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6 de out. de 2011

Caloi

           Quem, com mais de 50 anos, não se lembra do menino escrevendo um bilhetinho para o pai no Natal "Pai, não esqueça da minha Caloi"?  
           A Caloi foi fundada pelo imigrante italiano Luigi Caloi no final do século XIX. Bruno Antônio Caloi (BAC), assumiu em 1955, fez prosperar e transformou a empresa em uma gigante. Com a crise por que passou o país em 1991, como reflexo do Plano Collor de 1990, a empresa também foi diretamente afetada.
           O então presidente da empresa Bruno Caloi, neto de Luigi, deu ordem para que desempacassem um programa de modernização concebido já em 1988.
           Em número de quatro unidades de negócios, cada uma ganhou gerência própria, com autonomia para gerir a política de compras e a produção. Centralizou-se na fábrica principal, em São Paulo, a montagem das bicicletas com as partes produzidas pelas demais unidades - todas também recicladas para o emprego do just-in-time e do kanban na organização do fluxo de materiais da empresa. Tudo isso coincidiu com a chegada de máquinas importadas da Itália, concluindo investimentos de 3 milhões de dólares.
           O programa de modernização chegaria também às coligadas Ducor e Cairú, instaladas em São Paulo e encarregadas da produção de selins e pedais, e na Caloi Norte, em Manaus, fabricante de bicicletas especiais e ciclomotores.
          A harmonia familiar seria peça-chave para a transição entre os dois momentos de um grupo que começou como uma oficina de uma porta e que, ao crescer, acreditou que seu poderia ser capaz de suportar qualquer experimento - mesmo fracassado, como o lançamento da moto Vespa, em 1985, com a qual perdeu 7 milhões de dólares nos dois anos em que tentou viabilizar a marca no país.
          O auge da Caloi foi entre os anos 1970 e meados dos 1990. Após uma tentativa inglória de lidar com a escalada inflacionária, os malsucedidos planos econômicos e a concorrência externa, BAC passou a dar pedaladas em falso.
          No final de fevereiro de 1995, ainda aparentemente saudável, a Caloi, então a maior fabricante do produto no país, lançou de uma só vez 22 modelos de mountain bike, entre eles algumas das versões mais sofisticadas da empresa, feitas de alumínio. Bruno Caloi Junior era o diretor de operações da empresa.
          Entre 1997 e 1998, a perda de controle levou Bruno Antônio Caloi a recorrer aos serviços do consultor Edson Vaz Musa, ex-presidente da multinacional Rhodia, contratado para sanear as contas. Debalde. Nos estertores, BAC pediu ao BNDES um vultoso empréstimo, que, além de não resolver a situação, se tornaria uma bola de neve impagável.
          Em 1999, Bruno Caloi se viu forçado a se desfazer da empresa. Comprou-a o próprio Edson Vaz Musa. A intrincada negociação envolveu acordos mal alinhavados, que resultaram em uma pendenga judicial que se arrasta até hoje.
          BAC recebeu R$ 1,8 milhão, a ser quitado em 30 meses. De acordo com as tratativas, Edson Musa deveria vender o terreno de 107 mil m² da fábrica, na Marginal Pinheiros, em São Paulo, e destinar um percentual do valor à família Caloi.
          O que nunca ficou claro é quem pagaria a dívida do BNDES. Pelo acordo, Musa "empenharia os melhores esforços" para quitá-la. A expressão, vaga, dava a ele a possibilidade de empenhar muitos esforços ou nenhum. Na época, o montante era de R$ 35 milhões.
          Previsivelmente, Edson Musa logo informaria a Bruno Caloi que não conseguira negociar a dívida com o banco. O BNDES passou a cobrá-la de Caloi. Numa tentativa de resolver o imbroglio, Musa se propôs a assumir a dívida, desde que ficasse desobrigado a pagar qualquer porcentagem sobre a venda do terreno — que acabou sendo negociado para a VR Benefícios, empresa de vale-refeições do empresário Abram Szajman.
