Nascido em uma vila rural a cerca de 300 quilômetros da capital russa e filho de pais servos (segmento da população cujas condições de vida eram muito próximas da escravidão), Piotr Arsenievich (ou Arsenieyevich) Smirnov criou a vodca que levava seu nome em 1863, em uma pequena destilaria no centro de Moscou. Seu espírito empreendedor o transformou em um titã do efêmero capitalismo que floresceu na Rússia no fim do século XIX. Ao morrer, em 1898, aos 57 anos, ele havia amealhado uma fortuna pessoal estimada em 132 milhões de dólares em valores atuais.
Conforme relata a autora Linda Himelstein, em seu livro The King of Vodka, Piotr Smirnov é um homem ambicioso e obstinado, que tenta a todo custo romper as regras e avançar além das limitações sociais, econômicas e políticas da época. Saído do limbo da servidão - seu pai, Arseniy, comprou a liberdade com suas parcas economias em 1857 -, Smirnov aderiu sem reservas às rígidas regras que permitiam a ascensão social na Rússia da segunda metade do século XIX.
Como todos os comerciantes (uma categoria malvista em uma sociedade que ainda guardava resquícios do feudalismo, em que o lucro era condenado), Smirnov doava dinheiro compulsivamente a obras filantrópicas numa tentativa de tornar sua condição mais aceitável.
Se existe uma área em que a genialidade de Smirnov se manifestou de forma inequívoca é na maneira como ele construiu a marca que levava seu nome. Apenas cinco anos depois de iniciar seu negócio, Smirnov vislumbrou a perspectiva de ostentar o título de fornecedor oficial da família real russa. Queria com isso, alcançar o status de marcas como as joias Fabergé e Tiffany's, as máquinas de costura Singer, os pianos Steinway e dezenas de outras já incorporadas à rotina dos czares - e, por consequência, de toda a aristocracia russa.
Porém, assim que entrou com o pedido, Smirnov foi imediatamente repelido. Em vez de desistir, ele tomou a negativa como um desafio. Decidiu então investir numa forma de marketing de guerrilha. Recrutou nas regiões mais humildes de Moscou e de grandes capitais russas homens íntegros que fossem conhecidos nas comunidades onde viviam. Começou a lhes pagar para que cada vez que entrassem em um bar pedissem vodca Smirnov. Se o comerciante não tivesse o produto, deveriam dizer que se recusavam a tomar outra coisa.
Nos negócios, Smirnov era obsessivo com a qualidade de seu produto e defensor de uma rígida conduta ética e moral. O escritor Leon Tolstói, autor de clássicos como Anna Karenina e Guerra e Paz, costumava atacar Smirnov e outros empresários do setor de bebidas regularmente nos jornais, responsabilizando-os pelo devastador efeito do consumo de álcool na Rússia. O grande sonho de Smirnov era se livrar do passado de ex-servo e ser aceito nos círculos mais aristocráticos da sociedade russa. Para isso, adotou para si mesmo uma conduta ilibada, que incluía a defesa de consumo moderado de seus próprios produtos - estratégia que mais tarde se revelou crucial para toda a indústria.
Paralelamente, planejou uma ação que provocasse impacto entre os consumidores ricos. Smirnov levou sua vodca a grandes feiras internacionais, como as de Viena, na Áustria, a de Filadélfia, nos Estados Unidos e a de Paris.
Em maio de 1885, à frente da maior produtora de vodca da Rússia, Smirnov decidiu escrever pessoalmente ao czar Alexandre III pedindo para se tornar fornecedor oficial da casa real. Na carta, ele desfiou todas as conquistas, os títulos e os números de sua empresa - inclusive o quanto contribuía para os cofres reais na forma de impostos. Um ano depois, veio uma resposta da corte solicitando que uma amostra dos produtos fosse enviada para avaliação no palácio real, em São Petersburgo. Em novembro de 1886, 17 anos depois de tentar pela primeira vez se tornar fornecedor da corte, Smirnov finalmente conseguiu seu título.
Foram necessários apenas 15 anos depois da morte de Piotr Smirnov, em 1898, para que o negócio entrasse em uma irresistível espiral de decadência - seja pela incapacidade dos herdeiros de administrar a empresa, seja pelas abissais dificuldades decorrentes das mudanças que a Rússia enfrentava naquele momento.
Na tentativa de ganhar uns trocados em meio a uma velhice empobrecida, um dos filhos de Smirnov, Vladimir, decidiu vender a marca em 1933 - tomando o cuidado de mudar a grafia do nome da bebida. Começava ali a trajetória internacional da agora rebatizada Smirnoff.
Em 1962, o então semi-desconhecido ator escocês Sean Connery ganhou as telas de cinema ao protagonizar 007 contra o Satânico Dr. No, o primeiro filme daquele que se tornaria o agente secreto mais reconhecido do planeta. Charmoso e elegante, 007 conquistou o público não apenas pela habilidade em lidar com seus inimigos mas também pelo estilo bon vivant - um homem cercado de beldades, carrões e outros prazeres carnais. Um dos momentos marcantes do filme é a cena na qual Connery pede um martíni "shaken, not stirred" (batido, não misturado). além de se tornar um clássico entre os apreciadores de bebidas, a frase ajudou a popularizar a vodca Smirnoff, a base do drinque predileto de James Bond. Desde então, as vendas do destilado só fizeram crescer.
No início dos anos 1990, os descendentes russos de Smirnov disputavam com a multinacional de bebidas Heublein, então detentora do uso internacional da marca, os direitos sobre o nome. Os descendentes do fundador, estimulados pelo esfacelamento da União Soviética, sonhavam em reconstruir o império de bebidas de seu antepassado na nova Rússia capitalista. Eles argumentavam que a venda dos direitos de uso do nome (numa versão afrancesada , com a letra V final substituída por FF), feita por um dos filhos de Smirnov na década de 1930 para um empresário americano, fora ilegal.
