Total de visualizações de página

6 de out. de 2011

Giroflex

          Se tudo tivesse saído conforme planejava o alemão Hans Schmidt, a Giroflex teria sido instalada muito longe de São Paulo. Talvez no Sri Lanka, destino que o imigrante havia traçado com a mulher, Melanie, e com os filhos Pedro e Joachim para fugir do nazismo. Por falta de espaço no navio, a família acabou embarcando para o Brasil em 1939. Aqui, Hans trabalhou como contador e depois se tornou sócio de uma empresa de aquecedores. Em 1951, deu a grande guinada: trouxe a marca Giroflex para o país em sociedade com o amigo Albert Stoll, dono da filial suíça da Giroflex, indústria de cadeiras de seu avô, Albert Stoll I, fundada na Alemanha em 1882.  
          Até a primeira metade do século passado, as cadeiras de escritórios eram geralmente fixas. Rodinhas? Ajuste? Quase ninguém conhecia. Mesmo assim, a família Schmidt decidiu arriscar. Em um galpão de 700 metros quadrados na alameda dos Arapanés, no bairro paulistano de Moema, começou a fabricar as primeiras cadeiras  giratórias do Brasil, em 1951.
          As cadeiras Giroflex tinham altura e encosto reguláveis, suporte para inclinação e assento giratório. A estrutura era de madeira, e o estofamento, de crina natural. A linha Diplomatic nasce em 1956. A cadeira é produzida em dez modelos, para diferentes funções no escritório. O produto torna-se referência em mobiliário corporativo até a década de 1970.
          Em 1964, o mercado já aceita a tese de que é a cadeira que se deve adaptar ao homem. A Giroflex lança sua segunda geração de cadeiras, feitas de aço, com estofamento de espuma, revestido de tecido sintético e lavável. A terceira geração de cadeiras Giroflex surge em 1983 e facilita os movimentos do usuário. Tem regulagem de altura e de assento, mola para amortecer impactos, apoio angular lombar e curvatura variável para o encosto. Em 1994, a quarta geração de cadeiras é formada por peças mais leves e manejáveis, que se adaptam facilmente a diversos tipos de pessoa, funções e uso. A Giroflex lança poltronas para auditórios e passa a fabricar estações de trabalho. Em 1997, a Giroflex adquire a fabricante de móveis sofisticados Forma.
          Em 1999, sob o comando do executivo Thomas Lanz, a empresa firmou uma joint venture com a americana Irwin, estando em jogo a venda de dezenas de milhares de cadeiras para salas de shows e cinemas multiplex.
          No início dos anos 2000, a Giroflex, por intermédio da loja Forma, começa a trazer para o Brasil os famosos e icônicos móveis da dinamarquesa Fritz Hansen, do designer Arne Jacobsen.
          A Giroflex produziu milhões de cadeiras e mudou o conceito desse utensílio, até então visto como mera "máquina de sentar". A marca pioneira valorizou a ergonomia e também virou sinônimo de design de móveis de escritório no Brasil.
          Por volta de 2002 a empresa já era administrada pela terceira geração, tendo à frente da diretoria de marketing e vendas, Markus Schmidt, neto de um dos fundadores.
          Para criar a linha de cadeiras batizada de 64, a fabricante suíça Giroflex realizou dois anos de pesquisas em parceria com renomados centros de desenvolvimento de tecnologia da Europa, como o Walser Design. Foram investidos 3 milhões de dólares no projeto. Os modelos da linha foram desenvolvidos para permitir a livre circulação do sangue e manter o apoio das costas em qualquer posição que a pessoa escolher.
          No início de 2011, Magim Rodriguez, ex-presidente da Ambev, Sérgio Saraiva, ex-vice presidente da AB Inbev na Ásia, e Luiz Claudio Nascimento, ex-Gafisa, compraram a Giroflex, que tinha uma marca conhecida e faturamento de 200 milhões de reais, mas passava por dificuldades. A compra foi feita pelo Galícia, fundo de investimento criado por Rodriguez em 2007. O preço parecia bom: 10 milhões de reais por 51% da companhia, controlada por uma fundação beneficente herdeira das ações do fundador Hans Schmidt. O plano era aquele: aplicar os princípios de gestão da Ambev, expandir a empresa e, depois abrir seu capital na bolsa. A fundação ficou com 49% do negócio e tinha opção de vender sua parcela até março de 2015. Mas a empresa faliu antes disso.
