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5 de out. de 2011

Oral-B

          A quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008, provocou uma apreensão fora do comum na torre E de Centro Empresarial de São Paulo, na zona sul da capital paulista. É lá que ficava a sede brasileira da gigante de produtos de consumo americana Procter & Gamble, maior anunciante do mundo e então dona de um faturamento de 83 bilhões de dólares e um portfólio de 300 itens, que vão de alimentos a produtos de higiene pessoal e limpeza doméstica.
          O que se temia era que o derretimento da economia dos Estados Unidos pudesse arrastar para o buraco um projeto cuidadosamente montado pela filial desde março de 2006. No momento em que se deu o colapso financeiro americano, a P&G do Brasil dava retoques finais para lançar em grande escala seu primeiro creme dental no país, um passo mais ousado e complexo do que a simplicidade do produto faz parecer.
          Com o agravamento da crise, o presidente da P&G no Brasil, o egípcio Tarek Faraht, procurou o presidente mundial da companhia, Alan G. Lafley, que deixou claro que não seria mudado absolutamente nada na estratégia. Numa visita relâmpago à sede da operação em São Paulo, no dia 20 de janeiro de 2009, Lafley voltou a reiterar sua confiança no projeto.
          Na escolha do nome da marca, ao contrário do que acontece em outras grandes empresas mundiais, com suas marcas e campanhas de marketing padrão, os executivos da P&G concluíram que adaptações ao mercado local seriam determinantes para o sucesso. A começar pelo nome do novo produto. A marca de creme dental Crest existe nos Estados Unidos desde a década de 1950. Lá é tão reconhecida como a Pringles, das batatas fritas, ou a Tide, que batiza o mais vendido sabão em pó do mercado americano. Ao lançar aqui suas fraldas, na década de 1990, a Procter não exitou em usar sua principal marca, Pampers. Fez o mesmo com o sabão Ariel, outro de seus logotipos globais. Por questão de tempo, de conveniência e de risco, não fez o mesmo com a Crest. A Oral-B, marca herdada com a compra mundial da Gillette, já tinha uma história de mais de 30 anos no Brasil. Batizava uma linha de escovas líder de mercado, com 27% de participação.
          Na pesquisa do potencial do novo produto a P&G abordou 1100 consumidores entre março de 2006 e junho de 2007. Ao desenvolver, o produto foi testado com 238 consumidores em julho de 2007. Na definição da forma como o produto seria apresentado ao consumidor, pesquisas foram realizadas com 404 consumidores e dentistas entre novembro e dezembro de 2007. No teste do produto, amostras completas foram distribuídas a consumidores, avaliando inclusive as embalagens. 48 consumidores participaram em janeiro de 2008. Até a decisão pelo modelo final, foram testadas 44 embalagens diferentes.
          Para a avaliação de comerciais na estratégia de venda e marketing, quatro comerciais da nova pasta de dentes foram exibidos a 1200 consumidores entre março e julho de 2008. A estratégia de importação do produto começou a ser fechada em setembro de 2008. Em dezembro, chegou o primeiro carregamento ao Brasil e, em janeiro de 2009, foi mostrado aos dentistas.
          O novo creme dental reuniu 25 patentes retiradas das 27.000 patentes registradas da P&G, uma das maiores máquinas de inovação do mundo. Invenções como uma substância que elimina as bactérias da boca e outra que reduz manchas nos dentes. O período de estudos para a execução de um projeto dessa envergadura é longo. Apenas em pesquisas, o produto consumiu 12 anos e foi alvo de mais de 30 estudos científicos.
          Lançado nos Estados Unidos em 2006, com o nome de Crest Pro-Health, consumiu 100 milhões de dólares, transformando-se no maior lançamento de uma pasta de dente da história. Isso permitiu à marca Crest - uma das mais tradicionais da P&G - reconquistar a liderança de mercado, perdida dez anos antes para a também americana Colgate.
          Seria possível até esperar que, com um retrospecto desse porte, a P&G simplesmente mandasse as caixas de pastas de dentes para os supermercados brasileiros e começasse a vender seu produto. Não foi o que aconteceu. Para lançar seu creme dental no Brasil, a empresa praticamente refez todo o caminho que a matriz já havia trilhado anos antes no mercado americano. Entre março de 2006 e fevereiro de 2009 - portanto durante quase três anos de trabalho -, a P&G brasileira realizou 15 diferentes pesquisas de mercado, ouvindo 5.200 consumidores.
          A estratégia de lançamento da nova Oral-B no Brasil foi uma clara demonstração de como um empresa do porte da P&G tira proveito de seu processo de globalização - mesmo em períodos de crise econômica. Com quatro fábricas instaladas no país, a P&G não produziu inicialmente um grama sequer do produto no Brasil. As quatro versões da pasta, divididas por faixa de preço, foram importadas. O principal produto da linha, o creme dental Oral-B Pro-Saúde, tem fórmula idêntica à Crest Pro-Health. Por questões de escala de produção e logística, o produto não veio da matriz, mas sim da fábrica da empresa na Alemanha, país onde é vendido com a marca de Blend-A-Med. As versões mais populares são produzidas no México.
          O marketing se concentrou na distribuição de amostras grátis em consultórios dentários e no lançamento de pacotes promocionais, nos quais o creme dental foi distribuído como brinde na venda de outros produtos da linha Oral-B. Algo como 4 milhões de amostras grátis em consultórios dentários, enquanto outros 3 milhões de tubos foram distribuídos como brinde. As duas iniciativas são o que os profissionais de marketing chamam de ferramentas de experimentação.
          Com o lançamento do creme dental Oral-B, em abril de 2009, a P&G bateu de frente com as líderes históricas de mercado - a Colgate-Palmolive, dona ds marcas Colgate e Sorriso, que então concentravam juntas 60% de participação, e a anglo-holandesa Unilever, dona da marca Close Up.
(Fonte: revista Exame - 25.03.2009)
          

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