Total de visualizações de página

6 de out. de 2011

Lacta

          Inicialmente, Lacta era o nome usado para vender no Brasil chocolates importados da marca francesa Paulain, até que ganhou uma fábrica em São Paulo. A Lacta foi fundada em 21 de janeiro de 1912, no bairro paulistano de Vila Mariana, quando um grupo liderado pelo cônsul suíço Achilles Izella criou a Societè Anonyme de Chocolats Suisse, assumindo a responsabilidade de oferecer aos brasileiros produtos com a mesma qualidade dos importados. No início, suas operações limitavam-se à importação de chocolate da Europa. Na I Guerra, com as importações suspensas, passou a fabricá-lo. A empresa, então, passou a ser pioneira na fabricação de chocolates finos.
          Numa foto do fotógrafo alemão Theodor Preising (1883-1962), de 1930, cuja exposição ficou na Fiesp de 25 de janeiro a 25 de março de 2018, uma imponente loja de chocolates finos da Lacta aparece na esquina da Praça Patriarca com a Rua Libero Badaró, no centro de São Paulo.
          A fundação da Lacta coube a Adhemar de Barros, que foi governador de São Paulo. Seu herdeiro, o deputado federal Adhemar de Barros Filho, PPB/PRP-SP, primogênito do ex-governador, conhecido como Adhemarzinho, vendeu 40% das ações para a empresa suíça Jacobs-Suchard, uma subsidiária da Philip Morris, em 1984. Klaus Suchard, antigo proprietário da Jacobs Suchard, um dos grandes nomes do ramo de chocolates da Suíça, era amigo pessoal de Adhemarzinho. O principal acionista da Lacta continuou sendo Adhemarzinho, que possuía 57% das ações.
          Na ocasião da compra de parte da empresa pela Suchard, Suchard e Lacta firmaram um acordo: embora minoritária, a Suchard participaria ativamente das principais decisões. A promessa não saiu do papel. Logo, os sócios desembarcaram na Justiça. 
          No período inicial da sociedade, entretanto, a Lacta teve momentos de boa evolução. Com suas três fábricas localizadas em São Paulo, após fazer ampliações em cada uma, a Lacta viu seu market share subir de 32,2% em 1987 para 38,8 % em 1991.
          Adhemarzinho, comandou a empresa até 1990, quando o bastão foi passado para o executivo Nelson de Oliveira Alves Filho. Adhemarzinho passou a ocupar então a presidência do conselho de administração da Lacta. Adhemar de Barros Neto, então diretor industrial, passou a ser o único membro da família que dava expediente na Lacta.
          Em meados de 1992, sob a coordenação do executivo Jairo Alves da Silva, diretor de marketing, foi lançado o bombom Lancy. Era o bombom recheado com avelãs, inspirado num doce produzido pela italiana Ferrero, com o qual a Lacta entrava no mercado de candy bar.
          Uma coleção de processos, mandados e liminares ao longo do período transformou a Lacta numa empresa engessada. Em dezembro de 1995, por exemplo, a Suchard pediu o cancelamento da compra de 50% da Visconti pela Lacta, realizada em julho de 1995. Poderia ser uma aquisição como tantas outras. Havia porém um detalhe. Os 50% da Visconti pertenciam ao próprio Adhemar de Barros Filho. A Suchard alegou que soube da transação pela imprensa.
          Na vida da Lacta, mais precisamente nos dezesseis meses que precederam a venda (fins de 1994 a maio de 1996), só os chocolates e bombons que saíam de suas fábricas eram doces. Nas relações entre os protagonistas mais importantes da trama, ao contrário, parecia escorrer um oceano de fel.
          Que Adhemarzinho vivia às turras com a Philip Morris, até as paredes da fábrica do bairro paulistano do Brooklin sabiam. As disputas com o maior fabricante de cigarros do mundo, diga-se, começaram de forma indireta. Em 1989, o grupo americano adquiria a Jacobs Suchard, que desembarcara em 1984 na Lacta, ao comprar 40% das ações. A lua-de-mel durou quatro anos: em 1988, Adhemarzinho rompeu com a Suchard, acusando seu ex-amigo Klaus de tentar apunhalá-lo pelas costas. "Ele queria me destruir e ficar com a Lacta", afirmou Adhemarzinho, em mais de uma ocasião. Seguiu-se então, uma interminável série de interpelações e ações judiciais.
