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6 de out. de 2011

Encol

          Incrível !!!!!!!!!! Entre as características que fazem parte da personalidade do empresário Pedro Paulo de Souza não está a imprudência. Consequentemente, está a prudência. Souza, um capixaba nascido em 1936, começou a vida no Rio de Janeiro a partir de uma carrocinha de mate comprada com as economias juntadas dando aulas particulares de matemática. Antes de começar com a carrocinha de mate, Souza fez um teste para aferir as chances do negócio no qual pretendia entrar. Ao aproximar-se de um dos ambulantes pediu um copo de mate e, para pagá-lo, sacou do bolso uma nota de valor dezenas de vezes superior ao necessário. Quando teria visto o ambulante manusear aquele maço de dinheiro para lhe dar o troco, não teria tido dúvida de que se tratava de um bom negócio.
          Dois anos mais tarde, em 1960, dono de quinze carrocinhas e um anel de engenheiro no dedo, Souza vendeu a frota e partiu para Brasília, a fim de tentar um novo salto na vida. Sua estreia na construção civil deu-se com uma fábrica de tacos em Goiânia. Depois disso, Souza fundou, em 1961, a Encol Engenharia e Comércio Ltda., uma pulga no mercado. O capital da Encol não dava para comprar metade de um carro Volkswagen. Na época, ele andava de ônibus e morava numa pensão.
          O ano de 1992 foi particularmente promissor para Souza, que se convenceu de que a recessão promovida pelo governo Collor acabou por fazer-lhe bem. "Nos últimos dois anos aprendi mais do que nos 30 anos de existência da Encol", disse, em reportagem da revista Exame de 6 de janeiro de 1993.
          Outro motivo para considerar que o ano de 1992 seria bom para a Encol foi no ramo de hotelaria. Em abril (1992) Pedro Paulo estava costurando um acordo com a rede de hotéis Ramada, da Espanha, para erguer um novo cinco estrelas em São Paulo. A intenção da construtora era entregar ao grupo espanhol a administração do hotel, que deveria localizar-se na região da Avenida Paulista. O projeto, do arquiteto Rui Ohtake, estaria avaliado em 110 milhões de dólares.
          Em 1992, o setor de construção civil andou para trás, definhou. A falta de fontes de financiamento do governo e o custo do dinheiro, que tornou proibitivo tomar recursos dos bancos, jogaram a maioria das empresas do ramo no marasmo. A maioria, mas não todas. Uma das que escaparam e, apesar da crise, espalharam seus canteiros de obras pelo país foi a Encol, baseada em Brasília. Maior construtora do país de então, a Encol fechou 1992 com um faturamento de 650 milhões de dólares. Na folha de pagamento estavam registrados 25.000 funcionários, quase 10.000 acima do contingente de 1991. Souza tocava, no início de 1993, 318 obras, mais do que o dobro do volume em carteira existente dois anos antes.
          Parte daquele crescimento veio de um truque usado pela empresa naqueles tempos de vacas magras: o escambo. Nesse sistema, concreto, ferro, cimento, projetos, areia, brita, parafusos, vale-transporte, pó de café, e até sandálias de borracha fazem as vezes de moeda corrente. O escambo equivalia a 10% do faturamento. O esquema de permuta estaria dando tão certo que a Encol montou uma estrutura só para fazer as trocas. São lotes, casas, apartamentos, carros e materiais usados nas obras. A esse tipo de patrimônio, cuja utilização no pagamento é prática corriqueira no mercado, a Encol acrescentou uma lista incomum de itens. Um lote de 6.000 calças foi usado para fechar um negócio. As calças foram distribuídas entre os próprios operários da construtora. A empresa trocou creolina, camisetas, sandálias e até palmito, usado no restaurante para reforçar a dieta de seu pessoal por um bom tempo. Tudo seguindo a premissa de que o escambo tem pelo menos duas vantagens. A primeira é a possibilidade de não empatar capital na compra de matérias primas. A segunda é vender hoje o que só estará pronto amanhã. Souza recusou um jatinho Seneca que um cliente em potencial queria dar-lhe como pagamento. Mesmo tendo aparente cacife, se julgou espartano demais para aceitar a oferta.
