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30 de out. de 2011

Banco Clássico

           O economista José João Abdalla Filho, ou Juca, como é conhecido pelos amigos, nascido em 1945, fez sua carreira no mercado financeiro, diferentemente do pai. Começou, naturalmente, de cima. Criou o Banco Clássico em 1989, inicialmente com a herança do pai, que morrera um ano antes.  Formado em economia pela Universidade Mackenzie, de São Paulo, Juca nunca se casou nem teve filhos.
          Ninguém dá nada pelo Banco Clássico. O mais provável, inclusive, é que quase ninguém jamais tenha ouvido falar no Banco Clássico. Com apenas oito funcionários, que dão expediente num escritório no centro do Rio de Janeiro, o Clássico não tem agências nem mesmo correntistas. Tem apenas um cliente: Juca Abdalla Filho — que é dono do banco. O investidor é uma figura folclórica no mercado empresarial. Todo mundo até já ouviu falar dele, mas poucas pessoas o conhecem pessoalmente.
          A única função do Clássico é servir de veículo para os investimentos de Abdalla, sobretudo na bolsa de valores. O hábito de voar debaixo do radar há tanto tempo fez de Abdalla o bilionário mais anônimo do Brasil. Não há fotos suas nas agências de notícias, ele não dá entrevistas, circula pouco, não participa de leilões de arte nem de grandes causas da filantropia nacional. Apesar de ter um patrimônio de R$ 5 bilhões, o dono do Banco Clássico é “exageradamente” discreto. Não aparece em nenhuma lista de bilionários e nunca sai em colunas sociais, mesmo sendo sócio do clube mais seleto da elite carioca, o Country Club do Rio. O banqueiro evita mostrar sinais de riqueza no dia a dia. Prefere os veículos populares aos modelos importados e opta pelos restaurantes por quilo.
          Não é que ele seja bilionário, portanto: é multibilionário. Mantendo-se fiel à discrição que o caracteriza, Abdalla transformou-se num dos maiores investidores individuais da bolsa brasileira.
          Ele
é acionista de algumas das mais importantes empresas do Brasil. É dono de 1% da Petrobras, de 4% da Eletrobras e de fatias que variam de 6% a 10,03% das companhias de energia elétrica Cemig e Engie Energia (antiga-Tractebel), da concessionária de gás CEG Rio e da Kepler Weber.
          Pouco antes de meados de 2016, com a bolsa na lama e seus investimentos perdendo valor, Juca decidiu deixar um pouco de lado a cautela. No fim de abril, ele indicou um representante para o conselho de administração da Eletrobras. Ao mesmo tempo, faz uma investida para emplacar um conselheiro na então enrolada Petrobras. Parte da fortuna de Juca foi herdada do pai, J.J. Abdalla, um dos maiores empresários do Brasil nas décadas de 1950 e 1960. Ele chegou a ter 32 empresas de diferentes setores, desde mineração até agropecuária.
          O polêmico empresário J.J Abdalla foi preso por não pagar impostos e teve bens e ativos confiscados pelo governo. Esteve envolvido em polêmicas dos mais diversos tipos. Respondeu a mais de 500 processos por irregularidades empresariais, crimes contra a economia popular e leis trabalhistas. Apesar disso, foi secretário do governo de Ademar de Barros, na década de 1940 (anos 1960?), vereador e deputado estadual e federal. Morreu em 1988, deixando para os herdeiros a briga que travou com o governo estadual pela área do parque Villa-Lobos.
          Fora da elite empresarial e política, enfrentou sucessivas greves por não pagar benefícios trabalhistas, foi processado, ficou um tempo preso e chegou a ter parte de seus bens confiscados pelo Estado (uma das empresas confiscadas foi a cimento Portland, cujas atividades estão paralisadas até hoje). Por tudo isso, era conhecido entre os operários da época como “o mau patrão”, apelido que o acompanhou por anos.
          A fortuna de Juca Abdalla (o filho) tem origem na década de 1990 com a maior indenização já paga por uma desapropriação no país. A família do banqueiro recebeu uma bolada de cerca de R$ 2,5 bilhões da prefeitura de São Paulo, pela desapropriação da área que hoje abriga o Parque Villa-Lobos, na zona oeste da cidade. O terreno, de 717.000 metros quadrados, foi desapropriado em 1989, mas a família Abdalla entrou na Justiça reclamando do valor recebido. Foi uma vitória após uma briga arrastada. Juca Abdalla ficou com 70% da indenização – recebida em dez parcelas, entre 1999 e 2009. O primeiro investimento foi em ações da então recém-privatizada Gerasul, depois Tractebel e hoje Engie Energia, da qual detém 10%.