          O valor declarado da venda foi de R$ 6,5 milhões, muito abaixo dos 50 milhões apontados por um laudo encomendado mais tarde pelos Caloi. Eles entraram na Justiça com uma ação para anular o preço da venda.
          A fábrica de bicicleta Tito Bikes foi criada em 2009, e mais tarde passou a chamar-se Groove.
          Dois dias depois que Fábio Milantoni conquistou o direito de usar o sobrenome Caloi, recebeu uma intimação judicial. Informava que, como herdeiro de BAC, acabava de assumir sozinho uma dívida de quase R$ 250 milhões.
          O credor era Edson Vaz Musa. Em 2013, para se livrar da cobrança do BNDES, o empresário comprou a dívida do próprio banco e passou a cobrá-la dos herdeiros de Bruno Caloi — incluindo Fábio.
          Dispostos a encerrar o débito milionário, os irmãos Caloi assinaram um acordo com Musa, segundo o qual ele os anistiaria da dívida, e, em troca, se desincumbiria de remunerá-los com um percentual da venda do terreno.
          Como ninguém chamou Fábio para participar do acordo, ele passou a ser o único devedor de um montante que, em 2020, chegou a quase R$ 350 milhões. Com um rendimento mensal de R$ 1,5 mil, o irmão renegado dos Caloi levaria algumas vidas para quitá-lo.
          Em 3 de novembro de 2020, graças a uma decisão judicial que extinguiu uma parte da dívida, Fábio passou a dever apenas R$ 300 milhões. O juiz Roberto Correa, da 8ª Vara Cível do Rio de Janeiro, entendeu que o acordo dos irmãos Caloi se estende a Fábio, mesmo sem sua assinatura. Correa se baseou no parágrafo 3 do artigo 844 do Código Civil, segundo o qual um acordo feito em relação a uma dívida solidária se estende a todos os co-devedores.
          As empresas que controlavam a Caloi — a BAC Cinco e a Gible —, passaram a ser comandadas por offshores. Por meio das duas, Bruno passou suas ações para Musa, que, em 2013, vendeu 70% da empresa de Manaus para a canadense Dorel Industries. O resto foi negociado em 2017.
          A ação bloqueia a vida civil de 19 réus — filhos e netos de Bruno Antônio Caloi. Se eles precisarem de um financiamento no banco, para abrir um negócio pequeno, não vão ter. Não conseguem certidão nem para vender um apartamento no Tatuapé [bairro da zona leste de São Paulo].
           O último capítulo da retomada da Caloi, o de decisão mais subjetiva entre todos os que compunham o roteiro de modernidade da empresa, aguardava o tempo certo para ser aberto. Trata-se da sucessão de Bruno, o executivo chefe e presidente. Então aos 65 anos, em 1991, não manifestava sinais de cansaço nem preferência por um de seus dois filhos, bisnetos do fundador - Ricardo, então com 36 anos, e Bruno Júnior, 34. Ricardo era o diretor industrial e na ocasião dirigia a operação americana, instalada na Flórida, para onde a empresa previa exportar 50.000 bicicletas já em 1991. Mas só vendeu cerca de 20.000. Bruno Caloi Júnior era o diretor de marketing.
          Morto em 2006, BAC reconhecia oficialmente duas famílias; em São Paulo, com Iracy Ambrósio Caloi, teve cinco filhos —- Bruno Júnior (Tito), Ricardo, Mara Hilda, Marília Amélia e Maricy; no Rio, com Leila de Castro, teve duas meninas: Bruna e Giselle. Bruno Caloi e Iracy nunca se divorciaram. As duas mães de seus filhos já morreram. Mas Bruno teve outro filho, Fábio, que é tido como um "filho fora do casamento". Sua mãe, morta em abril aos 75 anos, era a secretária Eunice Milantoni, que trabalhava na Caloi e engravidou de BAC em 1978.
(Fonte: revista Exame - 13.11.1991 / TAB, de Taubaté (SP) 24/12/2020 - partes)

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