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31 de out. de 2011

Aracruz

          A Aracruz Celulose tinha sede no estado do Espírito Santo e era controlada pelos grupos Safra, Souza Cruz e Lorentzen.
          Em 1992, o Brasil chegou enfim à venerada Wall Street - com direito a Bandeira e tudo. No dia 26 de maio, pela primeira vez as ações de uma empresa brasileira foram negociadas na Bolsa de Valores de Nova York. O pioneirismo leva a assinatura da Aracruz, então quinta maior indústria de papel e celulose do Brasil. Mas, no pioneirismo estavam também as impressões digitais do economista Mauro Molchansky, nascido em 1950, que comandou, por delegação do então presidente da empresa, Armando Figueira, uma operação de lançamento de ADR, com a qual levantou 132,5 milhões de dólares para a Aracruz. As ADR são recibos de ações passíveis de ser negociados em bolsas americanas. Simultaneamente ao lançamento de ADR, a Aracruz emitiu no mercado brasileiro 137,5 milhões de dólares em ações. Levantou, assim, 270 milhões de dólares, com os quais pagou dívidas antigas e reduziu os custos financeiros. No último dia da colocação dos títulos junto aos investidores, o jornal inglês Financial Times noticiou a eclosão do Collorgate no país. Faltavam 16 milhões de dólares para a operação ser concluída, e os operadores do Salomon Brothers (que era o coordenador lá fora) tentavam em telefonemas frenéticos, completar a venda dos papeis. Como não conseguiam sucesso, o executivo do Bradesco (que era o coordenador da operação no Brasil) Mário da Silveira Teixeira Júnior, que estava lá no momento, telefonou então para Lázaro Brandão, que estava na Matriz do Bradesco, o obteve o consentimento para bancar a operação.
          Do final dos anos 1980 a 1993, a cadeira do principal executivo da Aracruz não esquentava. Foram cinco ocupantes num período de seis anos. No final de 1993, o executivo paranaense Luiz Kaufmann, então ocupando a vice-presidência da Petropar em Porto Alegre, aceitou o convite para assumir a instável cadeira da presidência da Aracruz. Assumiu a presidência da Aracruz em 17 de novembro, com um dos maiores salários até então já negociados no país: 420.000 dólares por ano, entre salários e bônus, fora outros benefícios. Kaufmann é engenheiro mecânico com especialização em engenharia industrial pelo Illinois Institute of Technology, de Chicago. Tinha passado pela Arthur D. Little International e pelo Banco Multiplic.
          E Kaufmann se deu bem. O Plano Real não ajudou a Aracruz, via aquecimento da economia. Afinal, 90% de suas vendas eram feitas para clientes fora do Brasil. O real foi importante em função de sua valorização frente ao dólar. Com a desvalorização de 17% da moeda americana, sua dívida caiu de 1 bilhão para 726 milhões de dólares. E, 1994 (ano do lançamento do real) também foi exatamente o ano em que as cotações da celulose começaram a se recuperar no mercado internacional, depois de vários anos de um ciclo de baixa.
          Kaufmann entrou na empresa quando o banco Safra entrou como acionista e começou a questionar a gestão com os demais sócios - BNDES, Souza Cruz e o grupo Lorentzen. A Aracruz tinha uma estrutura industrial muito boa, segundo Kaufmann, com florestas de ótima qualidade e fábricas modernas. A companhia, porém, parecia uma estatal. Enquanto o faturamento anual estava na casa de 350 milhões de dólares, a dívida somava quase o triplo desse valor. A maioria dos 5200 (8000?) funcionários morava  numa vila chamada Aracruz, construída pela própria empresa no interior do Espírito Santo.
          A companha dava aos funcionários escola, casa e automóveis. Kaufmann acabou com tudo, reduziu o número de funcionários a 2800 (em 1996) e foi criado um sistema agressivo de remuneração variável. Segundo ele, "de outro modo, a Aracruz não resistiria". O número de diretores e gerentes também caiu e imóveis foram vendidos. A Aracruz passou a ter um dos caixas mais gordos do país, dispondo de nada menos que 800 milhões de dólares prontos para qualquer negócio.
          Em 2000, a VCP (Votorantim Celulose e Papel) compra indiretamente um naco da Aracruz. Por 370 milhões de dólares, a VCP, sob a presidência de Raul Calfat, compra da Mondi Brazil, uma subsidiária da Anglo American PLC, dona de 28% do controle e 12,3% do capital social da Aracruz.