          A situação da Lacta piorou em julho de 1995. Naquele mês, o executivo Nelson de Oliveira Alves Filho, superintendente da Lacta, deixou a empresa. Alves chegara onze anos antes pelas mãos da Suchard. Com o tempo, adquiriu a confiança de Adhemarzinho e tornou-se seu principal colaborador, com uma certa dose de autonomia.
          Pouco antes de meados de 1995, Adhemarzinho correu atrás do Indosuez, um dos mais importantes bancos de investimento da França. Durante um mês, em meados de 1995, um de seus executivos acampou na Lacta. Para apresentar uma proposta de saneamento, ele fez um levantamento completo da companhia. Sua dificuldade era colher informações com Adhemarzinho, uma figura ausente. De qualquer forma, o negócio com o Indosuez acabou não vingando. Um dos principais motivos seria o pedido de empréstimo de 100 milhões de dólares feito por Adhemarzinho. Foi negado.
          Antes do Natal de 1995, Adhemarzinho procurou o Pactual de Luiz Cezar Fernandes, que também negou o empréstimo, mas aceitou o trabalho de reestruturação.
          No dia 4 de janeiro de 1996, Adhemarzinho abandonou o timão. Um jovem executivo de 33 anos, Álvaro Gonçalves, assumiu a superintendência da Lacta. Gonçalves foi alçado ao posto sob as bênçãos do Banco Pactual, contratado por Adhemarzinho para reestruturar a empresa e depois vendê-la. Pela primeira vez na vida, depois de décadas à frente dos negócios, sempre dono da última palavra (e também da primeira, segunda....), Adhemarzinho aceitou a ideia de se desfazer do controle da Lacta. A contragosto. O principal empurrão para essa decisão foi uma dívida de curtíssimo prazo de 70 milhões de dólares.
          O que pouquíssima gente sabia é que os problemas de Adhemarzinho não se resumiam à rixa com a Philip Morris. No front interno, em seu grupo familiar também se alastrava progressivamente a discórdia. As divergências foram escancaradas por Adhemarzinho no começo de 1996. Numa entrevista solicitada por ele a uma revista semanal, Adhemarzinho acusou seus três filhos de estarem conspirando contra o interesse da família e da Lacta. Na sua visão, os herdeiros só estariam atrás do dinheiro, não se importando em consegui-lo mesmo que à custa da bancarrota da empresa. Proferidas em fevereiro, dois meses depois da entrada do Pactual na Lacta, essas acusações foram repetidas mais vezes durante as negociações para a venda da empresa. A voracidade dos herdeiros, que instruídos pelo advogado Alexandre Chade haviam logrado na Justiça reduzir seu poder de arbítrio sobre as ações da Lacta, teria acelerado a crise. "Meu grande erro foi ter transformado meus filhos em sócios", afirmou.
          A versão dos filhos é bem distinta. As diferenças com o pai remontam a 1982, quando da morte de Luiza Helena de Barros, a primeira mulher de Adhemarzinho. Na ocasião, Adhemarzinho, casado em comunhão universal de bens, foi o inventariante do espólio. Pela lei, a metade dos bens do casal deveria ser dividida entre Carolina, Elisa e Adhemar Neto. A Adhemarzinho caberiam os restantes 50%. A joia do espolio era a Lacta. Adhemarzinho controlava-a integralmente. Como pessoa física, detinha 60% das ações. Os restantes 40% pertenciam à sua holding, a Endipa. Na hora da partilha, teria ocorrido, segundo o advogado Chade, uma omissão de Adhemarzinho. "Ele simplesmente não incluiu as ações que detinha como pessoa física no inventário", disse Chade. Em 1988, em acordo com os filhos, as ações remanescentes de Ademarzinho foram transferidas à Endipa, que passou a deter 58% das ações da Lacta.
          Os interesses se acomodaram por um longo tempo. "A despeito da omissão no inventário e da manobra pelo controle da holding, confiávamos em nosso pai", disse Adhemar Neto, que em 1989 assumiu a diretoria industrial da Lacta. "O negócio era tocar a empresa e manter o patrimônio familiar."
