, ex-presidente do grupo Pão de Açúcar, foi contratada para fazer uma reestruturação. O Próprio Pestana assumiu a empresa por cinco meses, mas saiu em seguida. Não ficou claro o motivo da descontinuidade do trabalho.
          Os números (da Máquina de Vendas) do 1º semestre de 2015, porém, não foram nada alvissareiros. Formada então pelas redes Insinuante e Eletro Shopping no Nordeste (este, adquirido em 2011 do fundador Richard Saunders); Ricardo Eletro, com foco no Sudeste; Salfer (adquirida em 2012, com sede em Joinville), no Sul; e City Lar, incorporada em 2010, com lojas no Centro-Oeste, a rede continuava com o hercúleo desafio de promover sua integração. O modelo de negócio mantinha os sócios separadamente em suas operações regionais. Com o passar do tempo, desentendimentos na condução da operação e na relação entre os acionistas levou a saída de quase todos os sócios — o que teria gerado maior instabilidade nas equipes.
          A partir de 2015, a operação da Máquina de Vendas começou a dar sinais de problemas. Já mais alavancada na época, passou a renegociar dívidas, alongar pagamentos e buscar capital no mercado, depois de um crescimento por meio de um modelo que se mostrava pouco eficiente. Ricardo Nunes deixou a direção da rede em 2015 e passou ao conselho de administração, até sair do grupo três anos depois.
Ricardo Eletro (Fase II)
          Em fevereiro de 2016, o grupo de varejo de eletroeletrônicos decide deixar de operar com as marcas Insinuante, City Lar, Salfer e Eletroshopping. Todas as lojas dessas bandeiras foram transformadas em pontos de venda Ricardo Eletro, a única marca que restou no grupo.
          A escolha da Ricardo Eletro como marca única tem relação não só com a percepção de que a bandeira tem mais expressão, em comparação às outras do grupo, mas também pelo fato de a rede ter forte posição em mercados representativos em termos de vendas, como Rio de Janeiro e Minas Gerais.
          As redes locais foram sendo convertidas na nova marca gradativamente e a característica regional continuaria regendo a atuação da companhia. Para mostrar a união das marcas, as lojas funcionariam com sua bandeira tradicional e com a logomarca da Ricardo Eletro. Nas ações de marketing, com o objetivo de divulgar a união do Grupo Máquina de Vendas, o próprio Ricardo Nunes era o garoto propaganda da campanha. A Máquina de Vendas tem aproximadamente mil lojas no país em 23 estados e no Distrito Federal.
         Algumas melhorias foram feitas em 2017, quando os bancos credores da Máquina de Vendas contrataram a McKinsey para a reestruturação. Os sistemas de vendas foram unificados. Dos oito que funcionavam de forma paralela até então, sobrou apenas um.
          Em 2017, porém, o valor das vendas já havia caído para R$ 6 bilhões, com 650 lojas e 13 mil empregados. Entre 2015 e 2017, a receita caiu cerca de 40%. O quadro foi se deteriorando mais com as crises econômicas de 2016 e 2020, que afetaram duramente o consumo.
          Em agosto de 2018, a Máquina de Vendas conclui a sua reestruturação. A Starboard, gestora de private equity que ficará com 72,5% da varejista, por R$ 250 milhões, está buscando um novo presidente para comandar a rede de lojas. Ricardo Nunes terá 15% da Máquina de Vendas depois do arranjo e Luiz Carlos Batista, outros 12%.
          O acordo negociado com 20 fornecedores, que respondem por 78% da dívida de R$ 1,5 bilhão para com a indústria de eletroeletrônicos, abre a possibilidade de as lojas voltarem a receber produtos. Em 25 de agosto, a Máquina de Vendas protocolou seu pedido de recuperação extrajudicial no Fórum Central de São Paulo. A empresa deve a 250 fornecedores.
          Em setembro de 2018, a Máquina de Vendas (Ricardo Eletro) contrata o executivo Luiz Wan-Dall, vindo da Atlas Eletrodomésticos, para CEO da companhia. Ricardo Nunes, que exercia a função, passa a ser co-CEO.
          Após 2018, com dívidas em crescimento (chegaram a R$ 2,5 bilhões naquele ano), a companhia começou a enfrentar um acelerado processo de encolhimento dos negócios, pela maior dificuldade de renovação de linhas de financiamento da indústria e aperto do crédito por parte dos bancos. Ricardo Nunes, um dos últimos sócios da formação do negócio, deixou a sociedade no fim de 2018.