Depois de nove anos de batalha, os russos levaram a pior. A rocambolesca história da família resultou num exemplo de como os primeiros empreendedores capitalistas russos foram sufocados - primeiro por uma autocracia inepta e atrasada e depois pelo brutal regime comunista.
Hoje, a marca Smirnoff pertence ao conglomerado inglês de bebidas Diageo e se tornou um ícone de consumo.
Se existe uma área em que a genialidade de Smirnov se manifestou de forma inequívoca é na maneira como ele construiu a marca que levava seu nome. Apenas cinco anos depois de iniciar seu negócio, Smirnov vislumbrou a perspectiva de ostentar o título de fornecedor oficial da família real russa. Queria com isso, alcançar o status de marcas como as joias Fabergé e Tiffany's, as máquinas de costura Singer, os pianos Steinway e dezenas de outras já incorporadas à rotina dos czares - e, por consequência, de toda a aristocracia russa.
Porém, assim que entrou com o pedido, Smirnov foi imediatamente repelido. Em vez de desistir, ele tomou a negativa como um desafio. Decidiu então investir numa forma de marketing de guerrilha. Recrutou nas regiões mais humildes de Moscou e de grandes capitais russas homens íntegros que fossem conhecidos nas comunidades onde viviam. Começou a lhes pagar para que cada vez que entrassem em um bar pedissem vodca Smirnov. Se o comerciante não tivesse o produto, deveriam dizer que se recusavam a tomar outra coisa.
Nos negócios, Smirnov era obsessivo com a qualidade de seu produto e defensor de uma rígida conduta ética e moral. O escritor Leon Tolstói, autor de clássicos como Anna Karenina e Guerra e Paz, costumava atacar Smirnov e outros empresários do setor de bebidas regularmente nos jornais, responsabilizando-os pelo devastador efeito do consumo de álcool na Rússia. O grande sonho de Smirnov era se livrar do passado de ex-servo e ser aceito nos círculos mais aristocráticos da sociedade russa. Para isso, adotou para si mesmo uma conduta ilibada, que incluía a defesa de consumo moderado de seus próprios produtos - estratégia que mais tarde se revelou crucial para toda a indústria.
Paralelamente, planejou uma ação que provocasse impacto entre os consumidores ricos. Smirnov levou sua vodca a grandes feiras internacionais, como as de Viena, na Áustria, a de Filadélfia, nos Estados Unidos e a de Paris.
Em maio de 1885, à frente da maior produtora de vodca da Rússia, Smirnov decidiu escrever pessoalmente ao czar Alexandre III pedindo para se tornar fornecedor oficial da casa real. Na carta, ele desfiou todas as conquistas, os títulos e os números de sua empresa - inclusive o quanto contribuía para os cofres reais na forma de impostos. Um ano depois, veio uma resposta da corte solicitando que uma amostra dos produtos fosse enviada para avaliação no palácio real, em São Petersburgo. Em novembro de 1886, 17 anos depois de tentar pela primeira vez se tornar fornecedor da corte, Smirnov finalmente conseguiu seu título.
Foram necessários apenas 15 anos depois da morte de Piotr Smirnov, em 1898, para que o negócio entrasse em uma irresistível espiral de decadência - seja pela incapacidade dos herdeiros de administrar a empresa, seja pelas abissais dificuldades decorrentes das mudanças que a Rússia enfrentava naquele momento.
Na tentativa de ganhar uns trocados em meio a uma velhice empobrecida, um dos filhos de Smirnov, Vladimir, decidiu vender a marca em 1933 - tomando o cuidado de mudar a grafia do nome da bebida. Começava ali a trajetória internacional da agora rebatizada Smirnoff.
Em 1962, o então semi-desconhecido ator escocês Sean Connery ganhou as telas de cinema ao protagonizar 007 contra o Satânico Dr. No, o primeiro filme daquele que se tornaria o agente secreto mais reconhecido do planeta. Charmoso e elegante, 007 conquistou o público não apenas pela habilidade em lidar com seus inimigos mas também pelo estilo bon vivant - um homem cercado de beldades, carrões e outros prazeres carnais. Um dos momentos marcantes do filme é a cena na qual Connery pede um martíni "shaken, not stirred" (batido, não misturado). além de se tornar um clássico entre os apreciadores de bebidas, a frase ajudou a popularizar a vodca Smirnoff, a base do drinque predileto de James Bond. Desde então, as vendas do destilado só fizeram crescer.
No início dos anos 1990, os descendentes russos de Smirnov disputavam com a multinacional de bebidas Heublein, então detentora do uso internacional da marca, os direitos sobre o nome. Os descendentes do fundador, estimulados pelo esfacelamento da União Soviética, sonhavam em reconstruir o império de bebidas de seu antepassado na nova Rússia capitalista. Eles argumentavam que a venda dos direitos de uso do nome (numa versão afrancesada , com a letra V final substituída por FF), feita por um dos filhos de Smirnov na década de 1930 para um empresário americano, fora ilegal.
Depois de nove anos de batalha, os russos levaram a pior. A rocambolesca história da família resultou num exemplo de como os primeiros empreendedores capitalistas russos foram sufocados - primeiro por uma autocracia inepta e atrasada e depois pelo brutal regime comunista.
Hoje, a marca Smirnoff pertence ao conglomerado inglês de bebidas Diageo e se tornou um ícone de consumo.
(Fonte: revista Exame - 29.07.2009 / livro The King of Vodka - Linda Himelstein.))
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