          No caso da Giroflex, não houve "ambevização" capaz de salvar a empresa da falência. Saraiva começou seu "choque de gestão" em maio de 2011, quando assumiu a presidência da empresa, cortando benefícios da diretoria e reavaliando o processo de produção. Como na Ambev, a ordem era reduzir custos de qualquer maneira. Desde sua fundação nos anos 1950, a Giroflex fabricava tudo que fosse necessário para produzir uma cadeira - dos estofados aos parafusos. Saía caro, mas a empresa tinha um controle de qualidade mais apurado. Saraiva passou a comprar rodas e outros componentes de fornecedores chineses. Em um ano o número de funcionários caiu de 1000 para 300 pessoas.
          Os novos proprietários também aposentaram as linhas de produtos com margens mais apertadas, como móveis e arquivos deslizantes, que a Giroflex fabricava há décadas. O plano era centrar esforços na venda de cadeiras e lançar produtos mais inovadores - e caros. Tudo para sair do vermelho o mais rapidamente possível. Os estádios da Copa do Mundo de 2014 seriam uma oportunidade. A Giroflex forneceu os 80.000 assentos do Maracanã, mas ficou nisso. A meta era faturar 1 bilhão de reais por ano até 2017. Para chegar lá, foram contratados dezenas de novos executivos e promessa de bônus milionários. O problema é que a empresa nunca deu lucro - e portanto, nunca pagou bônus.
          Em 2012, primeiro ano de gestão completa do Galícia, o prejuízo da Giroflex mais que dobrou. Isso detonou uma guerra entre os sócios. Nos processos judiciais, os ex-executivos da Ambev dizem que o prejuízo cresceu em parte porque os balanços anteriores eram maquiados. O Galícia não teria percebido fraudes em contabilização de crédito tributário e ativos na verificação de contas na aquisição. Osvaldo Cardoso Ribeiro, que representava a fundação rebate dizendo que os balanços eram auditados pela KPMG.
          A troca de acusações revela uma falha na estratégia da Giroflex que Lemann e sua turma nunca cometeram: deixar que minoritários interfiram na  gestão da companhia. Como os resultados só pioravam, Ribeiro passou a contestar as ações dos novos donos e se recusou a aprovar o balanço de 2012. A gota d'água foi o plano de reestruturação que o Galícia planejava implantar para salvar a Giroflex. A ideia era fechar a fábrica em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, e abrir uma montadora de cadeiras com incentivos fiscais no Sul do país, com até 80 funcionários. Mas a empresa precisava de um aporte de 8 milhões de reais que nunca foi feito.
          Em maio de 2014, depois de várias reuniões infrutíferas, a última tentativa foi feita numa assembleia. Sem acordo sobre novos aportes, os executivos decidiram pedir a falência da Giroflex, que acumulava dívidas de 80 milhões de reais.
          Na época da aquisição, o Galícia concordou que a marca Giroflex dada em garantia para o pagamento de ações de outro minoritário, Georg Lentzen. A Giroflex não pagou e perdeu a marca antes de falir. Devendo aluguel, a fábrica da Giroflex foi despejada.
          No processo de falência e numa arbitragem, os ex-controladores acusam o Galícia de gestão temerária e crime falimentar. Já o Galícia acusa os sócios de maquiagem de balanço. Um pede indenização ao outro. Certeza, mesmo, só a de que os credores da Giroflex dificilmente receberão alguma coisa.
(Fonte: suplemento Exame SP - 2002 / Exame - 21.07.2004 - revista Veja Mercados (Geraldo Samor) - 10.06.2014 / Exame - 18.03.2015 - partes)

2 comentários:

Unknown disse...

Ótima postagem! Não havia encontrado ainda as origens reais da marca!

Segue uma pequena contribuição de sugestão de postagens:

Forma (Martin Eisler, Carlo Hauner e Ernesto Wolf)
Mobilínea
Unilabor e Hobjeto (Geraldo de Barros)
Oca (Sérgio Rodrigues)
Branco & Preto
Eternit
L´Atelier (Jorge Zalszupin)
Arredamento
Spazio Ambiente
Móveis Gobbi
Novo Rumo (criada por um parente do Giuseppe Scapinelli)
Italma
Liceu de Artes de Ofícios
Mobília Contemporânea
Celina Decorações
Móveis Fátima
Móveis Zanine (Zanine Caldas)

O seu blog está fantástico!!! Você devia montar algo mais legal, como um canal do Youtube (que está em alta agora), fazendo uma pesquisa profunda mesmo, como o Pirula ou o Christian Gurtner, do Escriba Cafe fazem.

Grande abraço!

Origem das Marcas disse...

Obrigado Flavio Yamamoto, por seus comentários. E agradecemos também suas sugestões, que faremos o máximo para segui-las.