          Desde 2019, a Ricardo Eletro encontra-se em recuperação judicial, oficialmente sem condições de arcar com suas dívidas, que somavam cerca de R$ 3 bilhões. A rede já fechara várias lojas no país e chegou a encerrar sua operação no Mato Grosso.
          O plano de recuperação judicial obteve apoio da maioria com a retirada dos bancos no grupo de credores aptos para a análise do plano — ao perceber que o plano não passaria com os bancos no grupo de credores, a empresa manteve as condições da renegociação anterior com as instituições.
          Na manhã de dia 8 de julho de 2020, Ricardo Nunes foi preso na Operação Direto com o Dono, deflagrada pelo MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais) em parceria com a Secretaria da Fazenda mineira e a Polícia Civil, de acordo com informações da Globonews. Segundo a emissora, Nunes foi preso no estado de São Paulo. O fundador da Ricardo Eletro é acusado de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. Segundo o MP-MG, a operação, que investiga mais empresários do ramo de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, apura a sonegação de cerca de R$ 400 milhões em impostos que deveriam ter sido pagos ao estado de Minas Gerais. Nunes foi solto logo após prestar depoimento.
          A Ricardo Eletro fechou o restante de lojas (cerca de 300) que possuía, no segundo semestre de 2020 e passou a operar apenas pelo site, com pequeno portfólio de produtos — por conta das limitações de crédito, já deixou de vender eletrodomésticos e itens de informática, por exemplo.
          A empresa teve o plano (de recuperação judicial) aprovado em 16 de setembro de 2021, mas a homologação foi suspensa pela Justiça em razão de liminares concedidas pelo juiz do caso.
          O endividamento total da empresa, incluindo passivos em recuperação, era de cerca de R$ 4,6 bilhões ao fim de 2021.
          Em 8 de junho de 2022, a Justiça de São Paulo decretou a falência da rede varejista Ricardo Eletro após dois anos do pedido de recuperação judicial da companhia. A decisão de transformar a recuperação judicial em falência envolve diferentes empresas ligadas à sua controladora, a Máquina de Vendas. Algumas horas mais tarde, em 9 de junho de 2022, para tentar reverter a situação, o comando entrou com recurso junto à 2ª Câmara de Direito Empresarial de São Paulo.
          O juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo, Leonardo Fernandes dos Santos, determinou a falência da companhia por conta de “esvaziamento patrimonial” da empresa, levando à inviabilidade financeira do negócio. O grupo varejista se diz surpreso com a decisão e afirma que o esvaziamento refere-se “a ajuste contábil feito pela baixa de estoque operacional decorrente do fechamento de lojas, e como é esperado, houve ajuste para saldo de estoque”, informa.
Ainda nega que tenha ocorrido esvaziamento por “fraude ou desvio de valores”.
          “Além disso, acrescente-se o fato de que, no momento do fechamento das lojas, boa parte do estoque foi vendido em ‘queima’ para geração de caixa e liquidez imediata”, diz no recurso encaminhado em 9 de junho. Não houve pedido de falência por parte dos credores, segundo documentação arquivada no processo. O recurso ainda afirma que a decisão judicial gera maior insegurança para a marca, e que a empresa busca retomada das atividades com plano de recuperação judicial e reestruturação das dívidas.
          A empresa é presidida por Pedro Biachi, ex-executivo da empresa de reestruturação Starboard. Segundo documentos do plano de recuperação, a Máquina de Vendas Brasil (dona da Ricardo Eletro) é controlada pela MV Participações, que por sua vez tem 90,3% de suas ações nas mãos de um fundo de participações.
          Em 13 de junho de 2022, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial de São Paulo determinou a suspensão da decretação da falência da Ricardo Eletro, e sua controladora Máquina de Vendas Brasil, de maneira que a empresa poderá voltar a avançar em seu processo de recuperação judicial. A suspensão da decisão é válida até o julgamento do recurso pelo colegiado em segunda instância.
(Fonte: revista Exame - 08.11.2006 / 12.08.2009 / jornal Valor Online - 30.06.2015 / jornal Valor - 18.02.2016 / Noticenter (SC) 18.02.2016 / jornal Valor - 21.08.2018 / 28.08.2018 / revista Exame - 05.09.2018 / UOL - 08.07.2020 / Valor - 09.06.2022 / 13.06.2022 - partes)

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