          Na sexta-feira, 26 de setembro de 2008, duas grandes companhias brasileiras deram o sinal de que a crise financeira com epicentro nos Estados Unidos podia causar mais estragos no Brasil do que muitos acreditavam.
          A alta do dólar, que chegou a beirar aumento de 18 por cento em setembro, efeito colateral da crise, complicou as contas de algumas exportadoras brasileiras que mantinham, até então, posições no mercado de derivativos de câmbio destinadas inicialmente a reduzir o impacto de um movimento oposto: o da valorização do real. A Aracruz Celulose (acompanhada pela Sadia) estava no centro do furacão.
          A Aracruz divulgou um comunicado informando que a exposição da companhia a instrumentos de derivativos fora “fortemente” afetada pelo dólar e que contratou uma empresa especializada para verificar o tamanho do estrago. O diretor financeiro pediu licença do cargo. A resposta do mercado foi imediata. As ações da Aracruz desabavam 18 por cento, por volta das 15h45, na Bovespa. Bem menos que as ações da Sadia, mas suficiente para fazer tremer seus alicerces.
          Um encontro foi marcado pela manhã no Blue Tree Faria Lima, discreto hotel de negócios encravado no centro financeiro do país. Profissionais da cúpula de 13 dos principais bancos em operação no país estavam lá, além de um punhado de advogados de bancas renomadas do direito empresarial e representantes da Aracruz Celulose, empresa que havia convocado a reunião. No dia 3 de outubro (2008), a companhia revelara ao mercado pesadas perdas com derivativos cambiais. A exposição total àqueles instrumentos financeiros equivalia a cinco anos de sua receita de exportação, algo em torno de US$ 10 bilhões, sendo que 80% eram via derivativos que passaram a ser chamados de tóxicos, em virtude do risco de destruição que embutiam, como a empresa pôde comprovar.
          Valdir Roque, executivo da Votorantim, uma das controladoras da Aracruz, havia sido apontado às pressas para ocupar a diretoria financeira no lugar de Isac Zagury, demitido e acusado de ser responsável por virtualmente quebrar a fabricante de celulose. Roque e Percio de Souza, assessor financeiro contratado pela companhia, tentavam impor aos bancos suas condições, entre elas, que a empresa não liquidaria seus contratos com o dólar na casa de R$ 2,30 e que exigia um desconto na taxa de câmbio. Na prática, a proposta demandava um "haircut" da dívida, ou seja, um desconto. Mas os bancos achavam que a companhia não estava em posição para negociar, que seus acionistas controladores - as famílias Ermírio de Moraes, Safra e Lorentzen - tinham capacidade de absorver as perdas, e o clima era tenso. Houve bate-boca, gritaria. Bernardo Parnes, então presidente do Deutsche Bank no Brasil, interrompeu a fala de Roque com um soco sobre a mesa. "Era caótico", recorda-se um dos presentes. "Alguns bancos tinham mandado os caras de relacionamento com o cliente, mas a maioria deles, principalmente os estrangeiros, tinha colocado seus tubarões na sala. Eles não queriam saber do longo prazo e sim de plano de pagamento", diz um assessor financeiro. O francês Calyon, por exemplo, encarregou o executivo Richard Teitelbaum, que estava na negociação da dívida da seguradora AIG nos EUA. O Citi tinha colocado o responsável por créditos estressados em toda a América Latina, um executivo locado no México, além da participação dos chefes locais, como o então vice-presidente João Miranda. "Tinha bancos mais construtivos e outros com sangue nos olhos", conta um ex-diretor da Aracruz.
          Estripulias com derivativos ligados ao dólar - então chamados de tóxicos, mas até algumas semanas antes eram vistos como uma espécie de negócio da China - colocaram a Aracruz na berlinda. Com uma exposição de mais de 6 bilhões de dólares, a empresa perdeu seu grau de investimento e suspendeu o projeto de uma nova fábrica em Guaíba, no Rio Grande do Sul. Em fins de outubro (2008), a Aracruz tentava renegociar com os bancos seu débito, e sua situação estava indefinida. Também foi suspensa a fusão com a Votorantim Celulose e Papel - VCP, a então terceira no ranking de celulose no Brasil.
          Em 2009, é oficializada a criação da Fibria, como resultado da fusão da VCP e Aracruz. 
(Fonte: revista Exame - 10.06.1992 / 23.12.1992 / 27.10.1993 / 22.07.1994 / 07.06.1995 / 21.12.2005 / Reuters 26.09.2008 / 05.11.2008 / Valor - 14.09.2018 - partes)

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