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5 de out. de 2011

Livraria Cultura

          





















Loja da Livraria Cultura — Foto: Divulgação

          O casal alemão Eva e Kurt Herz chegou a São Paulo em 1939, fugindo da perseguição nazista aos judeus na Europa, e contava os tostões para sustentar os filhos, Pedro e Joaquim, nascidos na sequência. O salário do marido, representante da indústria da confecção, não cobria o orçamento. Eva, a parte cerebral da dupla, decidiu importar o melhor da literatura para alugar aos compatriotas intelectualizados. A sala da casa dos Herz, na Alameda Lorena, região dos Jardins em São Paulo, batizada de Biblioteca Circulante, isso por volta de 1947, foi o embrião da Cultura, que só inauguraria a primeira loja muito tempo depois.
          Pedro Herz, aos 18 anos, incentivado pela mãe, morou com os tios na cidade de Basileia, na Suíça, onde se matriculou em um curso para a formação de livreiros. De volta ao Brasil, foi casado por uma década com a nutricionista Rosa Maria Hertz, mãe de seus filhos. Nascido em 1940, há várias décadas comanda a empresa,
          Em 1969, a primeira loja é inaugurada, no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. O endereço virou referência de escritores, artistas e políticos. Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Fagundes Telles e Fernando Henrique Cardoso marcavam presença por lá. O poeta Vinícius de Moraes deixou leitores e jornalistas esperando duas horas no lançamento do livro O Falso Mendigo, em 1978. Culpou os muitos botecos encontrados no caminho pelo atraso.
          Também foi na Cultura que Fernando Gabeira, recém-chegado do exílio, autografou O Que É Isso, Companheiro?. As gerações seguintes de autores, como Caio Fernando Abreu, Marçal Aquino e Daniel Galera, conservaram a efervescência da loja que deu origem a uma rede nacional.
          Herz gosta de tecnologia. No final dos anos 1980, comprou um dos primeiros aparelhos de fax a chegar no Brasil. Teve que esperar um pouco para usar. Como praticamente ninguém tinha um aparelho igual na outra ponta da linha telefônica, era quase impossível enviar e receber documentos. Pela internet, Herz foi um dos pioneiros na venda de livros. Foi ajudado inicialmente por seu amigo Aleksandar Mandic, que trabalhava na Siemens e pouco tempo depois criaria sua empresa, a Mandic, uma das maiores provedoras brasileiras de acesso à internet. De um sistema precário com uma única linha telefônica, o passo seguinte foi hospedar-se na BBS inaugurada por Mandic. "E aí, pouco depois, surgiu a oportunidade da internet", disse Herz. "Foi um passo rápido, dentro da própria Mandic.
          A Cultura recebia do exterior 4 toneladas de livros por semana. Para gerir essa montanha de mercadorias, agilidade é fundamental. "E na Internet não podia ser diferente", disse Herz. Assim, em julho de 1996, com menos de um anos de funcionamento, a família resolveu alçar voo próprio e tornar-se sua própria provedora de acesso.
          Ao lado dos dois filhos, Sérgio, nascido em 1971, e Fábio, que começaram a trabalhar na livraria ainda adolescentes e são apaixonados pela net, Herz viu o novo site deslanchar. Porém, considerando dados de meados de 1999, a operação na internet não era rentável. O mesmo ainda acontecia com a Amazon.com. "A rentabilidade da internet nunca ultrapassa 1% do faturamento", disse Hertz. 
          A primeira loja-âncora de um centro comercial é de 2000, no Shopping Villa-Lobos, em São Paulo.
          Em 2007, a Cultura do Conjunto Nacional abre ao público reformada, com 4.300 metros quadrados. Ela passou a ocupar nada mais nada menos que todo o espaço ocupado anteriormente pelo Cine Astor, talvez o maior de São Paulo e, considerado por muitos, o melhor.
          Pedro Herz mora numa cobertura no Edifício Copan no centro da cidade. Fabricado em 2008, seu carro, um Mercedes-Benz GLK, rodou só 42.000 quilômetros. Herz transita de ônibus ou metrô e prefere o táxi à noite. Não anda de bicicleta em São Paulo por segurança, segundo ele. Mas, sempre que visita a Europa aluga uma, elogiando as ciclovias de Berlim.
          Todos queriam lançar livros na Cultura. Célebres, ansiosos por aparecer, autores de primeiro ou centésimo livro. A livraria dava status. Filas se estendiam pela Alameda Santos ou para a Augusta e Paulista. Pedro Herz foi um ícone. Havia quem não gostasse dele, sua objetividade. Mas foi um homem que amou livros e revolucionou o mercado, apesar do triste fim. Não fui ao velório. Quando é de gente do coração, não vou. Pedro e eu, 50 anos de amizade. Guardo a última imagem. Como tive imagens dele! Algumas já contei, mas repito. Como aquele dia de 1987, em que entrei na livraria e ele disse: “O que acha? Amanhã, você vem ao meio-dia e autografa até a noite?”. Dia inteiro? Dia inteiro. Eu estava lançando meu romance O Ganhador. Foi um risco, foi tudo bem, sem cansaço, comendo coxinhas da lanchonete em frente. Outros repetiram a experiência.
          Deliciosos eram os sábados de manhã nos corredores do Conjunto Nacional, com gente como Lygia Fagundes Telles, Ana Maria Martins, Teresa Collor, Ives Gandra Martins, Maria Adelaide Amaral, Gilberto Mansur, Marcos Rey, Mário Chamie, um dos irmãos Campos, às vezes os dois, Paulo Bonfim, Ruth Rocha, Joyce Cavalcanti, Bruna Lombardi, Cecilia Prada. Tomavam-se uísque (da reserva do Pedro), chope, cerveja e comiam-se empadas da lanchonete. Nessas manhãs, aguardávamos a chegada do megaempresário Sebastião Camargo. Víamos um batalhão de seguranças se posicionando e sabíamos. Logo chegava o empresário, amável, cumprimentava todos, entrava, demorava, saía carregado de livros. Aquilo era poder, status.
          A Livraria Cultura Editora publicou meu livro Cuba de Fidel. Escrito após minha viagem àquele país, em 1978, acompanhado de Chico Buarque, Antonio Callado, Ana Arruda, Wagner Carelli. O lançamento foi um sucesso, vendemos 300 volumes. Anos mais tarde, caída a ditadura militar, Marcos Mendonça, secretário de Cultura, abriu os arquivos do Dops e nos presenteou com nossas fichas. Uma das páginas da minha diz sobre aquele momento: “Livraria vazia, nenhum interesse, fracasso total”. Queriam avacalhar o interesse por Cuba ou a mim?
          Pedro viu o show Solidão no Fundo da Agulha, meu e de minha filha Rita Gullo, com canções e histórias de minha vida, e sugeriu: “Vocês devem ir para o Teatro Eva, vão ganhar visibilidade”. Ganhamos, por anos e anos.
          Certas noites, ele recebia no seu apartamento no histórico Copan. Jantávamos e subíamos ao terraço a conversar, contemplando a noite paulistana. Um ritual. Passamos o último ano trocando telefonemas e planejando um almoço. Que não aconteceu. Quando poderei cumprir essas pequenas dívidas?
          Em 2015, a Livraria Cultura começou a enfrentar crises, quando entrou com com pedido de recuperação judicial. A empresa alegava estar em crise econômico-financeira, somando R$ 285,4 milhões em dívidas, sendo a maior parte para bancos e fornecedores.
          Em 19 de julho de 2017, a Livraria Cultura adquire a operação brasileira da francesa Fnac. A experiência da Fnac na venda de equipamentos eletrônicos teria sido um dos fatores que pesaram para que a Cultura se interessasse pelo negócio. A Cultura continuará a usar a marca Fnac, pagando royalties mensalmente. Na realidade, a Cultura recebeu 130 milhões de reais para assumir a operação brasileira da rede de livrarias francesa Fnac.
          O prédio da Fnac na Praça dos Omaguás, em Pinheiros, é "a menina dos olhos" da nova fase da Cultura. Os 7.000 metros quadrados serão redimensionados em uma obra que vai se estender por 2018. Ainda está em estudo se uma marca diferente batizará os pontos adquiridos. Um teatro, como outros seis cravados em unidades pelo Brasil, figura no projeto. O da unidade do Conjunto Nacional, homenageia a matriarca Eva Herz.
          Em meados de 2017, tendo Sergio Herz, nascido em 1971, o mais velho dos dois filhos de Pedro, como CEO, a rede possuía dezessete pontos, 1500 empregados, 5 milhões de clientes e 9 milhões de produtos. Com a aquisição da Fnac, ganhou mais 12 lojas e 600 funcionários.
          Em 26 de dezembro de 2017, a Livraria Cultura anuncia a aquisição da Estante Virtual, plataforma online de livros novos e usados. Fundada em 2005, a Estante Virtual já vendeu 17,5 milhões de livros e tem quatro milhões de clientes cadastrados. André Garcia, seu fundador, afirma que tem total tranquilidade de que serão os melhores sucessores que poderiam existir para o seu legado.
          Em 17 de setembro de 2018, os clientes da Fnac - Loja da Avenida Paulista (forte em equipamentos eletrônicos), se deparam com um aviso na porta informando sobre o fechamento daquela unidade. O que fica no ar é a dúvida: por que a loja teria sido reformada? As obras terminaram poucas semanas antes do fechamento. A última loja a fechar foi a de Goiânia, que ocorreu em 15 de outubro de 2018. A loja de Campinas fechou em 10 de setembro. A Fnac está definitivamente fora do Brasil. Apesar de ter sido divulgados planos para o fortalecimento da marca sob o guarda-chuva da Cultura, a decisão final foi encerrar todas as lojas da francesa no país
          Em 11 de outubro de 2018, véspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida, a rede encerrou as operações da loja do Cine Vitória, no centro do Rio. Uma semana depois, em 18 de outubro, fecha sua última loja no Rio de Janeiro. É a unidade que funcionava no Fashion Mall, em São Conrado, zona sul da cidade. Com isso, a Cultura deixa de contar com livrarias físicas na cidade.
          Após encolhimento do mercado editorial brasileiro de 40% desde 2014, sem sinais claros de melhoria no cenário geral do país, e depois de um severo programa de ajustes iniciado nos último três meses, que incluiu fechamento de lojas, demissão de funcionários e redução de custos, a Livraria Cultura pede, em 24 de outubro de 2018, recuperação judicial. A dívida era de R$ 285,4 milhões com fornecedores, entre eles editoras, e bancos. Após os ajustes, a rede ficou com 15 lojas físicas.
          A empresa chegou a ter 17 lojas e 1,5 mil funcionários e já enfrentava dificuldades quando adquiriu as operações da rede francesa Fnac e a Estante Virtual. Com o tempo, lojas precisaram ser fechadas e restaram apenas as unidades do Conjunto Nacional, em São Paulo, e do Bourbon Shopping, em Porto Alegre. 
          Em 30 de janeiro de 2020, a Cultura concluiu a venda do site de livros Estante Virtual, que é conhecido sobretudo no segmento de livros usados. O negócio rendeu 31,1 milhões de reais e foi fechado com a varejista Magazine Luiza em um leilão feito em São Paulo, como parte do plano de recuperação judicial da Cultura. Fundado em 2005 pelo administrador de empresas carioca André Garcia, o Estante Virtual reúne mais de 16 milhões de livros vendidos por terceiros, entre novos e usados. O site foi comprado pela Livraria Cultura no fim de 2017. A venda do site estava no plano de recuperação judicial da Cultura, aprovado em abril de 2019. Afetada pela crise das livrarias (que também levou a concorrente Saraiva a recuperação judicial), a Cultura tem uma dívida de 285 milhões de reais.
          Em 9 de fevereiro de 2023, o juiz Ralpho Waldo De Barros Monteiro Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, decidiu pela falência da Livraria Cultura, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Os altos custos de produção, queda na demanda por livros, falta de interesse por leitura e a profunda crise econômica pela qual o Brasil passava desde meados de 2014 foram citados pela administração da livraria como os principais motivos para a derrocada financeira.
          A livraria conseguiu sobreviver durante alguns meses com uma liminar de recuperação judicial. 
O recurso de recuperação foi negado em maio e a decisão de falência mantida. Sendo assim, a empresa cumpre agora ordem de despejo. 
          Apesar de reconhecer a importância da Livraria Cultura, o juiz aponta que o grupo não conseguiu superar sua crise econômica, o descumprimento do seu plano de recuperação judicial e que a prestação de informações no processo vinha sendo feita de modo incompleto.
          Na segunda-feira, 26 de junho de 2023, a Livraria Cultura encerrou as atividades da unidade do Conjunto Nacional, localizado na Avenida Paulista, região central de São Paulo, gerando comoção no mundo livreiro. A Cultura chegou ao Conjunto Nacional em 1969 e, além da unidade principal já contou com outras lojas que se dedicavam a produtos geek, arte e editoras exclusivas da Companhia das Letras e a Record. Hoje, a empresa tem apenas uma loja física, localizada em Porto Alegre, mas ainda segue presente nos canais digitais.
          A loja do Conjunto Nacional foi reaberta do Conjunto Nacional dias. Mas, em agosto (2023), a livraria enfrentou ordem de despejo, que o Tribunal de Justiça de SP reverteu. Em fevereiro de 2024, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso da livraria e autorizou a continuidade da ordem de despejo. Por enquanto (19 de março de 2024), a Cultura segue funcionando.
          Pedro Herz, livreiro e empresário, dono da Livraria Cultura, morreu em 19 de março de 2024, aos 83 anos. Ele foi o responsável por transformar a empresa, fundada pela mãe, Eva Herz, em uma das maiores potências do mercado literário brasileiro.
(Fonte: revista Exame - 02.06.1999 / Exame.com - msn - 20.07.2017 / revista Veja São Paulo - 22.11.2017 / jornal Valor - 26.12.2017 / Veja.com - 17.10.2018 / 25.10.2018 / Exame - 26.10.2018 / 30.01.2020 / Valor - 10.02.2023 / CNN - 27.06.2023 / Estadão - 20.03.2024 / 24.03.2024 (Inácio de Loyola Brandão) - partes)

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