Em 2003, a Unimed Paulistana ainda estava saudável a ponto de poder incorporar os 500.000 usuários da Unimed São Paulo, o plano paulistano que fechou as portas naquele ano.
Os anos seguintes, porém, não foram nada promissores. Um aumento vertiginoso de sua dívida, começou a mostrar que um desfecho catastrófico seria inevitável. De 167 milhões de reais que a companhia devia em 2005, o salto foi para 2,5 bilhões de reais em 2015.
Afora os problemas de gestão, das suspeitas de ilegalidades e do crescimento da dívida, o maior convênio da capital trilhou um caminho complexo no tocante aos tributos. Até 2008, impostos como o ISS não eram honrados. No entendimento da direção, que recorreu à Justiça para fazer valer sua tese e se defender da acusação de sonegação, os médicos já pagavam tais tarifas no que era relacionado a sua atuação. Dentro dessa lógica, a companhia deveria bancar apenas a fatia de tributos relativos à operação administrativa. Nem essa parte, no entanto, era depositada, e nada ia parar no balanço anual. Pior: a empresa não separava o montante devido, para posterior recolhimento caso isso fosse determinado pelos tribunais.
A farra acabou em 2008, quando a ANS começou a exigir a inclusão desse passivo na contabilidade.
Outro motivo apontado como vilão para o déficit seria uma característica do sistema Unimed. Pelo acordo entre as cooperativas, quando uma delas atende o cliente de outra em sua jurisdição, o valor da consulta deve ser pago pela Unimed original. A isso chama-se intercâmbio. Segundo ex-dirigentes, esses depósitos costumam atrasar de forma geral. No casa da Unimed Paulistana - que realizava cerca de 30% dos atendimentos pelo sistema de intercâmbio -, a prática casou mais estragos.
O quadro de infecção generalizada obrigou a ANS a intervir em diversas ocasiões, nomeando um auditor em 2007 e 2013, para vigiar a diretoria financeira. Em 2009, o órgão regulador foi mais longe e afastou o então presidente, Mário Santoro Júnior, no cargo desde 2007. Em seu lugar, assumiu o reumatologista Paulo José Leme de Barros, que deu um alento à Unimed com um sensível aumento da quantidade de clientes, mas o período de bonanza durou pouco. Em 2012, a ANS agiu de outra forma na companhia, impedindo a venda de várias modalidades de plano, por problemas no atendimento e excesso de reclamações de usuários. No mesmo ano, os 2500 médicos cooperados na época tiveram de efetuar um aporte emergencial de 90 milhões de reais para quitar dívidas.
Esse polpudo valor e o fato do anúncio da decisão ter sido feito no meio de uma assembleia, sem aviso prévio, enfureceu a tropa. A medida impopular causou uma debandada de profissionais. Intervenção da ANS, explosão da dívida, fuga de médicos e pacientes insatisfeitos. Esse era o cenário em agosto de 2014, quando a direção da empresa levou 138 corretores do mercado para uma viagem de cinco dias na África do Sul, com direito a safáris pelas savanas e acomodações luxuosas em hotel cinco-estrelas, por 1,2 milhão de reais. A excursão alastrou o ódio entre os cooperados, aqueles que haviam sido convocados a salvar o grupo do buraco.
A crise estourou em 2 de setembro de 2015, quando a ANS decretou a alienação da carteira da seguradora, por causa de problemas de gestão. Em suma, a empresa foi forçada a repassar seus clientes e outras operadoras. Na época, a agência reguladora estipulou que os "desabrigados" deveriam ser recebidos em até trinta dias em outros braços da Unimed (apesar do prefixo em comum, os negócios funcionam de modo independente), nas mesmas condições de preço, carência e cobertura que eles usufruíam na Paulistana. Mas isto não aconteceu de forma simples. Uma miríada de percalços foi enfrentada por centenas de usuários do convênio.
Após agonizar no anúncio da alienação da carteira, a Unimed Paulistana sofreu o golpe final em fevereiro de 2016, com a decisão da ANS de decretar sua liquidação extrajudicial. Com isso, seu prédio administrativo, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, onde trabalhavam noventa funcionários, foi lacrado. Mais de um mês depois, não era incomum encontrar ex-clientes meio perdidos, batendo na porta de ferro em busca de informações. Os únicos que circulavam por ali eram o advogado Fabiano Fabri Bayarri e seus dois assistentes, indicados pela ANS. Em meio a caixas de papelão repletas de documentos, computadores embalados, mesas e cadeiras empilhadas nos cantos das salas, eles tinham a missão de realizar um levantamento dos bens (que incluíam dois imoveis e um terreno e vendê-los para liquidar as dívidas trabalhistas com 3.500 demitidos, além de hipotecas, impostos e débitos com fornecedores.