          O armistício durou seis anos. No começo de 1995, Carolina voltou a procurar o advogado Chade. Inquietava-a os níveis alarmantes de endividamento dos negócios familiares. Não só na Lacta, mas principalmente na Endipa. Em janeiro (1995), as dívidas da holding somavam 52,5 milhões de dólares, tomados a curto prazo, a juros mensais altíssimos. E o que era pior: os bancos credores eram os mesmos para os quais a Lacta devia 70 milhões de dólares. "Nosso medo foi de que a soma das dívidas acabasse quebrando a empresa", disse Adhemar Neto. Para ele, havia apenas uma explicação para o endividamento da holding e a dilapidação do patrimônio familiar; a atividade política do pai. Adhemarzinho seria um raro exemplo de político que banca sua atividade com seu próprio dinheiro. Em maio, a situação agravara-se: as dívidas da Endipa já montavam a 65 milhões de dólares (em dezembro, 1995, chegariam a 80 milhões). Na Lacta, Adhemarzinho demitira o então superintendente, Nelson do Oliveira Alves Filho, e assumira a direção executiva. "A empresa ficou praticamente sem comando, pois meu pai passava a maior parte do tempo em Brasília", disse Adhemar Neto.
          Paralelamente ao trabalho de reestruturação da empresa, o Pactual começou a procurar compradores para a Lacta. Apareceram sete interessados, mas desde o começo parecia claro que a Philip Morris só não levaria se não quisesse - com 40% das ações, tinha o direito de preferência. As negociações deslancharam com a chegada de Peter Schreer, vice-presidente para a América Latina da Philip Morris, no começo de abril de 1996. Depois de três reuniões decisivas, o acordo preliminar de venda foi firmado no escritório o Pactual, na Avenida Paulista, às 4 e meia da madrugada do dia 27 de abril de 1996, um sábado.
          Ao lado da assinatura de Schreer consta a de Richard Sucre, presidente da subsidiária brasileira da Philip Morris. "A questão agora, é produzir resultados e mostrar que o dinheiro foi bem aplicado", disse Sucre. Segundo ele, a Lacta seria transformada numa das divisões da Kraft Suchard, a sub-holding de alimentos do grupo, ao lado da Kibon, de sorvetes, e da Suchard, que produz balas, gomas de mascar e bebidas em pó. Além de adicionar mais de 400 milhões de dólares às receitas de 1,8 bilhão do grupo, a Lacta tinha um papel estratégico para a expansão da Philip Morris no país. Segundo Sucre, a ideia era integrar as marcas campeãs da Lacta aos cigarros e aos produtos da Suchard num mesmo esquema de distribuição.
          Em maio de 1996, a Lacta, um dos três maiores fabricantes de chocolates do país, foi adquirida pela Kraft Foods, que havia sido comprada pela Philip Morris em 1988, num negócio de 245 milhões de dólares. Os anos de conflitos na Justiça entre a família Adhemar de Barros e seu sócio minoritário indesejado, a Philip Morris, acabaram com a rendição total da família. Adhemar de Barros Filho, o Adhemarzinho, vergado sob uma dívida de 125 milhões de dólares, e sob a pressão dos próprios filhos, teve de entregar a Lacta inteira para a Philip Morris.
          Eram tempos em que, todos os dias, os brasileiros consumiam 2,5 milhões de bombons Sonho de Valsa, um dos carros-chefes da Lacta, a líder do mercado nacional de chocolates, com 33,1% de participação.
          A histórica fábrica de chocolates da Lacta na rua Barão do Triunfo, em São Paulo, deu lugar a um condomínio residencial.
          Em 2012, a Kraft Foods dividiu-se em duas companhias independentes, com sua unidade de snacks (segmento onde está a Lacta) passando a se chamar Mondelēz International. A outra unidade, que continuou com o nome Kraft, comandava os produtos processados, como queijos e massas.
          Em março de 2015, o grupo brasileiro 3G Capital, dono da Heinz, compra a Kraft Foods (a parte cindida em 2012 que permaneceu com este nome), formando a Kraft Heinz.
          A Lacta possui ícones do segmento de chocolates: além dos bombons Sonho de Valsa, estão em seu portfólio o Bis, o Confeti, o Ouro Branco e o Diamante Negro (vide origem das marcas Sonho de Valsa e Diamante Negro neste blog). Na apresentação em tabletes, além do Diamante Negro e outros sabores com a marca Lacta, a companhia tem também a marca Shot.
(Fonte: site da empresa (Mondelez) / revista Exame 29.04.1992 / 20.07.1994 / 17.01.1996 / 22.05.1996 / 01.01.1997 / UOL - 29.08.2017 - partes)

Nenhum comentário: