O banco de investimentos Lazard Frères (frères significa irmãos em francês) foi fundado pelos idos da metade do século XIX, nos Estados Unidos, por três franceses da Alsácia, os irmãos Lazard. Pode-se dizer que, no grupo de mitos e lendas de Wall Street, o Goldman Sachs é tido como o banco mais competente. O JP Morgan, o mais tradicional. O Citigroup, o maior (dados de 2007). E o Lazard Frères, o mais misterioso.
O armazém de secos e molhados Lazard Frères foi fundado em 1848 pelos irmãos Alexandre, Simon e Elie, os três imigrantes franceses, em Nova Orleans. Com a corrida do ouro na Califórnia, os irmãos se mudaram para São Francisco e começaram a vender produtos importados e a exportar ouro. Ouro vai, ouro vem, o Lazard logo se transformou em instituição financeira.
Para crescer, os irmãos decidiram abrir escritórios em Paris e Londres, criando pólos quase independentes de poder, as "três casas Lazard" (americana, francesa e inglesa), uma peculiar estrutura que se manteria inabalável por mais de um século. Após a morte dos fundadores, o comando do banco passou a um primo, Alexander Weill.
Foi após a Segunda Guerra Mundial que o Lazard tornou-se o que William D. Cohan, autor do livro The Last Tycoons (os últimos magnatas), apelida, de forma um tanto pomposa, de "sociedade dos grandes homens". Por "grandes homens", leia-se colecionadores de arte, autores de artigos em jornais sobre os descaminhos da economia mundial e, principalmente, conselheiros dos empresários e dos executivos mais importantes do planeta - ah, falar inglês com sotaque francês ajudava um bocado.
André Meyer, que escapou da França recém invadida pelos nazistas, chegou aos Estados Unidos, assumiu o controle do escritório de Nova York e não o largou até dois anos antes de sua morte, em 1979. Seus quadros foram confiscados pelos alemães, e Meyer recomeçou a colecionar obsessivamente. "Não necessariamente pela arte em si, mas pela noção de que um homem em sua posição deveria ter uma coleção de primeira linha", diz Cohan.
Seu apartamento, no hotel Carlyle, tinha quadros de Rembrandt, Manet, Picasso, Renoir, Cézanne e Van Gogh. Apelidado de Zeus pelos funcionários, Meyer transformou o banco numa potência. Foi sob seu comando que o Lazard transformou a assessoria a fusões e aquisições em um importante negócio de banqueiros de investimento. Em 1967, o Lazard recebeu a primeira comissão de 1 milhão de dólares, paga na fusão de McDonell com Douglas (hoje, a McDonell Douglas é parte da Boeing) - cifra inimaginável na época, embora modesta para os padrões de hoje.
O sucessor de Meyer, Michel David-Weill, manteve o controle ditatorial sobre os destinos do banco e, especialmente, o tamanho do cheque a ser recebido por cada banqueiro. David-Weill fazia a ponte aérea Paris-Nova York com tanta frequência que costumava reservar dois assentos. Um para ele. E o outro para sua pasta Louis Vuitton. Ele se tornou um dos homens mais ricos da França.
Embora Meyer e David-Weill fossem os timoneiros, os dois devem seu sucesso a Felix Rohatyn, ex-sócio do Lazard e um dos mais importantes banqueiros de fusões da história. Rohatyn esteve por trás de grandes negócios assessorados pelo banco até 1997, quando voltou à França como embaixador dos Estados Unidos (ele também havia escapado dos nazistas, numa rota de fuga que incluiu Biarritz, Cannes, Marselha, Casablanca, Lisboa, Rio de Janeiro e, finalmente, Nova York).
Banqueiros de investimento que geram muitos negócios são apelidados de rainmakers (algo como "fazedores de chuva"). Se um homem fazia chover no Lazard, era Rohatyn. Um de seus principais clientes, a International Telephone and Telegram (ITT), foi um comprador em série, o que catapultou o prestígio do banco (e de seu principal banqueiro) nos anos 1960. Foram 110 empresas adquiridas nessa época. Em determinado momento a importância de Rohatyn era tamanha que seus negócios representavam 80% do lucro do banco.
Rohatyn percebeu que, para sobreviver no Lazard, era preciso ficar longe de qualquer posição de poder. Sua maior ambição não era presidir o banco, mas tornar-se secretário do Tesouro (o que não conseguiu - a embaixada em Paris foi seu prêmio de consolação). Todos os funcionários alçados por Meyer ou David-Weill à condição de sucessor morriam como Ícaro, o personagem da mitologia grega que se deixou encantar pela beleza do Sol. Mesmo assim, uma fila de banqueiros tentou conquistar o poder. Ao primeiro desacordo, porém, o rei Sol iniciava a fritura do sucessor. Criou-se, então, um ambiente convulsionado, em que cada novo herdeiro do trono tentava mudar tudo para, em seguida, deixar o banco, em desgraça.
Nas décadas de 1980 e 1990, auge das disputas sucessórias, o Lazard foi também engolido pelos rivais. Os talentos fugiram. Bancos como Goldman Sachs e Morgan Stanley transformaram-se em potências com negócios em diversas áreas, enquanto o Lazard permanecia com sua estratégia para ganhar dinheiro, basicamente, com a assessoria a fusões.
Em 2001, prestes a quebrar, a empresa estava na 17ª posição no ranking de fusões. Foi quando David-Weill tentou vender o banco ao Lehman Brothers, sem sucesso. Movido pelo desespero, ele foi forçado a abrir mão de seu poder e pedir ajuda - contratou Bruce Wasserstein, o mais polêmico banqueiro de investimento americano. Principal estrela do banco First Boston, Wasserstein foi um dos arquitetos da onda de fusões dos anos 1980. Quando seus clientes entravam numa disputa pela compra de uma companhia, sua recomendação era, quase sempre, que pagassem muito mais que as empresas concorrentes. Isso, segundo os críticos, a despeito de considerações sobre o retorno que tais aquisições trariam. Os clientes acabavam vencendo a briga, o banqueiro coletava sua comissão milionária, e muitas aquisições davam errado.
Em mais de 30 anos no mercado, Wasserstein já assessorou cerca de 1.100 transações, ao valor de 250 bilhões de dólares. Esse currículo fez com que ele, apesar das críticas, fosse visto por David-Weill como o salvador de sua pátria, o rainmaker que substituiria Felix Rohatyn à altura. Para trazê-lo, abriu mão de boa parte do poder - o que espantou seus funcionários. Com o novo comando, Lazard participou de fusões como a dos bancos japoneses Mitsubishi Tokyo e UFJ. Não tardou, porém, para que Wasserstein colocasse sua agenda pessoal acima das vontades do patrão que o havia contratado. Os dois entraram, rapidamente, em rota de colisão. O americano (Wasserstein) queria abrir o capital da empresa e usar o dinheiro para comprar as ações do francês (David-Weill), que não queria sair de jeito nenhum.
Wasserstein pressionou os demais sócios a aceitar seu plano e venceu a guerra. A abertura de capital provou-se um sucesso. Até o dia 5 de maio de 2005, o controle absoluto do Lazard ficou nas mãos da família Weill. Com a abertura de capital, David-Weill saiu de cena. As ações do Lazard, que passou a ser dirigido por Wasserstein, dobraram de valor. E talvez o maior mistério seja exatamente este. Como um banco com talentos reunidos de forma caótica conseguiu sobreviver quase 160 anos - e enriquecer tanta gente no caminho.
(Fonte: revista Exame - 04.07.2007 / livro: The Last Tycoons - The Secret History of Lazard Frères & Co. - William D. Cohan)
O armazém de secos e molhados Lazard Frères foi fundado em 1848 pelos irmãos Alexandre, Simon e Elie, os três imigrantes franceses, em Nova Orleans. Com a corrida do ouro na Califórnia, os irmãos se mudaram para São Francisco e começaram a vender produtos importados e a exportar ouro. Ouro vai, ouro vem, o Lazard logo se transformou em instituição financeira.
Para crescer, os irmãos decidiram abrir escritórios em Paris e Londres, criando pólos quase independentes de poder, as "três casas Lazard" (americana, francesa e inglesa), uma peculiar estrutura que se manteria inabalável por mais de um século. Após a morte dos fundadores, o comando do banco passou a um primo, Alexander Weill.
Foi após a Segunda Guerra Mundial que o Lazard tornou-se o que William D. Cohan, autor do livro The Last Tycoons (os últimos magnatas), apelida, de forma um tanto pomposa, de "sociedade dos grandes homens". Por "grandes homens", leia-se colecionadores de arte, autores de artigos em jornais sobre os descaminhos da economia mundial e, principalmente, conselheiros dos empresários e dos executivos mais importantes do planeta - ah, falar inglês com sotaque francês ajudava um bocado.
André Meyer, que escapou da França recém invadida pelos nazistas, chegou aos Estados Unidos, assumiu o controle do escritório de Nova York e não o largou até dois anos antes de sua morte, em 1979. Seus quadros foram confiscados pelos alemães, e Meyer recomeçou a colecionar obsessivamente. "Não necessariamente pela arte em si, mas pela noção de que um homem em sua posição deveria ter uma coleção de primeira linha", diz Cohan.
Seu apartamento, no hotel Carlyle, tinha quadros de Rembrandt, Manet, Picasso, Renoir, Cézanne e Van Gogh. Apelidado de Zeus pelos funcionários, Meyer transformou o banco numa potência. Foi sob seu comando que o Lazard transformou a assessoria a fusões e aquisições em um importante negócio de banqueiros de investimento. Em 1967, o Lazard recebeu a primeira comissão de 1 milhão de dólares, paga na fusão de McDonell com Douglas (hoje, a McDonell Douglas é parte da Boeing) - cifra inimaginável na época, embora modesta para os padrões de hoje.
O sucessor de Meyer, Michel David-Weill, manteve o controle ditatorial sobre os destinos do banco e, especialmente, o tamanho do cheque a ser recebido por cada banqueiro. David-Weill fazia a ponte aérea Paris-Nova York com tanta frequência que costumava reservar dois assentos. Um para ele. E o outro para sua pasta Louis Vuitton. Ele se tornou um dos homens mais ricos da França.
Embora Meyer e David-Weill fossem os timoneiros, os dois devem seu sucesso a Felix Rohatyn, ex-sócio do Lazard e um dos mais importantes banqueiros de fusões da história. Rohatyn esteve por trás de grandes negócios assessorados pelo banco até 1997, quando voltou à França como embaixador dos Estados Unidos (ele também havia escapado dos nazistas, numa rota de fuga que incluiu Biarritz, Cannes, Marselha, Casablanca, Lisboa, Rio de Janeiro e, finalmente, Nova York).
Banqueiros de investimento que geram muitos negócios são apelidados de rainmakers (algo como "fazedores de chuva"). Se um homem fazia chover no Lazard, era Rohatyn. Um de seus principais clientes, a International Telephone and Telegram (ITT), foi um comprador em série, o que catapultou o prestígio do banco (e de seu principal banqueiro) nos anos 1960. Foram 110 empresas adquiridas nessa época. Em determinado momento a importância de Rohatyn era tamanha que seus negócios representavam 80% do lucro do banco.
Rohatyn percebeu que, para sobreviver no Lazard, era preciso ficar longe de qualquer posição de poder. Sua maior ambição não era presidir o banco, mas tornar-se secretário do Tesouro (o que não conseguiu - a embaixada em Paris foi seu prêmio de consolação). Todos os funcionários alçados por Meyer ou David-Weill à condição de sucessor morriam como Ícaro, o personagem da mitologia grega que se deixou encantar pela beleza do Sol. Mesmo assim, uma fila de banqueiros tentou conquistar o poder. Ao primeiro desacordo, porém, o rei Sol iniciava a fritura do sucessor. Criou-se, então, um ambiente convulsionado, em que cada novo herdeiro do trono tentava mudar tudo para, em seguida, deixar o banco, em desgraça.
Nas décadas de 1980 e 1990, auge das disputas sucessórias, o Lazard foi também engolido pelos rivais. Os talentos fugiram. Bancos como Goldman Sachs e Morgan Stanley transformaram-se em potências com negócios em diversas áreas, enquanto o Lazard permanecia com sua estratégia para ganhar dinheiro, basicamente, com a assessoria a fusões.
Em 2001, prestes a quebrar, a empresa estava na 17ª posição no ranking de fusões. Foi quando David-Weill tentou vender o banco ao Lehman Brothers, sem sucesso. Movido pelo desespero, ele foi forçado a abrir mão de seu poder e pedir ajuda - contratou Bruce Wasserstein, o mais polêmico banqueiro de investimento americano. Principal estrela do banco First Boston, Wasserstein foi um dos arquitetos da onda de fusões dos anos 1980. Quando seus clientes entravam numa disputa pela compra de uma companhia, sua recomendação era, quase sempre, que pagassem muito mais que as empresas concorrentes. Isso, segundo os críticos, a despeito de considerações sobre o retorno que tais aquisições trariam. Os clientes acabavam vencendo a briga, o banqueiro coletava sua comissão milionária, e muitas aquisições davam errado.
Em mais de 30 anos no mercado, Wasserstein já assessorou cerca de 1.100 transações, ao valor de 250 bilhões de dólares. Esse currículo fez com que ele, apesar das críticas, fosse visto por David-Weill como o salvador de sua pátria, o rainmaker que substituiria Felix Rohatyn à altura. Para trazê-lo, abriu mão de boa parte do poder - o que espantou seus funcionários. Com o novo comando, Lazard participou de fusões como a dos bancos japoneses Mitsubishi Tokyo e UFJ. Não tardou, porém, para que Wasserstein colocasse sua agenda pessoal acima das vontades do patrão que o havia contratado. Os dois entraram, rapidamente, em rota de colisão. O americano (Wasserstein) queria abrir o capital da empresa e usar o dinheiro para comprar as ações do francês (David-Weill), que não queria sair de jeito nenhum.
Wasserstein pressionou os demais sócios a aceitar seu plano e venceu a guerra. A abertura de capital provou-se um sucesso. Até o dia 5 de maio de 2005, o controle absoluto do Lazard ficou nas mãos da família Weill. Com a abertura de capital, David-Weill saiu de cena. As ações do Lazard, que passou a ser dirigido por Wasserstein, dobraram de valor. E talvez o maior mistério seja exatamente este. Como um banco com talentos reunidos de forma caótica conseguiu sobreviver quase 160 anos - e enriquecer tanta gente no caminho.
(Fonte: revista Exame - 04.07.2007 / livro: The Last Tycoons - The Secret History of Lazard Frères & Co. - William D. Cohan)
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