Cerca de 740.000 paulistanos tinham a carteirinha do convênio. Vários clientes enfrentaram problemas sérios. Por dezenas de hospitais e consultórios pipocaram epopeias de pacientes deixados à própria sorte, que arcaram com as consequências da falta de atendimento ou gastaram com cirurgias e internações, devido ao colapso dos negócios. Foi uma falência de 740.000 vítimas.
(Fonte: revista Veja São Paulo - 23.03.2016)
O quadro de infecção generalizada obrigou a ANS a intervir em diversas ocasiões, nomeando um auditor em 2007 e 2013, para vigiar a diretoria financeira. Em 2009, o órgão regulador foi mais longe e afastou o então presidente, Mário Santoro Júnior, no cargo desde 2007. Em seu lugar, assumiu o reumatologista Paulo José Leme de Barros, que deu um alento à Unimed com um sensível aumento da quantidade de clientes, mas o período de bonanza durou pouco. Em 2012, a ANS agiu de outra forma na companhia, impedindo a venda de várias modalidades de plano, por problemas no atendimento e excesso de reclamações de usuários. No mesmo ano, os 2500 médicos cooperados na época tiveram de efetuar um aporte emergencial de 90 milhões de reais para quitar dívidas.
Esse polpudo valor e o fato do anúncio da decisão ter sido feito no meio de uma assembleia, sem aviso prévio, enfureceu a tropa. A medida impopular causou uma debandada de profissionais. Intervenção da ANS, explosão da dívida, fuga de médicos e pacientes insatisfeitos. Esse era o cenário em agosto de 2014, quando a direção da empresa levou 138 corretores do mercado para uma viagem de cinco dias na África do Sul, com direito a safáris pelas savanas e acomodações luxuosas em hotel cinco-estrelas, por 1,2 milhão de reais. A excursão alastrou o ódio entre os cooperados, aqueles que haviam sido convocados a salvar o grupo do buraco.
A crise estourou em 2 de setembro de 2015, quando a ANS decretou a alienação da carteira da seguradora, por causa de problemas de gestão. Em suma, a empresa foi forçada a repassar seus clientes e outras operadoras. Na época, a agência reguladora estipulou que os "desabrigados" deveriam ser recebidos em até trinta dias em outros braços da Unimed (apesar do prefixo em comum, os negócios funcionam de modo independente), nas mesmas condições de preço, carência e cobertura que eles usufruíam na Paulistana. Mas isto não aconteceu de forma simples. Uma miríada de percalços foi enfrentada por centenas de usuários do convênio.
Após agonizar no anúncio da alienação da carteira, a Unimed Paulistana sofreu o golpe final em fevereiro de 2016, com a decisão da ANS de decretar sua liquidação extrajudicial. Com isso, seu prédio administrativo, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, onde trabalhavam noventa funcionários, foi lacrado. Mais de um mês depois, não era incomum encontrar ex-clientes meio perdidos, batendo na porta de ferro em busca de informações. Os únicos que circulavam por ali eram o advogado Fabiano Fabri Bayarri e seus dois assistentes, indicados pela ANS. Em meio a caixas de papelão repletas de documentos, computadores embalados, mesas e cadeiras empilhadas nos cantos das salas, eles tinham a missão de realizar um levantamento dos bens (que incluíam dois imoveis e um terreno e vendê-los para liquidar as dívidas trabalhistas com 3.500 demitidos, além de hipotecas, impostos e débitos com fornecedores.
Cerca de 740.000 paulistanos tinham a carteirinha do convênio. Vários clientes enfrentaram problemas sérios. Por dezenas de hospitais e consultórios pipocaram epopeias de pacientes deixados à própria sorte, que arcaram com as consequências da falta de atendimento ou gastaram com cirurgias e internações, devido ao colapso dos negócios. Foi uma falência de 740.000 vítimas.
(Fonte: revista Veja São Paulo - 23.03.2016)
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