          No final de 1992, sob o comando do executivo Dolzonan da Cunha Mattos, superintendente da Encol, a empresa definiu para 1993 um investimento publicitário de 15 milhões de dólares, 15% superior ao do ano em curso. A verba publicitária daria respaldo para a expansão dos negócios.
          Em meados de 1994, podia-se notar a agressividade por parte da Encol nos negócios. Pode ser medida por uma frase do superintendente da Encol em Brasília, Marcos Vinícius Viana. "Fazemos qualquer negócio", dizia ele. "Tudo o que tem liquidez é moeda aceita por nós."
          A maneira de atuar da Encol transformou-se numa espécie de paradigma que explicava, em boa medida, o reaquecimento do setor imobiliário. Maior empresa do ramo imobiliário. Maior empresa do ramo (faturamento de 600 milhões de dólares em 1990 e de 1 bilhão em 1993), a Encol possuía 518 empreendimentos em construção em 50 cidades. Eram mais de 41.000 unidades, entre apartamentos, salas comerciais, hotéis e shopping centers espalhados por todo o país.
          Os primeiros rumores de que a Encol enfrentava problemas financeiros graves começaram a circular em maio de 1995.
          No ano seguinte, o Banco do Brasil, um dos principais credores, promoveu uma "intervenção branca" na construtora, nomeando executivo para cuidar das finanças da empresa. No final de 1996, Pedro Paulo Souza, o dono, passou a depender da boa vontade dos bancos para poder entregar apartamentos que vendeu.
          Em 1997, no auge da crise da construtora, o caso tornou-se um escândalo e virou questão de polícia, com acusações de desvio de dinheiro, sonegação de impostos e remessa ilegal de divisas ao exterior por parte do acionista majoritário, Pedro Paulo de Souza, e ex-diretores.
          Naquele mesmo ano, foi formado um pool de bancos para arquitetar uma solução de consenso para todos os credores, mas a iniciativa não obteve sucesso. Paralelamente, promotores de defesa do consumidor de Brasília (sede da empresa) instauram inquérito civil para apurar danos causados a clientes. As obras prometidas já estavam atrasadas.
          Em agosto do mesmo ano, o problema, até então de má gestão financeira de um negócio, ganha dimensão policial. Um relatório da auditoria Deloitte Touche Tohmatsu sobre as contas da Encol vem a público e aponta a evidência de sonegação de impostos, desvio de dinheiro, uso de caixa dois e prejuízo de R$ 380 milhões.
          Investigações realizadas pela Polícia Federal indicavam que as irregularidades na empresa eram praticadas desde 1993.
          Em novembro de 1997, a Encol entrou com um pedido de concordata preventiva na Vara de Falências e Concordatas de Goiânia.
          A Encol entrou com pedido de concordata em 1998, quando deixou mais de 600 prédios inacabados. Na época, a dívida da construtora com o sistema financeiro era estimada em aproximadamente R$ 700 milhões. O BB era um dos maiores credores da construtora.
          Em março de 1999, a Justiça decretou a falência da empresa. Levantamentos da época indicavam que a Encol devia R$ 2,5 bilhões e que poderia obter no máximo R$ 500 milhões vendendo seu patrimônio.
O tamanho da tragédia:
- 720 edifícios ficaram inacabados com a concordata;
- 99% das obras correspondiam a prédios residenciais;
- 42 mil clientes foram lesados pela construtora;
- Outras 10 mil pessoas ainda não tinham escritura;
- R$ 1 bilhão é a dívida da massa falida da Encol. Do total, R$ 30 milhões são de dívidas trabalhistas;
- R$ 6,3 bilhões era o valor total dos imóveis inacabados;
- 15% do mercado paulistano pertencia à Encol.
- dos 1.000 funcionários no momento da falência, restaram 100 prestadores de serviço para a massa falida.

(Fonte: revista Exame - 29.04.1992 / 23.12.1993 / 06.01.1993 / 22.06.1994 / 01.01.1997 / 21.07.2004 / jornal Folha de S.Paulo online - 01.02.2006 / revista IstoÉDinheiro 07.06.2006- partes)

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