          Mas antes de receber a grande fortuna, portanto "só" com a grana recebida do pai, Juca Abdalla já atuava com desenvoltura. No final de abril de 1992, mediante uma manobra bem costurada na bolsa de valores, o Banco Clássico adquiriu 18 milhões de ações da Docas, do Rio de Janeiro, no valor de 4 milhões de dólares. Com isso, aumentou sua participação de 9,83% para 13,85% do capital do grupo. Com a operação, Abdalla passou a ter o direito de indicar um representante no conselho de administração da Docas. O indicado é José Paes Rangel, ex-funcionário do Banco Central onde ocupava o cargo de chefe do Departamento da Dívida Pública, no começo da década de 1980. Na época, Rangel foi um dos principais protagonistas do "Caso Vale", como ficou sendo chamada uma venda irregular de ações da Vale do Rio Doce pertencentes ao governo.
          Para atuar nas outras empresas em que investe, Juca usa Rangel, vice-presidente do Clássico, que virou seu braço direito. Ele é conselheiro das empresas Engie (antiga Tractebel), Cemig, CEG e Kepler Weber, e Juca sempre entra como suplente. Para integrar o conselho da Eletrobras, o banqueiro se uniu ao empresário Lirio Parisotto, que também é um grande acionista da estatal.
          Na assembleia que aconteceu no dia 29 de abril de 2016, os nomes de Rangel e de Marcelo Gasparino, advogado de Parisotto, foram aprovados.
          Ao contrário de um investidor especulativo, ele gosta de comprar ações e continuar com elas durante anos, só recebendo dividendos. Por isso, se especializou no setor de energia – tradicionalmente um grande pagador de bônus – e multiplicou sua fortuna. Uma fonte do mercado financeiro afirma que ele estuda muito o segmento energético e sempre procura “galinhas mortas” – ações que estão muito baratas na bolsa.
          Mas nem sempre ele acerta. Juca também teve altos prejuízos com suas escolhas. Uma delas foi em 2015 a Eneva, empresa que já foi do antigo império de Eike Batista. O banqueiro elevou sua participação na companhia durante o processo de recuperação judicial depois de vendida para a alemã E.ON e acabou perdendo cerca de R$ 150 milhões. A Eneva hoje tem como maior acionista o banco BTG Pactual.
          O investimento foi feito depois que a empresa entrou em recuperação judicial, em dezembro de 2014, e Juca decidiu brigar. O Clássico questionou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o cálculo do preço de um aumento de capital previsto no plano de recuperação. Também queria impedir o voto de Eike Batista na aprovação do plano, o que daria mais peso ao voto do banco sobre o futuro da operação. Não teve as demandas atendidas e sua participação na Eneva acabou sendo diluída na capitalização.
          A personalidade reclusa só fica em segundo plano quando chega o Carnaval. Segundo amigos, ele desfila todos os anos na escola Beija-Flor e curte as duas madrugadas de samba na Marquês de Sapucaí. Hoje, seu parente mais conhecido é o primo Antonio Abdalla, sócio da produtora de suco de laranja Citrosuco e dono de uma importadora de automóveis das marcas Bentley e Bugatti. O primo recebeu cerca de 600 milhões de reais pela venda do terreno do Parque Villa-Lobos.
          No balanço do Banco Clássico de junho de 2017, o executivo somava R$ 8 bilhões em ativos, sendo a maioria em ações e títulos mobiliários (descontados dívidas e outros compromissos, chega-se ao patrimônio de R$ 5 bilhões). Ele também coleciona imóveis de todos os tipos, como casarões e prédios comerciais, além de terrenos.
          Em setembro de 2017, os rumores sobre a investida de um desconhecido Banco Clássico para comprar os 20% de participação da Andrade Gutierrez na Cemig trouxe o nome de Juca Abdalla de volta às rodas do mercado financeiro. O movimento do banqueiro para ampliar sua participação na Cemig, da qual já tem 12% das ações, parece não ter decolado. Mas ainda é cedo para dizer que o investidor desistiu por completo do negócio.
          Em 14 de março de 2019, Juca Abdalla é acusado pelo Ministério Público Federal de sonegação de uma série de impostos entre 2006 e 2008.
          Em agosto de 2023, Juca Abdalla, membro do conselho de administração da Petrobras desde abril de 2022, comprou mais de 2 milhões de ações ordinárias da petroleira em duas operações que movimentaram mais de R$ 68,4 milhões. A posição consolidada de Abdalla na companhia representa atualmente cerca de 2% do capital da Petrobras. Apesar do alto valor, ele pode ter simplesmente aplicado parte dos dividendos recebidos. Na sua carteira, Juca Abdalla tem, sabidamente, posições em empresas como Eletrobras, Engie, Cemig e a própria Petrobras.        
(Fonte: revista Exame - 13.05.1992 / 14.05.2016 / OESP - 01.10.2017 / Valor - 27.09.2023 - partes)

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